O melhor pai do mundo 

       Registra-se que um senhor, já com a idade avançada, vivendo sozinho em sua pequena casa, já que era viúvo, passou a ser uma preocupação do seu único filho e esposa, quanto à sua segurança na locomoção e manutenção da casa, sozinho. Resolveram que a melhor alternativa seria trazê-lo para morar com eles. Nada mais justo para todos. Eles tinham um filho ainda pequeno que além de não ser impedimento para a convivência, representava a possibilidade de um ambiente com várias gerações onde a troca de hábitos e experiência beneficiaria a todos: avô, filho, nora e neto.

       Nova vida, novas rotinas, novas lições. Ocorre que o senhor já tinha alguns órgãos e sentidos meio comprometidos pela sua história de vida ou pelos seus 80 anos: vistas, por vezes, embaçadas; mãos, frequentemente trêmulas; dentição, comprometida com ausência de grande parte dos dentes.

   Aparentemente, nenhuma novidade. A família tinha por hábito, reunir-se à mesa para as principais refeições elaboradas pela nora que caprichava no cardápio, ainda que fosse o mais modesto possível. Inadvertidamente, o rítmo daquele momento foi sendo quebrado: mesmo o seu prato já lhe sendo entregue feito, as primeiras colheradas sempre deixavam cair comida no trajeto entre o prato e a boca de idoso. Ao tentar levar o alimento à boca, o mastigar produzia estranho barulho. Desconfiado, percebendo a gafe, pedia desculpas, caindo mais comida sobre a mesa. Não tendo forças para cortar a carne, espalhava comida por toda a mesa, constrangido,  virou o copo de suco, molhou tudo... um vexame.

       A nora olhava para o esposo, como a pedir providências; o neto, assistia a tudo, se divertindo, ate o ponto que entendia; o filho, “envergonhado” tentava dissimular o tamanho do problema, que ele, involuntariamente criara ao trazer aquele velho para, dentre outras coisas,  desorganizar o momento das refeições em família. "nós temos que fazer algo sobre meu pai", disse o filho.

        Assim, o marido e a esposa prepararam uma mesa pequena no lado de fora da cozinha, onde ela fazia um prato de comida e ali colocava para o ancião comer, longe do convívio diário. Ali,, ele poderia ficar à vontade, seu prato era, na verdade, vasilha de goiabada em plástico, sua colher era, uma surrada colher de pau, seu copo, a base de uma garrafa pet, tudo limpinho, a título de protege-lo de acidentes. Assim foi feito, assim ficou estabelecido, em comum acordo com os donos da casa que nem percebiam que toda essa logística era acompanhada de perto pelo pequeno filho de apenas 7 anos.

       Um  certo dia, o pai entrou de repente, no quarto do ainda pequeno filho e esse, escondeu algo debaixo da cama. O pai, muito carinhoso perguntou: filho, o que você escondeu de mim? Aqui em casa não temos segredos, todo mundo tem acesso a tudo, todos têm seus direitos assegurados, porque assim é que deve ser uma verdadeira família. O garoto, meio sem jeito, perguntou se ele estava falando sério. O pai acreditando ter estabelecido um diálogo franco com o filho afirmou eu sim. Pois o que ele mais prezava na educação do filho era  a clareza de limites e a garantia do diálogo como meio de se resolver todos os problemas que a vida nos impõe. O papo seguiu e o garoto abaixou-se na cama e pegou algumas garrafas pet, várias “quentinhas” de alumínio, algumas colheres de plástico recolhidas na rua e uma tigela de madeira, tipo cocho de ração para porcos... exibiu tudo e explicou que precisava guardar tudo aquilo, para quando o pai dele estivesse velho e viesse morar em sua casa como fizera o seu avô, ele não precisaria passar pela humilhação que o seu avô tinha passado. Até porque, ele era o melhor pai do mundo. Não merecia tamanho constrangimento à mesa.

       As palavras do menino golpearam o pai que ficou mudo. Mas o que lhe bateu mais forte foi o conceito de melhor pai do mundo.  Moderado no falar, enérgico no educar. Instituir respeito por ele e não temor. Não agredir física e moralmente. Falar menos para ouvir melhor. Ser paciente à espera do momento certo e palavras adequadas  para corrigir... Agindo assim, sabia que o filho o entenderia mais pela expressão do amor, do que pelos gritos, por isso era manso, tranquilo e sábio, quando queria tirar do filho, algo que não estava de acordo com boa educação. Mas o exemplo que o filho jamais esqueceria estava implantado entre eles: o filho assistira e sofrera com os maus tratos impostos ao velho avô que fora impedido de comer na mesma mesa, para não incomodá-los. Como se explica: “faça o que mando, não o que faço’.  Faça a escolha. A decisão está em suas mãos!

            Se o exemplo arrasta, que pais de todos os níveis sociais, se proponham a viver um dia dando exemplos dentro e fora casa, sob o olhar de seus filhos. Que sejam filmados os gestos, as palavras, o tom da fala, o nível do vocabulário, os olhares para o outro, para a vida, para o mundo, no trânsito, na feira, no supermercado, no shopping, as respostas dadas ou omitidas, as afirmações, as negações, as postagens, os humores em casa e na rua, o tratamento com os serviçais, “desocupados”, amigos, adversários, vizinhos... ao final combinado, reunidos pais e filhos para uma análise aberta. Quem é que educa quem? Quem é que serve de exemplo para, quem é responsável por, o que poderá ser feito para reverter comportamentos que, na verdade, têm mais força do que quaisquer explanação didáticas  que se proponha a instruir?

            Configura-se em um dos maiores desafios que os pais de hoje precisam, com urgência, agir; avaliar a extensão dos seus exemplos domésticos frente à força avassaladora dos exemplos a que seus filhos estão expostos na rua, no lazer, nas redes sociais e mídias, em geral. Combatê-los é medir forças em proporções injustas. Tentar mostrar que o mundo virtual é real quando se propõe a destruir é o mesmo que “malhar em ferro frio”, fingir que o mundo está em sua perfeita ordem de equilíbrio em favor da vida é maquiar os fatos. Ignorar que a quem cabe dar conta da formação do caráter do homem do amanhã é a família é o mesmo que negar os valores que nos fazem protagonistas de grandes feitos. Entrar em tora de colisão com aqueles a quem nós consideramos más companhias é reforçar que a espécie humana está em crise social...

       Resta-nos assumir o papel de líderes na formação, fiéis nos propósitos e palavras, generosos no partilhar com o outro, humildes na necessidade de avançar, corajosos em admitir que tanto pais quanto filhos, precisam aprender a ser, agindo como precisa agir. Sendo, ou pelo menos procurando ser, o melhor pai do mundo. 

  • Sebastião Maciel Costa