O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO E A OBSTACULIZAÇÃO DO ACESSO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: CERCEAMENTO DE DEFESA OU UM MAL NECESSÁRIO?

Bianca Oliveira de Freitas Fernandes

Erick Silva de Oliveira [1]

Christian Barros[2]

RESUMO

Partindo da teoria geral dos recursos, observa-se que todo e qualquer recurso no direito processual civil brasileiro precisa superar alguns requisitos de admissibilidade para, então, sua posterior análise de mérito. No entanto, analisando o Recurso Extraordinário, endereçado ao Supremo Tribunal Federal, percebem-se alguns requisitos de admissibilidade a mais que acabam dividindo a doutrina no que diz respeito ao corolário de tal tratamento diferenciado, pois parte o considera como sendo uma modalidade de cerceamento de defesa e parte defende que essa obstaculização é um mal necessário. É bem verdade que o Poder Judiciário está abarrotado de demandas e que algo deveria ser feito para filtrar a entrada de processos em tal órgão, contudo há que se discutir se tais requisitos de admissibilidade específicos produzem algum tipo de cerceamento de defesa para a parte que se ver molestada por decisão atacada por tal recurso extraordinário.

INTRODUÇÃO

O Brasil passa, atualmente, por um momento de transição em que o oferecimento da justiça, através de diversas possibilidades de julgamento (de fato e de direito) pelos órgãos competentes, vem se tornando cada vez mais satisfatória. É bem verdade que princípios trazidos pela Constituição Federal de 1988 revelam uma mais confortável forma de pleitear em juízo as demandas necessárias.

Sabe-se, também, que o Código de Processo Civil, manual necessário para a resolução de tais demandas, compactua com a Carta Magna de 88, trazendo, desta feita, uma sensação de segurança jurídica no que diz respeito às lides resolvidas pelo estado-juiz.

O objeto de estudo do presente trabalho de pesquisa vai sondar as entrelinhas destes dois institutos jurídicos, mormente no que diz respeito ao recurso extraordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal, dando uma atenção maior à bifurcação de posições doutrinárias acerca dos corolários do juízo de admissibilidade mais rigoroso de tal instrumento: seria uma forma de cerceamento de defesa ou um mal necessário?

Tal tema gera tanta polêmica porque o juízo de admissibilidade antecede o juízo de mérito, e muitas vezes, por questões meramente procedimentais, o jurisdicionado se ver barrado de prosseguir no seu intento. O que seria uma forma de conseguir uma melhor resposta do Poder Judiciário acaba frustrada por uma simples inobservância de um dos requisitos necessários à promoção do recurso.

Portanto, o principal foco do presente trabalho é trazer uma discussão que envolve os requisitos de admissibilidade dos recursos extraordinários. Há uma crítica no sentido de que o cumprimento de tais requisitos seria uma tentativa de dificultar que o mérito do recurso seja analisado pelo Tribunal Superior, visto que sem a identificação dos requisitos de forma adequada não se avalia o mérito e a parte fica sem uma solução. Por outro lado entende-se que isso seria algo necessário, uma vez que se estaria apenas cumprindo regras procedimentais concernentes à admissibilidade dos recursos.

Por se tratar de um tema delicado, os pesquisadores não pretendem exaurir o tema por completo, e sim deixar opiniões relevantes sobre os posicionamentos atuais, demonstrando o que, de fato, é mais coerente com o ordenamento jurídico brasileiro, considerando, para isso, os princípios constitucionais e do direito processual civil.

1 ANOTAÇÕES SOBRE A TEORIA GERAL DOS RECURSOS 

 Falar de recurso no processo civil pressupõe, antes de mais nada, a possibilidade de erro dos entes competentes para julgar as causas controvertidas declinadas ao judiciário para a sua resolução. Por essa razão, torna-se de mais fácil absorção o conceito clássico de recurso, criado por Barbosa Moreira (2011, p. 233), qual seja: é um remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial que se impugna.

Desta forma, evidente que a interposição de um recurso por um dos jurisdicionados possui inclinação para uma melhora na sua situação jurídica, haja vista se sentir prejudicado por conta da decisão proferida até então pelo ente do Poder Judiciário a que coube a causa.

Para enriquecimento desse conceito de Barbosa Moreira, Fredie Didier Júnior faz algumas anotações: a) tal conceito de recurso não pertence à teoria geral do processo, haja vista esta última ter por objeto o estudo da decisão judicial e o primeiro fazer parte de um conceito jurídico-positivo que, justamente, tem o escopo de desconstrução e impugnação da decisão judicial; b) o recurso apenas prolonga o estado de litispendência, não sendo sua característica a instauração de um processo novo, até porque seria ilógico, visto que a impugnação diz respeito à decisão que acaba de ser proferida e que se objetiva atacar, devendo, se for o caso, ser reformada, invalidada, esclarecida ou integralizada; c) o recurso corresponde simplesmente ao direito de ação exercido no processo; d) o direito de recorrer é um direito potestativo processual, isto é, tem o escopo de modificar determinada decisão judicial, nos moldes do conceito de Barbosa Moreira citado anteriormente. (DIDIER JR, 2007, p. 19/20)

