Ele atravessava a rua várias vezes por dia, mais ou menos de hora em hora até o início da noite. Andava rapidamente e se sentava no meio-fio de uma pequena jardineira embaixo de uma árvore, na calçada do outro lado da rua, em frente ao meu prédio. Então puxava do bolso uma carteira de cigarro e um isqueiro, colocava o cigarro na boca, nervosamente o acendia com mãos trêmulas e avidamente começava a sugar com sofreguidão a maldita fumaça do tabaco, que com certeza já o estava destruindo lentamente, pois ele estava cada vez mais magro. Era um tipo esquisito, bem moço ainda, tinha ombros largos, era um pouco careca e tinha o queixo fino.

Estávamos atravessando um verão muito quente, por isso de vez em quando eu ia tomar uma fresquinha na janela da sala do meu apartamento. Em princípio não dei atenção ao fato, mas depois o procedimento daquele indivíduo que eu avistava ali na rua, passou mesmo a me chamar a atenção. Como sou muito curiosa, e também por ter horror ao fumo, passei a observar disfarçadamente o procedimento estranho daquele indivíduo e percebi que além de fumante inveterado era um sujeito psicótico. Depois de acender o cigarro ele se levantava da jardineira, puxava um telefone celular do bolso e daí por diante começava um ridículo ritual: andava pra lá e pra cá segurando com a mão esquerda o aparelho, no qual digitava nervosamente com o polegar enquanto com a mão direita segurava o cigarro aceso, que a cada instante colocava novamente na boca e ao mesmo tempo falava com alguém do outro lado da linha e gesticulava feito um maluco. Caminhava uns dez metros, voltava, de vez em quando chutava qualquer coisa do chão, olhava a esmo como se não estivesse vendo nada, soltava fumaça pela boca, colocava novamente o cigarro na boca, tirava e ficava segurando entre os dedos da mão direita e falava, falava, falava e gesticulava como se estivessem brigando, e voltava novamente inúmeras vezes, indiferente a tudo a sua volta.

Como eu estava no terceiro andar, quando já era noite, de cima dava pra perceber pela luz acesa no display do aparelho dele, que de vez em quando a pessoa com quem ele discutia havia desligado o telefone, que se apagava. Então ele muito irritado digitava novamente o número, e a pessoa, com certeza também portadora de alguma psicopatia, atendia, e o bate boca  recomeçava. Então o sujeito acendia outro cigarro, começava a andar em círculos, chutava sei lá o que, voltava a gesticular e fumava, fumava, fumava. De repente se dava conta de que o dever o chamava e enfiava o celular no bolso, atravessava a rua e voltava para a oficina aonde trabalhava. E tudo se repetia mais ou menos uma hora depois, exatamente igual, o dia inteiro. Uma loucura. O homem era um idiota perfeito.

Até seria cômico se não fosse trágico, pois eu daqui de cima ficava a imaginar como seria a vida daquela criatura conturbada que mal conseguia trabalhar, parando de vez em quando para se envenenar com os vapores da nicotina e envolvido num relacionamento afetivo neurótico com alguma mulher igualmente neurótica. E como seriam os filhos, se tivessem?

Eu nunca soube quem ele era nem qual era o seu nome, até o dia em que casualmente soube, enquanto fazia as unhas no salão em frente, que aquele rapaz muito magro que trabalhava ali na oficina tinha sido despedido. E como desgraça pouca é besteira, além de desempregado ele estava com câncer no pulmão e a mulher o tinha abandonado.

 Júnia - 2012