Que idioma é esse? Javanês? Perguntei do alto da minha sabedoria de quinze anos de idade, ao iniciar a leitura do genial conto do grande escritor Lima Barreto. Terminada a leitura me deliciei a imaginar a esperteza do personagem ao enganar o velho aristocrata que queria aprender a línguade uma distante ilha do Oriente. Enganar não é o termo mais adequado e talvez o mais correto fosse “enrolar”. A história tem por cenário o final do século XIX, quando um velho nobre resolve cumprir a promessa feita ao seu pai de que aprenderia o idioma para ler o livro que ele havia recebido de presente e não sabia do que se tratava, pois nunca encontrou alguém que soubesse javanês.

Foi aí que ele anunciou num jornal do Rio de Janeiro: “Procura-se professor de javanês”. O esperto personagem viu no anúncio a possibilidade de levantar alguns contos de réis e sair da penúria. Mas convenhamos que ele se esforçou e procurou na biblioteca informações sobre o exótico idioma. Pesquisou sobre a história da ilha de Java, seus costumes e o alfabeto antes de se dirigir ao seu “futuro aluno”. No final ele se sai bem, mesmo sem saber ler ou escrever em javanês, figurou no testamento do velho com direito a um quinhão do rico patrimônio do ingênuo nobre. Por essa troça, o Lima Barreto sem se dar conta, foi um dos precursores do velho conto do vigário.

Espero que não tenha sido um desmancha prazer ao futuro leitor do conto com a revelação do final da história, mas podem acreditar que ela continua sendo saborosíssima apesar da minha pequena indiscrição.

E pensando um dia desses sobre o conto, resolvi colocar em ação o meu espírito moleque. Fiz uma pequena placa com a inscrição: “Leciona-se javanês” e fixei-a no muro de minha casa. É óbvio que não sei distinguir javanês de chinês, japonês ou árabe, mas a galhofa tem, também,outra razão que devo esclarecer aos que pacientemente me leem. A minha rua foi batizada com o nome do escritor e tenho dúvidas se algum dos moradores sabe de quem se trata. Digo isso porque até o momento ninguém da rua se interessou em pelo menos perguntar sobre a minha “nova profissão” de professor de idiomas orientais.

Mas tive alguns interessados de outras plagas. Entre eles um simpático soldador que veio executar um serviço em meu portão. Ficou curioso e muito acanhadamente me perguntou sobre essa língua. Expliquei que se tratava de um blefe e que eu não sabia patavina de javanês, mas ele tomou nota do nome do autor e do conto e se comprometeu a procurá-lo na biblioteca. Outra interessada foi uma pregadora evangélica, que após tentar me catequizar sem sucesso, fez também a pergunta. Foi mais uma pessoa que se comprometeu a ler o conto, pois me confessou que, além da Bíblia, gostava de literatura. O terceiro foi o mais interessante. Tocou a campainha e quando fui atendê-lo perguntou solenemente: “É aqui que tem um professor de javanês?”. Confesso que fiquei atrapalhado, mas ele percebendo o meu desconforto não tardou em explicar que estava também brincandoe que era amigo de minha filha, tendo vindo à nossa casa para uma reunião com um grupo de teatro, aproveitou para fazer um esquete.

Mas essa história do javanês já me presenteou com um pesadelo de arrepiar os ossos. No dito cujo apareceu em meu portão um soldado da ilha de Java armado até os dentes que estava procurando um professor do seu idioma pátrio para dar aulas ao seu filho e ficou furioso ao saber que era um blefe. Acordei suando frio e quase fui arrancar a placa no meio da noite.

A placa, que infelizmente não tem as qualidades artísticas das produzidas por um velho artesão de Piedade, está apodrecendo a olhos vistos e até agora não apareceu àquele personagem da ficção interessado em aprender alguns rudimentos de javanês e disposto a grafar meu nome em seu testamento, legando-me um pequeno quinhão da fortuna que espero não tenha sido obtida à duras penas com as propinas da lava-jato.