O LEÃO E A GIRAFA - Fábula

Na savana o domínio absoluto é do Rei Leão.
Imponente, seu urro aterrador, a juba volumosa, as garras poderosas, as presas mortais, o faro supersensível, tudo enfim para matar de inveja qualquer animal das savanas e florestas do mundo inteiro!
Acontece, porém, que tudo isso não bastava para garantir a felicidade plena do Rei Leão! Ele tinha um complexo inconfessável que o torturava, aniquilava, tornava-o antissocial, arredio e mal humorado!
Disso apenas a Dra. Coruja sabia.
Ela era a médica terapeuta do Rei Leão. As sessões de análise eram realizadas num grotão bem distante dos limites do reino com a única finalidade de proteger a integridade moral do soberano. Daí então existir toda uma logística para garantir o anonimato do paciente às consultas semanais.

Devido à sua baixa estatura o Rei Leão era dominado por um enorme complexo de inferioridade! Não que ele fosse um nanico, um pigmeu, isso não. Tinha até um porte razoável, porém, quando passava por ele um Rinoceronte, um Elefante, um Urso... ai,ai,ai...ele morria de inveja!
E a Dona Girafa, então! Que ódiooooooo!!
Na ida ao bebedouro Dona Girafa o cumprimentava:-
-"Bom dia, meu Rei" (parecia até que tinha o sotaque de uma baiana no Pelourinho!). Na volta ela nem via Sua Majestade, que irado se escondia, só para não ter que erguer a cabeça e responder ao cumprimento, de baixo para cima, o que ele considerava humilhante, debochado e provocador.
Dra. Coruja percebia que a cada dia seu paciente piorava! Todas as ervas medicinais de que dispunha já haviam sido prescritas ao seu ilustre paciente, e nada! Ela tentou, em vão, do santo daime até o baseado de cannabis sativa. Após umas baforadas até que ele ficava mais calminho, porém seu olhar maligno persistia.
O que ele não contava à terapeuta é que já tinha um tempo que vinha arquitetando um plano para exterminar Dona Girafa, o ponto culminante de seu complexo. Imaginava que sua morte o livraria pelo menos daqueles frequentes cumprimentos e olhares superiores tão nefastos.
-"Bom dia, meu Rei".
-"Bom dia, Dona Girafa... Olha, preciso lhe falar... Tenho ouvido savana afora, boatos desairosos sobre sua pessoa. Venha falar comigo qualquer hora"
-"Oxente, o que será? Venho sim... Agora não porque estou um tanto aperreada." (Engraçado, o sotaque baiano permanece!)
Era o Rei Leão iniciando a execução de seu plano maquiavélico!
-"Dona Girafa, se eu fosse a senhora procurava saber quem a está difamando". Ele dizia num dia.
-"Estão dizendo coisas absurdas da senhora! Eu não acredito, mas seria bom a senhora investigar!" Jogava no dia seguinte.
A girafa, apesar de zelosa e honesta, começou a ficar incomodada com aquelas observações diárias e constrangedoras.
-"Meu Deus, o que estarão falando de mim?! Nada devo na praça, meu carnê das Casas Bahia está em dia, cozinho, lavo e passo, cuido bem de minhas crias e quase nem saio de casa, sou fiel ao meu marido, nunca pulei a cerca. O que estará acontecendo?!"
O Macaco, que um dia ouviu a conversa do Rei Leão, gritou de cima da árvore ao ver Dona Girafa passar:
-"Ai, sua malandrinha, tá aprontando, heim?! Ah, se eu fosse grandão!"
A Gazela tinha até book de modelo, mas morria de inveja, pois nem usando salto quinze conseguia a estatura de Dona Girafa. Lógico que não ia perder a chance de humilhar sua rival:
-"Safada, ainda faz cara de santa! Todo mundo já sabe o que você anda aprontando."
E assim a coisa foi se espalhando savana adentro.
Dona Girafa já não podia mais sair de casa. E nem dentro dela tinha paz, pois o marido ouviu os rumores pelas ruas e passou a destratá-la. A pobre coitada caiu em depressão profunda! Passou a mão na carteirinha da Unimed e correu para o consultório da Dra. Coruja. Esta, depois de ouvi-la, aconselhou:
-"Pois vá conversar com o Rei Leão e descubra com ele do quê realmente a acusam, e de onde esses boatos surgiram."
Ela foi e ouviu do Rei Leão o seguinte:
-"Não devo falar alto, pois as pessoas podem ouvir. Deixe-me falar-lhe ao pé do ouvido."
Tão logo Dona Girafa baixou a cabeça, encostando o ouvido na boca do Rei Leão, este lhe cravou as presas no pescoço e o sangue jorrou de sua jugular!



Moral da Estória:- "Se você é uma pessoa de caráter, honesta e cumpridora de seus deveres, nunca dê ouvido a boatos, e jamais baixe a cabeça. Nem mesmo para um rei!"


Soriévilo 13/01/2011