O JURISTA E A COMUNIDADE

Diego Ferreira*
Fábio Fernandes do Nascimento*
Lúcio Borges Moroni*


É tendência natural do ser humano formar grupos no intuito de garantir sua sobrevivência e perpetuidade. A organização destes originou a sociedade, que para a teoria contratualista, segundo Pedrosa, "aparece no momento em que, após o mero agrupamento, neutro, organiza-se o conjunto, mediante a aceitação tácita de regras de convivência" . Essa propensão traduz-se numa necessidade de organização que tem como consequência a formação de hierarquias. E, dentre as hierarquias formadas está a dos detentores de conhecimentos.

Afinal o que é conhecimento? De maneira resumida, definiremos conhecimento como acúmulo de informações.

Nossa sociedade dissimula o papel do detentor de conhecimentos com o de detentor de superioridade humana. E, este, por sua vez, acredita que realmente possui tal excelência. Isto é o que ocorre, modernamente, com alguns juristas brasileiros ao se considerarem "superiores" ao cidadão comum ? "leigo".

Assim, o magistrado é visto em nossa sociedade como um ser esclarecido, de conduta ilibada e capaz de realizar um julgamento imparcial do outro. Já a sociedade, na maioria dos casos, é considerada pelo cidadão revestido de autoridade superior como leiga, ignorante e desinformada. Ou seja, incapaz de perceber de forma luminosa e sensata as situações que cercam seu cotidiano.

O nível de desinformação das camadas populares em relação aos seus direitos e deveres é fator agravante desta situação que, como consequencia, faz prosperar a dominação promovida por esta suposta "elite". O saber como forma de poder é fruto de vários trabalhos do brilhante filósofo Foucault, vejamos o comentário proferido por ele no curso Teoria e instituições penais:

Nenhum saber se forma sem um sistema de comunicação, de registro, de deslocamento, que é em si mesmo uma forma de poder, e que está ligado, em sua existência e em seu funcionamento, a outras formas de poder. Nenhum poder, em compensação, se exerce sem a extração, a apropriação, a distribuição ou a retenção de um saber. (Foucault, 1997.19)

Desta forma, a massa, não conhecendo seu papel de oprimida, acredita ser a opressora em um sistema capaz de modular, por influência dos "detentores de conhecimentos", comportamentos e condutas.

Sabemos a importância do conhecimento, no entanto, este é superior à sabedoria? Certamente não. Sabedoria, em nosso entendimento, é compreender o conhecimento e externá-lo de forma aprazível para o mundo, é mais do que deter apenas informações, é saber mesclá-las para se chegar a algo novo, inusitado, impensado, inovador e capaz de resolver um problema na sociedade.

A principal diferença entre o jurista e a comunidade reside na crença de que o primeiro é dotado de "superioridade moral". E, esta, como afirmou Edward Said , é a arma mais importante no exercício e justificativa do domínio. Vejamos o fragmento da sentença proferida pela juíza de Santa Rita, Adriana Sette da Rocha Raposo:

A liberdade de decisão e a consciência interior situam o juiz dentro do mundo, em um lugar especial que o converte em um ser absoluto e incomparavelmente superior a qualquer outro ser material. (PROCESSO Nº 01718. 2007.027.13.00-6 - 21 de setembro de 2007, às 9:39 ? Única Vara do Trabalho de Santa Rita-PB.)

Em nossa percepção, quanto maior o conhecimento da realidade e das situações nos quais os seres humanos estão inseridos, mais sabedoria e distinção deveriam engendrar na mente do "homem", tornando-o capaz de ter uma postura empática em relação ao outro. No entanto, por que ocorre, na maioria dos casos, justamente o oposto?

A resposta a esta questão reside nos caprichos e vaidades dos "homens" que, ao chegarem a um determinado "posto," não permitem que a sabedoria habite seu ser, privando-os de tornarem-se pessoas melhores do que verdadeiramente são. A humanidade é, assim, sobrepujada ? a atitude fraterna e humana é suplantada pelo pragmatismo liberal-capitalista.

Na superação desta dicotomia é necessário o compartilhamento de várias visões de mundo, capazes de alterar o comportamento etnocêntrico do jurista para um relativista. Além desta, sinalizamos também a imprescindibilidade da socialização do conhecimento: os cidadãos devem saber quais são seus direitos e deveres e, principalmente, os porquês dessas imposições. Isto levaria nossa sociedade a uma mudança de atitude na qual a cultura, a educação e a justiça sócio-econômica seriam privilegiadas em detrimento à opressão e ao combate aos "diferentes".