O MISTÉRIO DO GATO PRETO E DA GATA GORDA E O NARRADOR PÓS-MODERNO¹
Andresa Costa ²


O mundo passou por muitas mudanças na literatura, nas ciências e na sociedade na década de 1950 quando se encerrou o modernismo, a esse período de mudanças dar-se o nome de pós-modernismo. Com o pós-modernismo houve uma relevante mudança nas artes, como na técnica e na concepção da narrativa. Segundo Benjamim mencionado por Santiago no livro Nas malhas das Letras, há registro de três estágios evolutivos por que passa a história do narrador, o primeiro intitulado, narrador clássico que transmite sua experiência, o segundo o narrador de romance que perde o tom pedagógico-moral, e o narrador jornalista possuidor de uma caráter informativo( é o caso de Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis que possui marcas do pós-modernismo, em que o narrador, Brás Cubas preocupasse apenas em relatar informações suas ao leitor).
Sendo assim analisaremos a seguir o conto O mistério do gato preto e da gata gorda de Valêncio Xavier, autor pós-modernista, nascido em 1933, atuante em diversos campos como jornalista, cineasta entre outros. O conto trata-se de uma trama romântica cheia de mistérios, onde o narrador (o gato preto) utiliza-se da figura de linguagem a comparação para caracterizar sua amante (a gata gorda).

"Gatos costumam ser altivos por natureza, não se entregam fácil. Disfarçados como eles só querem agrado mais fingem não querer [...]. Ela também era assim, queria se entregar a mim ? e como queria ? mas não dava o braço a torcer [...]" (XAVIER,1998)

Na análise da estruturação do conto percebe-se a sobre posição de imagens assim como a ocorrência de períodos curtos, dando ao texto um caráter fragmentado, pois segundo Silvano Santiago "as narrativas hoje são, por definição, quebradas."(1989:54), um quebra-cabeça de idéias fazendo com que o leitor repense ao final da leitura o por que de um final tão trágico.
O conto O mistério do gato preto e da gata gorda causa certo constrangimento ao leitor, pois apresenta várias temáticas como à violência, a traição e o predomínio da exposição da sexualidade. Portanto uma construção baseada em características do mundo real, um paradoxo que representa a mulher contemporânea que busca total independência.
Percebe-se que o narrador adota a posição de repórter (características do narrador jornalista) onde extrai a si da própria ação narrada, desta forma é passado como uma reportagem "As marcas do cadáver: meu nariz torna-se mais pontiagudo do que era, com uma orla enegrada, os pêlos das narinas cobertos de uma poeira esbranquiçada. [...] (XAVIER, 1998) Com isso nota-se o favorecimento de técnicas jornalísticas do narrador, informando ao leitor o que se passa.
Para Santiago "a coisa narrada é mergulhada na vida do narrador e dali retirada; a coisa narrada é vista com objetividade pelo narrador, embora este confesse tê-la extraído da sua vivência ( IDEM,ibidem: 46). Desta forma isso explica o fato do narrador apresentar insensibilidade ao descrever sua morte, limitando a informar o leitor a descrição de um crime prendendo assim ao leitor como à um telespectador.
Conforme (Santiago 1989:58) "Num conto pós-moderno, morte e amor se encontram no meio da ponte da vida." Percebe-se, sobretudo que esses dois elementos ocorrem no conto em análise.
[...] se fosse verdade eu amava aquela mulher, e ela me amava. Ela veio com uma faca e enfiou na minha barriga com toda força que tinha [...] O sangue não circula mais em minhas veias, o calor do meu corpo se esvai para sempre. Minha pele fica seca e toma a cor cinza. [...] (XAVIER, 1998)

Ao final do conto o autor surpreende o leitor com a presença da grafoespacialidade, recurso que consiste em valorizar a palavra dentro de um contexto, uma forma de fazer com que a palavra se relacione com seu significado.
" Meu cérebro não pensa mais. Pensa no nada
o nada
nada
ada
da
a"
(IDEM, ibidem, 1998)

O desenho construído pela subtração do vocábulo "o nada" trata-se da forma da arma pela qual o narrador foi assassinado, "Ela veio com uma faca e enfiou na minha barriga [...]"(IDEM, ibidem, 1998), do mesmo modo que da idéia de que a vida vai se esvaindo aos poucos e um simples "a" denota o final de tudo, o vazio, a morte.
Conclui-se que o narrador pós-moderno surgiu com características de uma narrativa inovadora, com o intuito de informa o seu leitor do que acontece, utilizando técnicas jornalísticas para aguçar a curiosidade do leitor tornando o mesmo extremamente informado.



REFERÊNCIA

SANTIAGO, Silvano. "O narrador pós-moderno" in: Nas malhas das Letras. São Paulo: Companhia das letras, 1989, p.44-60.

XAVIER, Valêncio. "O mistério do gato preto e da gata gorda" in: O mez da grippe e outros livros. São Paulo: Companhia das letras, 1998.