Crônica

                                        O INGÊNUO SERVO DO SENHOR

                                                           Edevaldo Leal

                                   Eu precisaria da centelha divina para dizer, ao servo ungido do Senhor, que milagres só ocorrem quando os recursos humanos se esgotam ? Incomodar Deus, com situações que nós mesmos podemos resolver,  porque tudo é possível ao que crê? Desaconselhar alguém a procurar um médico ou a tomar um remédio porque Jesus cura – e quem há de negar ? – não é abuso da fé ?

                                  Não, o servo ungido do Senhor não chegou a tanto. Mas está próximo, bem próximo, de radicalizar a fé. Só não acredita que sua igreja, de cujo púlpito ele prega o amor de Deus, será jamais alvo da ação de bandidos, essas criaturas de alma enferrujada, que de amor nada conhecem ,mas são hábeis com uma arma engatilhada na cabeça das vítimas. O mundo do servo ungido do Senhor não está aqui, em terras belenenses, porque aqui, em Ananindeua, área metropolitana de Belém, a violência é planta maldita que brota em todos os lugares . E, de suas raízes malignas , nem os lugares sagrados escapam.

                                “Eis que eu vos envio como ovelhas ao meio de lobos. Portanto, sede prudentes como as serpentes e símplices como as pombas”. (Mateus 10:16).

                                 As igrejas de todos os credos – diz a reportagem do Diário do Pará – estão se protegendo contra os ladrões  .Os ladrões não respeitam mais a casa do Senhor. Chicote de Cristo, onde estás ?   Te esconderam  em que lugar? Para se proteger, as igrejas  adotaram sofisticados recursos tecnológicos: câmeras de monitoramento 24 horas, cerca elétrica e alarme com sensor. Até cães estão usando e  - custa crer – vigilância armada. É assim que as igrejas vão garantindo a segurança patrimonial dos templos e a incolumidade física e psíquica dos fiéis. As que não podem dispor desse aparato , as mais pobres, como a do servo ungido do Senhor , além de grades ,    fecham os portões na hora dos cultos . Mas o servo ungido do Senhor só admite fechar os portões  com os cadeados da fé do reino de Deus.

                                “  O homem que se desvia dos caminhos da prudência repousará na companhia das trevas”. (Provérbios 21:16).

                                 A fé não elimina a prudência e não a substitui, mas a prudência pode dar ao homem a segurança de quem navega em águas tranquilas. As reservas de fé ficam para aquelas horas em que, mar bravio, as águas se agitam  e se transformam em ondas indomáveis. 

                                  O servo ungido  não acredita que, bandidos em fuga, perseguidos pela polícia, entrem no santo templo do Senhor e façam os fiéis reféns.

                                  O servo ungido do Senhor deixa as portas do templo escancaradas . Ele as vê fechadas pela fé.

                                  O servo ungido  não acredita que, bandidos de toda origem, entrem no santo templo para roubar os fiéis , os dízimos e as ofertas do senhor. 

                                  O servo ungido do Senhor deixa as portas do tempo escancaradas. Ele as vê fechadas pela fé.

                                “ A prudência é a filha mais velha da sabedoria”. ( Victor Hugo ).               

                                 O servo ungido , ingenuamente, murmura “ o senhor nos protege e guarda”. Ele deixa as portas do templo escancaradas e expõe à violência a vida dos fiéis. E  os fiéis, ovelhas atentas à voz de seu pastor, não reclamam, nada dizem.

                                    O ungido do Senhor precisa saber: o marginal não se ama a si mesmo. Não vai poupar a vida de ninguém , na hora em que tiver que apertar o dedo no gatilho. Seus ouvidos estão surdos para mensagens de amor e de perdão.

                                    Produzidos nos desvãos da miséria,os marginais são frutos do abandono e do descaso. Desajustados,  se reproduzem em milhares  aos olhos da sociedade ameaçada, que os ignora. Em tocaias nas esquinas, assaltam à luz do dia . Matam  a qualquer hora. E se, sociedade e governos, continuarmos a ignorar as causas de sua origem, sem  a solução adequada para estancar essa hemorragia do tecido social, chegará o dia em que só restará  repetir com o servo ungido do Senhor: para que trancar a porta, se multidão de mãos a derrubará?

                                                              Ananindeua/ Pará, 17 de fevereiro de 2013 .