O IMPACTO DA DIMINUIÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.

Por Allef Emanoel | 15/11/2016 | Direito

Marcos Rogério Kröger Galo[1]

Allef Emanoel da Costa Paixão[2]

RESUMO

O incremento da criminalidade nos dias atuais tem levado a população a acreditar que a diminuição da maioridade penal vai resolver este complexo problema. Propostas de emenda a Constituição Federal estão sendo discutidas no Congresso Nacional e sua constitucionalidade é controvertida. É apresentada a evolução da maioridade penal no Brasil bem como uma discussão acerca de pontos relevantes como a imputabilidade penal, o critério biológico e a influência do meio. Doutrinadores que defendem a legislação menorista atual são confrontados com aqueles que defendem ponto de vista contrário. É apresentado como se deu o surgimento do sistema prisional no mundo, seus modelos e suas características de implantação no Brasil. A situação atual do sistema carcerário brasileiro é apresentada bem como o impacto da redução da maioridade penal neste sistema já superlotado e deficitário. Este trabalho conclui que a redução da maioridade penal, caso ocorra, em nada vai contribuir com a redução dos índices atuais da criminalidade e ainda irá gerar um agravamento da situação já caótica tanto no papel ressocializador da pena, de menores e adultos, quanto na superlotação de todo o sistema prisional brasileiro. 

  1. INTRODUÇÃO.

Sempre existiu uma relação entre idade e imputabilidade penal. A Lei das XII Tábuas já descrevia tratamento diferenciado de acordo com a idade do infrator. Assim em casos de furtum manifestum, com prisão em flagrante, se fossem adultos livres deveriam ser dados como escravos às vítimas, se fossem adultos escravos seriam jogados do alto da Rocha Tapeia, mas se fossem delinquentes impúberes deveriam ser fustigados com vara de acordo com o julgamento de seus julgadores.

Com a intenção de evitar que uma sanção excessivamente rigorosa seja aplicada a um indivíduo imaturo e incapaz de entender plenamente o caráter ilícito do ato praticado a legislação internacional, e também a brasileira, vem aplicando uma punição justa e compatível com a idade do infrator.

Apesar dessa preocupação jurídica citada acima, nos dias atuais, a violência chegou a níveis insuportáveis. A população cobra dos poderes instituídos políticas de combate ao incremento das ações criminosas, porém poucas ações de prevenção estão realmente sendo adotadas. Existe uma sensação de que a violência está fora de controle. Medidas urgentes de desesperadas estão sendo propostas sem nenhum fundamento técnico.

Na tentativa de dar uma resposta à sociedade tramita no Congresso Nacional propostas para reduzir a maioridade penal. Sem atentar para as consequências sobre o sistema prisional, já esgotado, se pensa em “punir exemplarmente” os menores envolvidos em crimes levando a uma provável piora do quadro de superlotação dos nossos presídios.

Este artigo busca discutir o aspecto da proposta da redução da maioridade penal frente à falência do sistema prisional brasileiro. Pretende assim analisar o impacto que teria a redução da maioridade penal sobre o sistema prisional brasileiro.

  1. A EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL BRASILEIRA DA MAIORIDADE PENAL.

No Brasil do início do século XIX, quando a Igreja Católica era a igreja oficial não havendo uma separação nítida entre a Igreja e o Estado, estavam em vigência as Ordenações Filipinas. O catolicismo pregava, à época, que o indivíduo alcançava sua razão aos sete anos de idade. O Estado, influenciado por este entendimento, determinou que esta fosse a idade que marcaria o início da imputabilidade penal[3]. Assim, aos menores de sete anos de idade não se aplicaria a pena de morte e estes seriam beneficiados com redução da pena. A imputabilidade completa viria aos 21 anos de idade[3]. Assim, aos menores de sete anos de idade não se aplicaria a pena de morte e estes seriam beneficiados com redução da pena. A imputabilidade completa viria aos 21 anos de idade[4].

A Constituição Imperial de 1824 nada dispõe sobre a maioridade penal dos cidadãos brasileiros. No entanto em seu capítulo V, da Regência na Menoridade, ou Impedimento do Imperador, artigo 121 diz: “O Imperador é menor até a idade de dezoito anos completos”.[5] Já o Código Criminal do Império do Brasil, parte primeira, dos crimes e das penas, título dos crimes, capitulo dos crimes e dos criminosos assevera em seu artigo 10: “Também não se julgarão criminosos: 1º Os menores de quatorze anos”.[5] Já o Código Criminal do Império do Brasil, parte primeira, dos crimes e das penas, título dos crimes, capitulo dos crimes e dos criminosos assevera em seu artigo 10: “Também não se julgarão criminosos: 1º Os menores de quatorze anos”.[6] Da análise desses dispositivos pode-se perceber uma discordância entre a Constituição Imperial de 1824 e o Código Penal de 1830. Considerava-se o imperador menor até os dezoito anos já a população em geral tinha a maioridade fixada em quatorze anos.

O Código Penal de 1830 trouxe as seguintes características: menores de 14 anos que agissem com discernimento seriam recolhidos à casa de correção pelo tempo que o juiz determinasse até o máximo de 17 anos; entre 14 e 17 anos os menores eram sujeitos a pena de cumplicidade, com aplicação de dois terços da pena que cabia ao adulto; os maiores de 17 anos e menores de 21 anos gozavam de atenuante de menoridade.

