O INCÔMODO
Nazaré, 04-05-1972

Todos o que aqui me escutam,
Talvez digam que eu sou um incomodado
Ou melhor, um problemático.
Sou, isso sim, sensível como um radar.
Sou sensível a tudo,
Até ao bater do relógio.
Até seu tic tac me ofende,
Me atrapalha o pensamento.
Se estou ouvindo uma boa música
E alguém quer me chamar,
Eu percebo como se já tivesse chamando.
E isso me põe nervoso.
Agora, neste momento em que escrevo,
Tinha acabado de ouvir uma música
Que penetrava a minha alma.
De repente, alguém chutou uma lata.
Eu abri a janela e nada vi.
Ninguém chutava a lata.
Era apenas alguém que mandava
Que eu abaixasse o volume.
E isso me fez com que eu o aumentasse.
E veio o alguém novamente
Então, eu explodi.
Fiquei nervoso e desliguei a radiola
E não tive mais ânimo para nada.
Não consegui dormir direito.
Tudo por causa da falta de compreensão
Dos que são diferentes de mim.
Se um ser humano for essa pessoa
Eu passo a perceber, porque existe a miséria.
Porque existe a incompreensão.
Porque existe o dinheiro.
Porque existe a intolerância.

Agora, uma muriçoca não me deixa dormir.
Pousa em minha boca e eu a tanjo.
Ela torna a voltar.
Parece que gostou de mim.
Eu a torno tanger e
Ela não se dá por vencida.
Torna a voltar.
O que é que eu vou fazer?
Ela não entende que eu estou com raiva?
Está apenas cumprindo sua função.
Ela só quer um pouco de sangue.
O jeito é me dar por vencido.