Uma pessoa acusou o Ministro dos Esportes. Outra pessoa confirmou a acusação. A pessoa que acusou disse ter visto o Ministro receber propina, na garagem do ministério,  em espécie, precisamente em notas de    50 e 100 reais, acondicionadas numa caixa de papelão. A pessoa que confirmou a acusação declarou ter feito, de fato, a entrega do dinheiro. E acrescentou:  "Eu recolhi o dinheiro com representantes de quatro entidades aqui do Distrito Federal que recebiam verba do Segundo Tempo [programa da pasta dos Esportes]…”

Por causa da resenha  acima, extraída da Folha de São Paulo,  vieram a lume   diversas reações, das quais separo   três. A  do Ministro,  a da Presidenta Dilma Rousseff, e a do povo. Separo-as apostado em ver se nelas  descubro  alguma pista  que conduza ao entendimento do que, na verdade, significam as revelações contidas na resenha da Folha.

A reação do Ministro – O Ministro negou tudo. Colocou-se à disposição para qualquer esclarecimento, e pediu a imediata apuração das denúncias. Para ele, nada havia, até então, que pudesse fazer dele um ministro corrupto.  Dito de outro modo: o Ministro não vê corrupção no estágio atual das alegações.

A reação da Presidenta – Dilma Rousseff, dizendo-se atenta ao curso dos acontecimentos, aguarda o relatório em que  diretamente a ela serão dadas as explicações de praxe. Enquanto aguarda, lembra que coube ao  acusado a iniciativa de facilitar a apuração das acusações. Também para a Presidenta  nada havia, até então,  que pudesse inscrever o Ministro na categoria dos corruptos. Dito de outro modo: a Presidenta não vê corrupção no estágio atual das alegações.

A reação do povo – Na esteira de sucessivas denúncias de irregularidades no âmbito ministerial, o povo saiu recentemente às ruas empunhando faixas que diziam: “País livre é país sem corrupção”. O povo, pelo visto, tem uma visão discrepante daquela que se desenha  nas reações do Ministro e da Presidenta.  O povo entende, pelo clamor de suas faixas, que já há corrupção, sim, no estágio atual das alegações.  E mais: que a Presidenta, com o apoio das ruas,  já poderia ter defenestrado o Ministro em sã e exemplar resolução. 

Agora, já é possível    estabelecer uma primeira relação esclarecedora: duas das três reações acima referidas, justamente a reação do Ministro e a da Presidenta, estruturam-se numa única e mesma dialética, ao passo que a reação do povo se fundamenta numa outra bem diferente.

Para explicar diferenças cognitivas - como essa que distingue modos de ver a corrupção -   para explicar tais sutilezas  sem chafurdar em minúcias e inconsistências conceituais, sempre há o recurso da metáfora.  

Nada contra. Sou fá de metáforas. Todavia, devo lembrar que o objeto da metáfora cogitada é a corrupção. Quando o objeto da metáfora são os cabelos cálidos e fulvos da mulher amada, é lícito associá-los à coloração fulva e cálida do ouro. Exemplo: Encanta-me tocar o ouro dos teus cabelos.

Quando o objeto da metáfora, no entanto, calha de ser a corrupção, as associações tomam  outro rumo, necessariamente menos delicado.

Eis por que vou chamar de dialética do mau cheiro a dialética do povo, e de dialética do cadáver  a dialética do Ministro e da Presidenta.

Para o povo a corrupção já está no mau cheiro. Para o Ministro e para a Presidenta, no entanto, mau cheiro não basta. Suas Excelências, pelo visto até o momento,  não abrem mão do cadáver, vale dizer, não concebem a corrupção sem  pôr o dedo no corpo de delito, causador da fetidez.
Em outras palavras: para Suas Excelências, sem cadáver não há corrupção.

Outra via de entendimento além dos conceitos e das metáforas são as comparações.  É possível conhecer melhor o significado de corrupção mediante a alternativa de   comparar a dialética do mau cheiro à dialética do  escândalo, e a dialética do cadáver  à do  crime. Da comparação  poderá surdir a noção de que,  assim como o crime, o cadáver fere a lei, ao passo que, assim como o escândalo, o mau cheiro fere a sensibilidade.  

Mau cheiro ou cadáver, escândalo ou crime, lei ou sensibilidade. As apostas estão abertas. Se prevalecer a dialética do cadáver, sanear o país será um desafio para peritos, tribunos, advogados, juízes, CPIs. Se prevalecer a dialética do mau cheiro, para sanear o país,  bastará ter um bom nariz.