Ainda sobre o conceito, Barbosa Moreira aduz:

O caso mais comum é aquele em que a interposição do recurso visa à reforma da decisão recorrida; isto é, visa a obter do órgão ad quem a formulação, para a hipótese, de regra jurídica concreta diferente daquela formulada pelo órgão a quo. Muitas vezes, porém, o que daqueles se pretende é simplesmente que invalide, elimine, casse o pronunciamento emitido, para que, posteriormente, outro o substitua: assim na apelação fundada em suposto vício processual. Ao esclarecimento ou à integração da decisão recorrida tendem os embargos de declaração. (2011, p. 233)

Nesta mesma esteira, “apresenta-se, também, o recurso como ônus processual, porquanto a parte não está obrigada a recorrer do julgamento que a prejudica”[3]. Portanto, entende-se que o recurso é instrumento utilizado, estritamente, de quem se sente prejudicado por uma decisão judicial.

Superado o conceito, necessário agora entrar na temática que será sede de discussão mais adiante em relação a um recurso específico (Recurso Extraordinário), qual seja: o estudo do juízo de admissibilidade e de mérito.

Pois bem, relacionando ação e processo, é possível identificar momentos cronológicos e lógicos diversos para que o Estado-juiz afira a existência ou não do direito alegado pelo jurisdicionado. Nesse momento não se trata de ter, ou não, direito a prestação da tutela jurisdicional, e sim de ter, ou não, direito ao próprio recurso, ou seja, de ter direito à apreciação do seu pedido de revisão das decisões judiciais, e, caso o tenha, em que medida irá o órgão competente para este julgamento conceder o que fora pedido pelo jurisdicionado. Desta maneira, apresentam-se, respectivamente, o juízo de admissibilidade e o juízo de mérito.[4]

Em complemento, disserta Cássio Scarpinella Bueno:

Somente se preenchidos os pressupostos atinentes ao “juízo de admissibilidade” – reconhecendo-se, consequentemente, que o recorrente tem o direito de recorrer e que o exerceu devidamente – é que será possível passar ao “juízo de mérito”, voltado a saber se o recorrente tem, ou não, razão, isto é, se a decisão impugnada deve ou não prevalecer e em que medida. (2011, p. 66)

Vale dizer que, tendo ciência dessa relação cronológica existente entre juízo de admissibilidade e mérito, nada será concretizado se não houver pedido, haja vista o mesmo ser antecedente lógico de qualquer atividade jurisdicional, devendo ser apresentado na forma legal ou, pelo menos, respeitando o mínimo de formalidade considerada indispensável para que seja compreendido, para, por conseguinte, provocar uma decisão judicial a respeito. Faltando tal quesito, o processo será abortado in limine.[5]

Ao esclarecer sobre quantos e quais são os requisitos genéricos de admissibilidade, Barbosa Moreira disserta:

Os requisitos de admissibilidade dos recursos podem classificar-se em dois grupos: requisitos intrínsecos (concernentes à própria existência do poder de recorrer) e requisitos extrínsecos (relativos ao modo de exercê-lo). Alinham-se no primeiro grupo: o cabimento, a legitimação para recorrer, o interesse em recorrer e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer. O segundo grupo compreende: a tempestividade, a regularidade formal e o preparo. Esses requisitos são genéricos, embora possa a lei dispensar algum deles, em tal ou qual hipótese. Podem os requisitos genéricos, todavia, como é intuitivo, assumir aspectos específicos, variáveis de um para outro recurso, dos quais se tratará nos comentários aos dispositivos pertinentes. (2011, p. 263)

Com todos os requisitos enumerados, importante destacar o que quer dizer cada um deles. Pois bem, o cabimento, fazendo um paralelo com a teoria geral do processo, se relaciona com a possibilidade jurídica do pedido, ou seja, diz respeito à prévia disposição legal e a relação do recurso interposto com a situação jurídica levada a juízo. A legitimidade para recorrer diz respeito à legitimidade das partes, que, de acordo com o caput do art. 499 são a parte vencida, o terceiro prejudicado e o Ministério Público. O interesse em recorrer se relaciona com o interesse de agir, e corresponde à sucumbência do jurisdicionado que interpõe qualquer recurso, pois, como dito anteriormente, o recurso tem por maior objetivo melhorar a situação jurídica de quem o interpõe. A tempestividade diz respeito ao tempo em que devem ser interpostos os recursos, podendo ser diferente dependendo de qual irá se interpor. A regularidade formal corresponde a questões diversas que viabilizam e relacionam a situação jurídica com a forma pré-estabelecida pelo Código de Processo Civil. E, por fim, o preparo, que nada mais é que o pagamento prévio e imediato a cargo do recorrente dos valores das custas processuais relativas ao processamento do recurso.[6]

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