A Ironia é uma simulação que questiona as verdades estabelecidas, ou seja, põe em dúvida aquilo que é considerado certo e inquestionável. Sócrates fazia as pessoas perceberem que elas, na verdade, sabiam muito menos do que julgavam que conhecessem. A Ironia socrática é, na verdade, uma forma pedagógica encontrada pelo filósofo para expor as suas idéias e suas críticas. Consistia em esconder seu saber e não revelar suas qualidades, fazendo-se passar por ignorante. Com esse modo de agir Sócrates pretendeu questionar as verdades estabelecidas. E era essa sua intenção: pôr em dúvida o que era considerado certo e verdadeiro. Não que Sócrates quisesse tornar a verdade relativa e subjetiva, como aconteceu com a filosofia moderna depois do Renascimento. Ao contrário, Sócrates acreditava que a verdade das coisas existe independentemente de nossas vontades e opiniões, como será visto mais adiante quando se abordará brevemente a verdade na concepção socrática. O método de Sócrates ameaçou a opinião dominante e os poderosos de Atenas daquela época, bem como sacudiu os valores consagrados daquela sociedade. Em função disso, Sócrates viveu cercado de inimigos. O governo de Atenas o acusou de perverter a juventude e de não respeitar os Deuses gregos. Ele fazia pensar e essa era a “Principal Ameaça”. Foi obrigado a se suicidar em público bebendo Cicuta. 1 É interessante observar que Sócrates não se defendeu das acusações por duas razões centrais. A primeira é que, segundo ele, quem não deve não tem do que se defender. Defender-se, seria o mesmo que aceitar as acusações, ou seja, era o mesmo que concordar com os acusadores. A Segunda razão é de outra ordem. Sócrates foi um defensor da ideia de que a alma é Imortal. Portanto, morrer, não era morrer, mas apenas mudar de estado. É daí que vem a Doutrina Da Imortalidade Da Alma que, mais tarde, através do platonismo, vai incrementar as teologias de diversos pensadores na filosofia cristã. Sócrates costumava dizer que sua filosofia assemelhava-se ao trabalho de uma parteira. Ele toma esse exemplo de sua mãe que havia sido parteira. A parteira ajuda as mulheres a parir suas proles e o filósofo ajuda as pessoas a parir suas idéias. Todos nós temos grandes e belas idéias, mas precisamos pari-las, ou seja, precisamos colocar nossas idéias à luz. Esse método socrático de agir recebeu o nome de “Maiêutica” porque deriva de “Maieutikés”, que em grego significa Parteira ou Ajudante do parto. A filosofia de Sócrates consiste nesse grande paradoxo: Precisamos saber que nada sabemos e ao mesmo tempo precisamos saber que temos muito conhecimento em nós, só faltando a coragem de pari-lo. CARACTERÍSTICAS CENTRAIS DO SOCRATISMO A filosofia socrática põe os termos que vão caracterizar toda a filosofia ocidental posteriormente, ou seja, pergunta-se pelo Ser mesmo de alguma coisa, sem se importar com a opinião que podemos ter sobre aquela coisa. Sócrates quer o conceito, a essência da coisa. Quer a verdade de algo independentemente da 1 CICUTA é um veneno. opinião ou do julgamento que pode ser feito sobre determinada coisa. Para ele é certo que, se existe a verdade sobre algo, essa verdade é única. Não pode, pois, haver duas verdades sobre algo. O verdadeiro é verdadeiro e não pode ser de outra forma; do contrário não seria verdadeiro. Opiniões variam de lugar para lugar, de cultura para cultura, de período histórico a período histórico e assim por diante. Sócrates não aceita que uma verdade de algo possa mudar. A verdade, para ele, é intemporal e válida para todos os tempos e lugares, independentemente das circunstâncias culturais ou históricas. Se algo é verdadeiro, então necessariamente há uma essência verdadeira e imutável que caracteriza aquela coisa que é verdadeira. Todo esse processo ontológico de indagar se algo é verdadeiro passou para a história da filosofia como Metafísica – aquilo que está além dos limites do mundo físico e sensível – e está presente nas filosofias modernas e contemporâneas de pensadores como, por exemplo, Descartes, Kant, Hegel, Heidegger, Derrida e outros. Não foi propriamente Sócrates que inaugurou a tradição Metafísica e da Verdade em Si sobre o Ser de alguma coisa (Entes, Ontologia). Antes dele, Parmênides já havia colocado questões fundamentais deste aspecto, com os quais, posteriormente Sócrates e Platão viriam a se ocupar. Como já foi dito antes, no que se refere à verdade de alguma coisa, há uma diferença muito grande em afirmar, por exemplo, que “aquela flor é bela”, e perguntar “o que é a beleza?”. O mesmo pode ser dito do Justo, do Amor, da Fraternidade, da Maldade, da Educação, da Dor, do Sentimento, da Alma e etc. Porém, Sócrates não responde de forma objetiva as questões que levanta; essa inegavelmente não era a sua intenção. Cabe a cada um de nós achar a sua própria maneira de resolver as questões que nos afligem. Por causa disso muitas vezes ele foi acusado de ser do grupo dos sofistas (Resende, Org., 1991). Pois, se de um lado ele defendia a verdade em si de alguma coisa (imutável e atemporal), por outro deixava ao subjetivismo a resposta. Mas Platão, seu discípulo e seguidor mais fiel, vai esforçar-se para desfazer essa imagem que muitos tiveram do velho mestre de Atenas. Platão vai insistir que Sócrates não respondeu porque queria que cada um descobrisse a verdade que habita em nós.2 Que a verdade é possível através da contemplação e da intuição interior. Vai ser exatamente do rastro deixado pela filosofia de Sócrates/Platão que Santo Agostinho, quase 8 séculos mais tarde, já em plena era cristã no Ocidente, vai formular sua teoria da Iluminação e da Contemplação. REFERÊNCIAS. PLATÃO. Os Pensadores. 3ª Edição. São Paulo: Abril Cultural, 1983. REZENDE, Antonio, Org. Curso de filosofia para professores e alunos de segundo grau e de graduação. 4ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor/SEAF, 1991. 2 Por exemplo, na obra intitulada Fédon , p.111-126. (Platão, 1983)