O Momento, Outrora Correto, de Evasão da Ditadura Militar
Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 15/07/2025 | HistóriaOs militares brasileiros sempre foram bastante precisos na sua atividade-fim, que é a guerra. Só perderam uma dentre muitas (a Guerra da Cisplatina, no Primeiro Império). Uma força que, desde 1648 (com a Batalha de Jaboatão dos Guararapes, contra os Neerdandeses), forjou a identidade nacional do Brasil e perdeu só uma em dezenas de guerras não é nada desprezível.
Entretanto, quando se propõem a administrar o país, seja por meio de golpes, revoluções ou mesmo via pleito democrático, temos uma verdadeira receita para o desastre. Censuras, prisões, torturas e mortes são a regra nas duas primeiras situações, e, na terceira, há a tentativa de subverter o processo democrático num famigerado sistema autoritário. De preferência, com agudas crises econômicas
Alguém já disse que a forma mais fácil de se conquistar a lealdade de um homem é pelo seu estômago. Num ambiente dominado pelo medo, poderíamos citar o famoso dramaturgo alemão oriental Bertoldt Bretch, para quem seria “primeiro o estômago, depois a moral”. Isto é, se a situação econômica estiver tecnicamente favorável, os não atingidos pela censura, prisão, tortura ou morte de alguém próximo, e que estiverem socialmente no lado favorecido da prosperidade oficial estariam, ainda assim, satisfeitos. E é isso o que tecnocratas do Regime Militar de 1964, como Roberto Campos e Delfim Netto, concretizaram: se aproveitaram de uma conjuntura internacional favorável à realização de grandes investimentos caracterizados por obras de infraestrutura eliminadoras de muitos de seus próprios gargalos, efetuando uma rápida industrialização. Foi o chamado “Milagre Econômico Brasileiro”, uma época de ouro para a economia técnica, com crescimento anual de 11% a 14%, que subsistiu durante os governos de Arthur da Costa e Silva, da Junta Militar e de Emílio Garrastazu Médici. Médici foi o que mais se beneficiou daquele momento de euforia, eis que o mais popular dos ditadores militares de 1964 (apesar de ser o que mais censurou, torturou, prendeu e matou). Mas, mesmo no auge de sua vaidade, que da mesma fez a conquista do Tricampeonato Mundial de Futebol na Copa do Mundo de 1970 ser uma virtude do regime, admitiu que “a economia vai bem, mas o povo vai mal”. Como os números do Produto Interno Bruto nominal eram altos para o governo e beneficiadores de apenas uma minoria, tratava-se de um “milagre” frágil, que não subsistiria à primeira intempérie. Portanto, para preservar suas biografias, Médici e os militares que o sustentavam, e que haviam derrotado as guerrilhas terroristas inimigas do sistema, deveriam ter deixado o Poder ao final daquele mandato, retornando o comando às mãos dos civis.
Não foi o que fizeram. Preferiram continuar, e, assim, amargar a primeira Crise Internacional do Petróleo, ocasionada pelo ataque do Egito e da Síria a Israel (dita invasão originou a Guerra do “Yom Kippur” e ocorreu ainda em 1973, durante o governo de Médici), que afetou os mercados receptores de petróleo, como o Brasil. O “Milagre” esvaiu-se e a crise subsequente contaminou os dois governos militares subsequentes, de Ernesto Geisel e João Figueiredo, que enfrentou a segunda Crise Internacional do Petróleo, decorrente do embargo dos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo às vendas externas, especialmente para o Ocidente. Figueiredo, desta forma, teve de lidar com inflação, estagflação e hiperinflação, que foram as marcas de seu governo, continuador da abertura “lenta, gradual e segura” de Geisel (estimulada pelas consequências econômicas da invasão de 1973). Teve de haver eleições mais livres, o Movimento das “Diretas Já” e a eleição de um civil no Colégio Eleitoral. Figueiredo pediu para que o esquecêssemos, e, voluntariamente, saiu pela porta dos fundos do Palácio do Planalto. Com tudo isso, o que se calcificou nas cabeças da população? Somente as censuras, as torturas, as prisões e as mortes.
Lição da História: sempre que inevitável se evadir de uma situação de comando, façam-no quando há estabilidade e bom ambiente a manter vivas as vossas biografias e dos seus (pelo menos diante de parte, ainda que menor, dos que de vós dependem), não perpetuando-vos a de modo a lhes expor aos caprichos e desventuras do futuro.