Renato Ladeia*

 

            Ao ler as manchetes dos principais jornais sobre a crise pela qual estão passando importantes países europeus e mesmo os EUA, lembrei-me de uma palestra do jornalista francês Bernard Cassen, especialista em economia do Le Monde, na Universidade de São Paulo em 1999. Fiz alguns apontamentos que agora tento reproduzir neste pequeno artigo.

A palestra  foi demolidora. Olhava-se para os lados para procurar saber se realmente estava se falando  do nosso mundo maravilhoso e “globalizado”. Eram apenas dados que um jornalista meticuloso e bem informado conseguira reunir e que com certeza estão diariamente nos jornais de todo o mundo, mas poucos têm tempo ou paciência para relacioná-los e concluir verdades que a maioria não quer ouvir, ler ou falar.

Os números apresentados na época eram astronômicos, pois se referiam a um volume de capital circulante pelo mundo em torno de 21 trilhões de dólares. Só o Japão teria 14% deste bolo monstruoso e aterrorizador.  Qualquer mudança no deslocamento de pequena parte deste valor, cuja grandeza é quase impossível ter-se uma idéia clara, pode provocar mudanças drásticas nas economias dos países, principalmente países do terceiro mundo. Os operadores e investidores são atraídos através do efeito rebanho. Ninguém quer sair na frente, mas quando alguém resolve ir, todos vão atrás cegamente. Um operador de sucesso é sempre seguido e ninguém quer ficar sozinho. “Errar junto é melhor do que acertar sozinho”.

Os capitais agem, circulam, decidem independentemente dos países onde estão localizados, não há racionalidade, ética ou valores. O que importa na essência é o retorno líquido do investimento. A especulação sobre as moedas é algo dramático, podendo quebrar um país de um momento para outro. Repito: de um momento para outro. Quase dois trilhões de dólares mudam de mãos10 a20 vezes por dia e o volume total do comércio mundial num ano - que é fruto da economia real, concreta – é de seis trilhões ao ano. Assim, 297 dias de movimentação financeira é pura especulação e apenas três dias corresponde a realidade econômica do globo.

Há um divórcio absurdo entre ativos financeiros e ativos produtivos. A desconexão clara entre a economia financeira e a economia real, pode gerar uma crise de sérias proporções.  Nos EUA, a variação das bolsas foi paralela ao desempenho da economia até 1980. Atualmente, o crescimento das bolsas é vertiginoso, sem nenhuma relação com a realidade econômica.  As ações de empresas ligadas a Internet, valem mais do que as ações da Boing, uma empresa efetivamente produtiva, que gera bens de alta tecnologia e alto valor agregado. Há sinais precursores de um novo crack na bolsa dos EUA. O próprio presidente do Banco Central americano acredita que as ações destas empresas de mentirinha podem despencar de uma hora para outra, o que provocaria a destruição das políticas sociais de todos os países, como uma ogiva nuclear de assombrosa potência. A metáfora é verdadeira, pois no dia seguinte, economias, fortunas, padrões de vida, estariam todos destruídos.

A grande roleta gira sem parar, motivando a todos na busca de uma rentabilidade impossível, inimaginável, só visível dentro de um sistema movido pelo grande espetáculo, onde os atores estão vivendo a fantasia do paraíso capitalista. Os velhinhos americanos, japoneses, europeus, exigem através dos seus fundos de pensão, rentabilidades absurdas de 15% ao ano em economias que crescem 2%. Vive-se o momento, cada dia é dia de ganhar mais e mais. Não há limites para os especuladores.

A concentração de renda é cada vez mais cruel, sempre em benefício dos países do norte. O livre mercado sempre beneficiando os mais fortes. Os grandes blocos se impõem aos blocos mais fracos. Dentro dos blocos, há sempre os mais fortes, que impõem modelos eficientes de exploração. Procura-se plantar a ideologia da integração total, da abertura total, mas por ironia os países dominantes conseguiram seu poderio a custa de um protecionismo histórico.

O capitalismo se impõe em um espetáculo aterrorizante, que o mundo assiste embasbacado, como se nada pudesse detê-lo em sua inexorável marcha rumo à hegemonia total e irrestrita. Talvez fosse preciso que alguém suficientemente ingênuo – talvez uma criança – que apontasse para o palco e gritasse: “O rei está nu” – e o espetáculo ruiria como um castelo de cartas.

 

*professor do Centro Universitário da FEI