O medo

Depois de tanto tempo, já cansado do sentimento de menos valia que fizera morada em sua vida, resolveu jogar tudo para o alto e encarar o que o incomodava há muito tempo. Tanto tempo que já nem podia contar nos dedos. Era o medo de ser mandado embora do emprego, de não agradar seu chefe, mesmo trabalhando mais horas que o necessário. O medo de imaginar que não daria conta dos estudos, abandonando por isso, a faculdade com que tanto sonhara. Pensava-se advogado, mas não conseguia ver-se defendendo alguém frente a um tribunal, composto talvez por pessoas que poderiam ser melhores que ele. Encolhia-se ao pensar em tal situação. O medo de sair às ruas e ser assaltado era uma constante em sua vida. Olhava cada um que passava, como se assaltante fosse. Ia sempre ao médico, fazia seus exames e mesmo que estivesse tudo bem, tinha receio de que talvez um dia, quem sabe... E lia, lia tudo que podia a respeito das doenças que o afligiam e que passavam ao longe. O medo fazia com que ele se isolasse de tudo e de todos. Vivia ensimesmado, sem enfrentar o que a ele aparecia. Não se sentia confortável, com essa sensação de insegurança, de ansiedade que o cometiam, medroso que era. E sabia. Deixou de se casar, constituir família, pelo medo que tinha de se aproximar de alguém e ser rejeitado. Como se ninguém nunca tivesse sido. Ignorava os olhares das “moçoilas”, que o seguiam onde quer que fosse. Era bonito e não sabia. O medo de não sê-lo o impediu de ver-se assim. A sua beleza interior não fluía, medroso que era que o conhecessem e não o aprovassem.                                                           Mas quando resolveu jogar tudo para o alto, o fez com o mesmo sentimento que sempre o acompanhou. O medo. O medo de não ser capaz de. Só que havia resolvido fazer de sua vida o melhor que podia, assumindo a responsabilidade por seus atos. Seria mais flexível, passaria a julgar-se menos, a ser menos perfeccionista. Queria viver, fazer parte da vida que a ele se apresentava. Resolveu sentir o medo como amigo. O amigo que mostraria a ele os perigos, mas que não o impediria do enfrentamento. Colocou-se à frente dele. Tomou as rédeas de sua vida nas mãos Passou a sentir-se mais forte, quando ao olhar para quem o olhava, perceber que podia corresponder, mesmo que fosse para dar em nada. Queria viver momentos nunca vividos. Teria muito tempo para isso. O tempo suficiente para ser o que nunca tinha sido. E queria tanto... Ah, como queria!