O GRITO
de GHC MARQUES


Não sei quanto tempo eu dormi, talvez nunca antes estive acordado, mas um terrível e forte grito de dar calafrios me fez despertar.

Levantei da cama e tentei distinguir de onde vinha o grito tão forte gritado.

O grito não tinha direção. Vinha de todos os lados, ecoava por todos os cantos. O grito não demonstrava raça, não demonstrava cor, não tinha um só dono. O grito podia ser de um animal, podia ser de uma mãe, de um filho, de uma nação e, ainda assim não estaria sozinho, pois outros gritos com eles disputavam a audição dos ouvintes.

O grito era de dor, o grito era de medo, o grito era de raiva, de inveja, de sofrimento. O grito era de terror.
O grito não parava, não dava trégua.


O grito era ucraniano. O grito era nortecoreano. O grito era sírio, iraquiano, francês, brasileiro, libanês. O grito vinha do Sudão, do Congo, do Tibet, da China. O grito vinha dos animais que sofrem maustratos, dos escravos, da mulher violentada, do pobre excluído. 

O grito vinha da floresta Amazônica, vinha por causa dos agrotóxicos, vinha através da violência institucionalizada, da violência social, da violência doméstica, vinha do baleado tanto quanto vinha do pistoleiro, vinha das penitenciárias lotadas, vinha da ausência da família, da corrupção passiva, da corrupção ativa, da concussão, do peculato, do latrocínio, do homicídio, do aborto, do incêndio provocado, do tráfico, do rufião, da omissão, da "justiça" parcial. O grito vinha do choro do bebê que estava com fome, vinha da desigualdade social,  do desespero dos desempregados, dos aflitos, dos desesperados, vinha da morte de um inocente, vinha do doente mental, daquele que sofre bullying, do idoso, do viciado, do morador de rua, vinha da intolerância religiosa, vinha dos cristãos, dos judeus, dos muçulmanos, dos budistas, dos ateus.

É um grito de "passa", um grito de "queima", um grito de "mata", um grito de "cala a boca", de "tem que morrer", de "não quero mais te ver", de "olho por olho dente por dente é assim que tem que ser" de "ela pediu para ser estuprada".

Se vulnerabilidade é um estado de fragilidade, de uma forma ou de outra, com maior ou menor intensidade, somos todos vulneráveis.

Vulneráveis do que? De quem?
Vulneráveis da maldade e ignorância humana?!
Socorro, socorro!
O grito vem da natureza, vem do planeta!
O grito vem de mim!

Texto em video através do endereço: https://www.youtube.com/watch?v=uVfehPalR_Y