CRÔNICA - SOBRAL “A CIDADE PRINCESA”

CAUSO DE NÚMERO III

O LOURO DO PAU

Filho de pais desconhecido apareceu em Sobral, um jovem de cor parda,  de rosto enferrujado, cabelo encaracolado, com estatura de 1m 65 cm e pesava uns 68 quilos. Primeiramente andava a vagar pelas ruas no centro da cidade. Aparentava ser calmo, tranqüilo e pedia nas casas um bocadinho de comida e água para beber. Estava jogada à sorte. Tinha nome. É claro; mais um pegou e ficou conhecido pela cidade inteira “O Louro do Pau.”

Na sua trajetória de vida conta à história que um dia foi apelidado por motivo de se proteger contra as crianças que tiravam brincadeira com ele. Perambulava e batia perna o dia inteiro pelas ruas pedindo um e a outro um pratinho de comida, como chamamos por aqui. E nosso povo é muito caridoso.

Uma das características do povo cearense e nordestino é seu carisma de acolher os mais necessitados. Não que o povo de outras regiões seja diferente. Mas, apesar de sermos um estado da região do semi-árido somos fervorosos ao irmão necessitado. Já andei em poucas regiões do Brasil, mas com o povo cearense é diferente. Se você chegar a uma casa de um cearense, ele não deixa você na mão. O acolhe, oferece-lhe um cafezinho, dar-lhe um abrigo. Não importa quem o seja. Parecido com a parábola do bom-samaritano da Sagrada Escritura. Mas, cada caso é um caso e vamos retomar a conversa; o causo do Louro do Pau.

O louro era nômade, andava pelas ruas da cidade, sobrevivendo da caridade dos irmãos. Não conhecíamos sua família. Não falava muito de seus familiares. Era calado, tímido.

Quando alguém perguntava sobre sua vida, ele olhava de um lado a outro e desviava com uma conversa um pouco atravessada. Se nas calçadas tivesse mais de três pessoas sentadas ele passava direto, abaixava a cabeça e seguia sua rota. Até que um dia arrumou um serviço; começou a trabalhar numa mercearia de um homem muito bom que o acolheu. Fazia o serviço diretinho, entregava as encomendas nas casas, levava as compras dos vizinhos, trocava o gás de cozinha, colocava os refrigerantes na geladeira, arrumava abastecia as prateleiras.

O tempo passou, a fisionomia do menino que perambulava pela cidade mudava de rumo. A sorte bateu em sua porta. Andava mais arrumado, vestia-se bem, na medida do possível e de acordo com suas possibilidades. Entretanto um acidente o causou num infortúnio da vida.

Era noite de São João, a festa tomava cor amarelada com as fogueiras do santo do dia. Os fogos de artifícios subiam rumo às estrelas.

- BUM! BUM! Os bichos se assustavam com o barulho dos fogos. Cachorros corriam para dentro de seus lares. Ouviam latidos ao longe. Pardais que dormiam nos tamarineiros, entre voavam num zique-zague retornando seu lugar de origem até que outro estrondo se repetia.

E aconteceu a tragédia. Numa de suas inúmeras rajadas de fogos, o Louro do Pau resolveu soltar um foguete. Chegou próximo a fogueira, tirou um braseiro com chamas, segurou o artefato com pólvoras, rasgou o lacre, desobstruiu o estopim e mandou brasa. Acendeu o pavio. Ao lançar para cima com o braço levantado apontando para o céu, o estouro virou-se contra ele. 

- O que aconteceu? Perguntaram.

- Uma gritaria ecoou toda a rua. Nuvem de fumaça rondava por seu corpo inteiro. Seu rosto ficou tomado pelas cinzas e fagulhas de papel enganchado no seu cabelo. Estava no chão. Caído e atordoado. A multidão foi o seu encontro verificar o acidente. Sangue tomava conta de sua camisa. Correria, pedindo ajuda clamando por água, por álcool, e tentava levantar o Louro do Pau. Chama Senhor Antônio para nos ajudar. Uma de suas mãos foi aos ares com a explosão.

Todos ficaram tristes com a notícia. O levaram para Santa Casa de Misericórdia. Uma Semana depois o Louro do Pau retornou com uma das mãos enfaixada. Ficou dias sem trabalhar, e pediu demissão de seu trabalho. Seguiu outro rumo.

Meses depois, estava lá, com um pau na mão, de flanela e balde na esquina da Igreja São Francisco, fazendo o serviço de flanelinha. O Louro do Pau encontrou o seu lugar e agora era independente.