Lentamente, ao longo dos anos, minha vida foi perdendo completamente o sentido. Meus planos foram sendo adiados, meus projetos tornaram-se cada vez mais inviáveis, minhas conquistas foram sendo  esquecidas ao longo do caminho, meus sonhos cada vez mais impossíveis e distantes.
Hoje não tenho paz nem sossego, meu sono se tornou desnecessário e completamente ausente. Minhas noites longas e angustiantes. A insônia minha única e fiel companheira junto a solidão que me consola.
Sem eu perceber, minha vida foi se desmoronando por completo. Dia após dia, meus dias foram ficando cada vez mais improdutivos, minha esperança sutilmente acabou virando utopia e meus sonhos foram todos convertidos em pesadelos.
Meu mundo, de forma bastante discreta e sorrateira, foi se esvaziando pouco a pouco, até que quando me dei conta, apenas eu continuei a habita-lo. Aos poucos, os amigos foram se afastando. As pessoas com quem convivia, hoje não me conhecem. Me tornei um estranho no ninho, para minha própria família. Dos parentes, as vezes tenho noticias de um ou outro.
O relógio que durante muito tempo me acompanhou e determinou o cumprimento dos meus compromissos, hoje, parado, está guardado dentro da gaveta. As horas não me servem de nada e meus compromissos  não existem.
A caixa de remédios que fica dentro do guarda-roupa, onde meu sono artificial, sempre fica ao alcance da mão, e ao acaso da necessidade e vontade. Os comprimidos, dentro dela estão envoltos a uma tarja preta e me espreitam noite após noite.
Hoje, não sei mais das minhas dívidas e obrigações financeiras. Sei que elas existem, mas não sei em que situação se encontram.
Quanto aos meus  documentos pessoais, provavelmente estão em algum local, pois,  raras são as ocasiões em que deles preciso. Pelo que me lembro, a ultima vez que os usei, foi a mais ou menos dois ou três anos atrás, quando votei nas eleições pela última vez.
Com o olhar cada vez mais fundo, distante e triste, vejo tudo diante dos olhos sem conseguir enxergar nada. Certa vez, ao me ver no  espelho, notei que meus cabelos haviam ficado brancos, minha barba estava grande, todos os meus dentes já haviam caído e minhas rugas já havia tomado por completo minha face. Esta e a última lembrança que ainda guardo em minha memória da fisionomia e expressão que um dia foi minha. Hoje ao olhar pelo mesmo espelho, deparo-me com alguém que não conheço.
As roupas não me servem mais e os sapatos apertam os meus pés.
Da escova de dentes não mais preciso.
A comida, sem sabor, sem cheiro, sem graça, apenas me alimenta. A água mata minha sede e o oxigênio escasso me falta a todo instante.
Meu coração, bate em um compasso único lento e inalterado.
Quanto as  emoções, não sei mais como é senti-las.
Os amores, tornaram-se apenas lembranças do passado perdidos em algum lugar da memória.
A sorrir, acho que desaprendi.
Minhas lágrimas secaram e a dor não mais me acompanha.
Minha dignidade, acostumou-se a miséria e a humilhação, imposta pelo mundo e permitida por mim, a qual hoje,  não me incomoda e nem me aflige mais.
Minha personalidade  perdeu-se juntamente com meus valores, crenças, vontades e desejos.
O caminho, sem objetivo e sem destino, apenas me leva a qualquer lugar e não sei onde vou. Tao pouco sei onde estou.
Nada mais tem importância.
Não sei mais quem eu sou, sei apenas que me tornei um indigente, inclusive para mim, cansado e sem razão de continuar lutando, no meu mundo, onde vivo em completa solidão e abandono.