Porta um veloz corcel,

O esnobe que se acha

Maior do que o céu

E as nuvens de fumaça.

Agride a natureza

Com seu arco e flecha.

Arrota sua destreza

Sob castiçais nas festas.

Um dia o inaudito,

Na trilha que envereda,

Descobre um esquilo

Que insulta sua nobreza.

Como da boca, o bicho

Falava com esperteza.

Num bosque assombrado,

Regado de tristeza.

És mago, feiticeiro

Ou és um estrangeiro

Em terras que são minhas?

O nobre alisa as crinas

De seu corcel talhado;

Espreita com cuidado,

O bicho que caminha

De um a outro lado.

Sou um esquilo nato,

Que tem essa proeza;

Um dom da natureza,

O bosque encantado.

Pertence ao teu reinado.

Mas, podes ter certeza

Que só com a pureza

Terás bom resultado.

Sou nobre, sou louvado.

Eu piso em quem me espelha.

E em minha grandeza,

Jamais fui insultado.

Repito obstinado

Que em minha fortaleza

Há cabeças de presas

E corpos pendurados.

Conversa de pedante;

Não passas de uma lesma.

Grandeza há num gigante.

Tua pequenez, soberba.

Se nesse mesmo instante,

De um inseto, fosses presa,

Em febres e delírios

Perdias tua nobreza.

Maldito esquilo ofende-me;

Atiro-te uma flecha

Que tua testa fende

Como o vulcão, a terra.

Ou ponho armadilhas

E atrás de ti, matilhas

Que o seguirão por milhas

Até a vida eterna.

Tua pequenez, violência.

Instinto pra ciência.

Para a crença, o diabo.

Olhando-te deste galho

Eu imagino um raio

Partindo tua cabeça.

Iníquo, não esqueças,

Pra natureza eu valho.

Não serves nem pra caça;

Ririam pela graça

De tão pequena presa.

Não valeria empreita

Pra ínfimo resultado.

Um esquilo danado

Que quer me ver queimado

Como acha em fogueira.

Tua pequenez, insulto.

Um homem tão astuto

Que perde a cabeça

Diante de um bicho;

Dirá de um inimigo

Com lança de madeira

E de ferro fundido;

Serias então vencido.

Não há no céu, na terra,

Sob água, sobre serra,

Varão me ver vencido.

Não serei esquecido

Por milhares de eras.

Sou nobre, sou galhardo.

A um esquilo safado,

Não mais darei ouvido.

A isso, não duvido.

Jamais é esquecido

Um flagelo severo

Que fere a natureza.

Tu és com certeza,

O exemplo mais louvado

Para mostrar o errado,

O antônimo da beleza.

Devastarei o bosque

Que pertence ao meu reino

E para o meu herdeiro,

A ordem que o sufoque,

A cada vez que brote

Que volte a queimar.

E que qualquer um pode,

Um esquilo matar.

Quão dói o que é verdade.

Na infância ou mocidade,

Na avançada idade,

Ninguém a quer ouvir.

Preferes então mentir.

A terra há de se abrir

E numa enorme fenda,

Sei que irás sumir.

Tu não me ofendas,

Oh, esquilo danoso.

Eu quebro o teu pescoço

Como se racham lenhas.

Sou a ti superior

Por ser um ser pensante.

Cala-te nesse instante

Ou mostro o meu furor.

Em que és superior?

Diga-me nobre.

No arco, no alforje,

No senso ou no humor?

Aguarias a flor

Que ao campo, morre?

O que nos torna forte,

É a espada e o amor.

Sou forte pela minha ousadia,

Nobreza e galhardia.

Dos meus sou defensor.

Não me importa a flor.

Na certa, a pisaria.

A espada é meu guia;

Meu arco, meu mentor.

Assim, eu sou superior.

Ser nobre é dá valor

A tudo que nos cerca.

Tu não és, na certa,

O melhor condutor.

Na minha ironia,

Jamais tu, passarias

De um rude sem pudor

Que adota a tirania.

Sou nobre de família.

Herança tem meu garbo.

Sou um caçador nato,

Assim meu pai dizia.

Sou o senhor da vila;

Por todos, aclamado.

O teu maior pecado

Foi incitar-me à briga.

Ninguém aqui duvida

Que és senhor da vila,

Do reino e do que for.

Mas, que mente vazia.

Eu mesmo mostraria

Que à natureza habita,

Teu reino, tua vida,

Teu cargo de senhor.

As árvores nascem outras.

A caça é abundante.

Enxergo tão distante

Que vejo além das coisas

Que queres me mostrar.

Jamais se acaba, o ar.

As águas vão durar

A minha vida toda.

Há! Que cabeça oca.

Além de tu, há outros.

Fecha essa tua boca,

Estás ficando louco.

Tudo o que tens é troco,

Diante do planeta.

Os bens da natureza,

Um dia, serão pouco.

Estou desconfiado.

És um servo escondido

Que usa do artifício

De ser um bom ventríloquo

E de algo ver vingado?

Não nota que o danado

Do bicho enfurecido

Assusta o seu cavalo.

Dos arreios, desvencilhado,

Põe-se de pé, o nobre.

Desfere então um golpe

Que não é acertado.

O esquilo dele foge

Tal qual no céu, um raio.

Insiste por ser forte

Mas cai no chão, cansado.

Que bicho dos diabos.

Resmunga então o nobre.

Sem seu garboso porte,

Ficou desfigurado.

Por achá-lo uma farsa,

Deixou-me a pé na mata.

Que bicho atinado,

Não acertei-lhe a espada.

Do outro lado, o esquilo

Num galho acha graça.

Pareces intranqüilo;

Onde aprendeste a usá-la.

Acostumado ao longe

Com a flecha atirada.

Jamais é cara-a-cara;

O caçador se esconde.

Cuidado esquilo covarde,

Exageras na troça.

Talvez armar eu possa,

Um bote, então pegar-te;

Prender-te numa jaula,

Sem água e sem comida

Até que enfim, me diga

De onde vem tua fala.

Teu ceticismo me cala.

É algo que admiro.

Deves está doido, eu digo.

Pois esquilo nenhum fala.

Se prestares atenção,

O que tem em tuas mãos

Não é nenhuma espada.

É uma faca enferrujada.

Que magia desgraçada.

Minha espada virou faca.

Dessa forma estou perdido.

O danado do esquilo

É uma bruxa disfarçada.

Essa mata é encantada.

O que irás fazer comigo?

Diz o nobre em voz alta.

Eu não te faria nada

Posto que nem mesmo existo.

Olhe bem, que eu, o esquilo,

Sou um pedaço de tecido

De uma manta esfarrapada.

Meus movimentos, o vento.

O teu louco pensamento,

Minha imagem, minha fala.

Bruxaria! Não duvido.

Transformado em pano, o esquilo

E a minha espada em faca;

A densa mata em beco.

A realidade eu vejo.

Sou apenas um mendigo,

Sou um personagem vivo

De uma história sem fada.