Segundo esclarece Carvalho[7]:

                                             O nosso Código Criminal de 1830 distinguia os menores em quatro classes, quanto a responsabilidade criminal: a) os menores de 14 anos seriam presumivelmente irresponsáveis, salvo se se provasse terem agido com discernimento; b) os menores de 14 anos que tivessem agido com discernimento seriam recolhidos a casas de correção pelo tempo que o juiz parecesse, contanto que o recolhimento não excedesse a idade de 17 anos; c) os maiores de 14 e menores de 17 anos estariam sujeitos às penas de cumplicidade (isto é, caberia dois terços da que caberia ao adulto) e se ao juiz parecesse justo; d) o maior de 17 anos e menor de 21 anos gozaria da atenuante da menoridade.

Seguindo o padrão estabelecido na Constituição de 1824, apesar da mudança da forma do Estado, de monarquia para república, a Constituição de 1891 também se omite quanto à determinação da maioridade penal deixando para a legislação infraconstitucional determiná-la. Porém em Título IV, dos cidadãos brasileiros, seção I, das qualidades do cidadão brasileiro, afirma em seu artigo 70: “São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei”. Desta forma, como foi promulgada um ano depois do Código Penal de 1890, recepciona-o no que diz respeito à maioridade penal[8].

Já o referido Código Penal de 1890 traz em seu Título II, Dos crimes e dos criminosos, artigo 27: “Não são criminosos: § 1º Os menores de 9 anos completos; § 2º Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem discernimento. E continua em seu artigo 30: “Os maiores de 9 anos e menores de 14, que tiverem obrado com discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo que ao juiz parecer, contanto que o recolhimento não exceda á idade de 17 anos”. E continua asseverando em seu artigo 31: “a isenção da responsabilidade criminal não implica a da responsabilidade civil”.[9]  Este código declarou a irresponsabilidade de pleno direito dos menores de 09 anos; os menores de 09 a 14 anos que agissem com discernimento eram recolhidos a estabelecimento industrial pelo tempo que o juiz determinasse, até atingirem os 17 anos; era obrigatório para os menores de 14 a 17 anos a composição da pena de cumplicidade; manteve o atenuante da menoridade; e, infelizmente, não existindo casa de correção os menores eram lançados nas prisões de adultos em deplorável promiscuidade.

Nesta nova fase do Direito Penal brasileiro, passa a ser adotado o critério biopsicológico para a aferição da imputabilidade penal que ocorrerá entre nove e catorze anos de idade[10].

O Código Civil de 1916 traz em seu Livro I, Das pessoas, Título I, Da divisão das pessoas, Capítulo I, das pessoas naturais em seu artigo 5° que diz: “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil (I. Os menores de dezesseis anos)” e o artigo 6° que assevera: “São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer (I. Os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos)”.[11]

Em 1924 foi criado o primeiro Juizado de Menores do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. Caracterizava-se pela ação social do Juizado de Menores que reservaria ao juiz o papel de declarar a condição jurídica da criança se abandonada ou não, se delinquente, e qual o amparo que deveria receber. Esse Privativo de Menores foi um grande erro em benefício da criança, pois lhe faltava uma organização técnico-administrativa, que lhe desse a credibilidade necessária. Com o intuito de diminuir essa defasagem, o juiz recorreu ao trabalho de colocação familiar do tipo “soldada”, que nada mais era do que uma exploração institucionalizada, uma forma de escravidão clandestina, pois o Poder Público, através de uma autorização do Juízo de Menores, liberava o menor para o trabalho doméstico, sem nenhum tipo de garantia. Em nível federal crescia o movimento de uma legislação específica sobre o menor.

Entre os anos de 1921 e 1927 surgiram, no ordenamento jurídico brasileiro, importantes leis que evitavam que fossem aplicadas medidas repressivas a menores baseadas no seu discernimento[12].

A Lei 4.242/1921 repele o critério biopsicológico e no seu artigo 3°, § 16, impede qualquer processo penal contra menores de catorze anos de idade[13].

Em razão das falhas encontradas no Código Penal de 1890 em razão de sua aplicabilidade no que diz respeito aos meios existentes na época para internação e recuperação desses jovens também se apresentavam precários. Portanto, o clamor por uma legislação específica manifestada através de projetos apresentados ao legislativo, levou a realização do Código de 1927, legislação específica ao menor, elaborado por Mello Mattos[14].

Os principais dispositivos do Código Mello Mattos foram: menores de 18 anos eram classificados de abandonados (abandonados e delinquentes); menores delinquentes não podiam ser submetidos a processo penal de qualquer espécie; dispensou a pesquisa de discernimento; foram tomadas medidas de recolhimento dos abandonados com encaminhamento a um lar, seja dos pais, seja da pessoa responsabilizada por sua guarda; proteção dos menores de dois anos, determinando a entrega para criar fora da casa dos pais e dos menores expostos até sete anos de idade em estado de abandono e limitava até 12 anos para o trabalho e proibia o trabalho noturno para menores de 18 anos.

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