Creumir Guerra

O MARIDO ENCOMENDADO PARA MORRER

Cheguei a Comarca para tomar posse do cargo de promotor de justiça em plena pauta de júri. Analisando o processo vejo que a ré do julgamento seguinte era uma mulher, acusada de mandar matar o marido. Uma das testemunhas era uma mãe de santo, de Colatina, que outrora havia sido consultada pela ré. A mulher queria encarregar a mãe de santo de fazer um despacho que botasse fim na vida de seu marido. A vidente consultou as suas cartas e seus búzios, cobrou pelo serviço, mas falou para a cliente que o além mandou dizer que não havia vaga para o seu legitimo esposo, sendo recomendável que ela aguardasse um pouco mais. Não satisfeita com a resposta, a acusada contratou dois pistoleiros baratos (o barato as vezes sai caro) para dar um jeito de providenciar a vaga no andar de cima para o cônjuge, com a devida agilização do procedimento. Como pagamento pelos serviços a contratante deu aos contratados um fogão de quatro bocas velho e uma geladeira usada. Os homens, marinheiros de primeira viagem, se armaram de espingardas cartucheiras e foram tocaiar o marido que estava com a morte encomendada. A vítima vêm montado em sua motoca tranquilamente quando é alvejado por disparos das espingardas. As munições, chumbo e pólvora, se espalha e acerta o corpo do cidadão que deveria se encontrar com São Pedro fora de hora. Os ferimentos não foram fatais, tendo a vítima se restabelecido, para tristeza da mulher, acreditava eu. Réus confessos. No julgamento o juiz vira para mim e pergunta se eu tinha testemunha a ouvir em plenário, ao que respondi negativamente. A defesa vai inquirir testemunhas? O advogado respondeu: sim, excelência. Adentra aos umbrais do templo de Temis a vítima, o marido que deveria estar morto. Pensei que era brincadeira. Será que este homem veio aqui falar bem da mulher que encomendou a sua morte? O informante fala para todos os presentes que havia se reconciliado com a acusada e estavam vivendo juntos novamente. O perdão havia sido liberado por parte dele. Na minha acusação contra a mulher eu disse que estava tudo provado, inclusive com a confissão dos réus, não havendo nenhuma razão para uma decisão que não fosse condenatória. Temeroso que o depoimento da vítima estivesse influenciando os jurados, rasguei o verbo: Senhores, o marido da acusada é doido. Não tem um pingo de juízo. Isto não quer dizer que nós temos que ser loucos também. A minha missão é acusar e independe da vontade do ofendido. E a responsabilidade dos Senhores é de fazer justiça de acordo com o juramento feito: com imparcialidade, consciência e os ditames da justiça. Digo mais: se a minha mulher pensar em mandar me matar eu não aceito dela nem um cafezinho. E se vier com veneno? A acusada foi condenada pelos jurados e em razão do tempo já cumprido por ela na cadeia, de imediato teve direito a sair durante o dia para trabalhar. Passado uns três meses aparece um homem para eu atender. Olho e vejo o marido que não morreu por sorte. O que o senhor deseja? Doutor! Não deu para viver e a mulher esta ameaçando me matar. Falei: o senhor é doido. Procura a delegacia e registra a queixa. Depois eu vejo o que posso fazer. Enquanto isso, abra o olho, da próxima vez o senhor não passa, nesta altura já tem vaga aberta.