AS CIDADES APROPRIADAS PELOS AUTOMÓVEIS.


Já foi o tempo em que as calçadas para pedestres ou passeio público tinham alguma finalidade. Os urbanistas criaram essas calçadas para que as pessoas pudessem transitar pelas ruas e avenidas em segurança, protegidas contra os cavalos e carroças, lá nos idos do século dezenove e início do século XX. Depois vieram os carros, ônibus, caminhões e motocicletas, muito mais perigosos e mortais.
O século XX foi o século do automóvel. As cidades foram projetadas ou adaptadas para dar conforto absoluto aos veículos motorizados. Largas avenidas, viadutos e túneis foram construídos para beneficiar a classe média ascendente que via no automóvel o novo ícone da ascensão social. Depois do primeiro automóvel, o segundo passou a ser o objeto do desejo dos habitantes do planeta terra. Com poucos filhos, as famílias vislumbraram a necessidade de um terceiro ou um quarto veículo. Com isso as cidades ficaram repletas de máquinas rodando e poluindo em todas as plagas das metrópoles.
E os passeios públicos? Salve-se quem puder! As pessoas com problemas de mobilidade, como deficientes, idosos ou mesmo crianças não conseguem andar pelas calçadas. É comum presenciar pessoas idosas ou mulheres com carrinhos de bebês sendo obrigadas a transitar pela rua com risco de serem atropeladas, simplesmente porque é impossível utilizar os "passeios"..
As calçadas foram adaptadas somente para o conforto dos automóveis, gerando enormes degraus entre as calçadas de uma casa e outra, impossibilitando o trânsito confortável dos pedestres.
Constato alarmado a ausência de cidadania por parte dos proprietários, construtores e arquitetos que não tem um mínimo de preocupação com o bem estar das pessoas que utilizam o passeio público nas cidades. Eles se transformaram em grandes escadarias, a maioria de mobilidade inacessível para deficientes, idosos e crianças.
A impressão que fica é que não há nenhum tipo de regulamentação para a construção de calçadas em nossas cidades. Se existe há muito é descumprida pelos seus habitantes (recuso-me a denominar cidadão quem não tem preocupação com o uso do espaço público).
Mas há um lado que tange ao absurdo. Caso alguém venha a se acidentar na calçada de uma residência, cuja calçada impossibilita o trânsito de pedestres, haverá o direito de indenização e multa. E os demais que oferecem riscos aos pedestres continuarão esperando por um eventual acidente para serem obrigados a providenciar a reforma de suas calçadas. Como a maioria das pessoas não acredita em leis ou direitos (e muitas vezes com razão), provavelmente nunca serão incomodados.
Infelizmente parece ser um problema sem solução, pois nenhum gestor público terá a coragem de atacar o problema de forma contundente, via multas progressivas, pois se tornaria antipático para a maioria da população, situação que poderia inviabilizar uma reeleição. E assim as cidades ficam reféns de interesses eleitorais imediatistas.