O Governo compra mal porque compra pelo menor preço?
Publicado em 01 de dezembro de 2009 por Ivan Brscan
O
título do presente artigo sugere uma reflexão sobre um tema que,
comumente, é tratado na administração pública brasileira como uma
verdade indubitável, na qual não caberia qualquer tipo de
questionamento. Entretanto, fazendo uma análise mais apurada,
percebe-se que esta premissa não se sustenta e pode estar sendo
utilizada como cortina para esconder uma má gestão de compras e de
contratos públicos.
Poderemos enumerar os reais motivos que levam a administração pública a realizar suas compras de forma ineficiente:
Identificação
da necessidade: o primeiro passo para a realização de uma compra
eficiente diz respeito ao fato de o usuário do material ou do serviço a
ser contratado saber identificar o que de fato precisa, ou seja, o que
será necessário para atender plenamente à sua necessidade. Na prática
este é o primeiro gargalo do processo. Em grande parte dos casos o
solicitante da compra não consegue delimitar a sua necessidade, o que
coloca em risco a eficiência da aquisição. Na administração pública
existe ainda um agravante, haja vista que, quase sempre, os
responsáveis pela condução da licitação não são os usuários do produto
ou não serão os gestores do contrato, ou seja, desconhecem a real
necessidade da aquisição.
Como
na Administração Pública os controles são legalmente previstos e devem
ser adotados, cabe encontrar uma rotina que diminua o risco inicial de
se adquirir um item que não atenda de forma plena a necessidade do
solicitante, haja vista que a correta descrição da especificação do
item a ser contratado surge como condição sine qua non para o êxito da contratação, independentemente da presença do solicitante no momento da aquisição.
Especificação
do item a ser adquirido: a correta especificação do item é que vai
determinar o atendimento das necessidades da compra ou não. É de
fundamental importância que este esteja bem descrito para que não haja
margem de dúvida por parte dos licitantes ou dos responsáveis pela
aquisição. Este tópico serve para desconsiderar de vez a premissa de
que se compra mal quando se compra pelo menor preço. Na verdade se
compra mal quando se específica mal. O poder público deve sim, sempre
que possível, priorizar o menor preço, porém o menor preço dentro das
especificações exigidas.
Digamos
que um órgão deseja adquirir pasta arquivo e para isso descreve o item
da seguinte forma: Pasta Arquivo registrador tipo AZ, tamanho
memorando, dimensões
Analisando
o caso acima, seria muito comum afirmar que se comprou um item de baixa
qualidade porque se optou pela proposta de menor preço, em detrimento
de outras mais caras, porém de melhor qualidade. Contudo, esta análise
é errônea, pois se comprou mal porque a especificação não trazia todas
as informações relevantes, caso houvesse a previsão do papelão
prensado, o Fornecedor B deveria ser desclassificado do certame,
independentemente do preço ofertado.
Em
resumo, se a administração pública contrata um item com qualidade
inferior do que a solicitada, na verdade ela está adquirindo um item
que diverge do inicialmente solicitado. Assim sendo não há o que se
falar de menor preço comparando itens distintos. A disputa de menor
preço só existe de fato quando comparamos dois itens que atendam
plenamente a especificação e para estes casos esta disputa é benéfica.
Lembramos que a correta descrição do item a ser contratado é antes de qualquer coisa uma exigência Legal:
A Lei 8.666/93 prevê:
Art. 14. Nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe tiver dado causa (grifo nosso).
Gestão
de fornecedores: a qualidade do que se adquire está diretamente
relacionada a qualidade dos seus fornecedores. A administração pública
precisa ter uma postura ativa com seus fornecedores e não apenas
aceitar passivamente os interessados a participar das licitações.
Faz-se necessário captar no mercado empresas mais eficientes e realizar
parcerias, mas para isso precisa se tornar um cliente atrativo,
honrando compromissos, diminuindo a burocracia, estabelecendo regras
claras e penalizando exemplarmente ou até mesmo excluindo dos processos
licitatórios as empresas que buscam o poder público como instrumento de
ganância.
Atualmente
o poder público olha para os seus fornecedores como oponentes e estes
olham para o poder público com terra de ninguém. Este fato cria um
clima de desconfiança mútua alimentando uma relação danosa para ambas
as partes, impactando nos preços e na qualidade dos produtos e serviços
adquiridos.
Recebimento
dos materiais/Gestão de contratos: a etapa de recebimento é um momento
estratégico na eficiência da gestão de compras, não adianta ter uma boa
especificação, selecionar bem os fornecedores e ser displicente no
momento do recebimento do bem ou durante a gestão de contratos
continuados. É muito comum que maus fornecedores usem a estratégia de
mergulhar no preço e posteriormente tentar recuperar o lucro,
entregando um produto ou executando um serviço de baixa qualidade.
É
importante frisar que o processo de compra não se encerra na
homologação da licitação, mas sim só após o recebimento do produto ou
serviço.
Por
fim, podemos afirmar que o menor preço não é o vilão das compras
públicas, mas sim a falta de planejamento e implantação de uma política
eficiente de compras e contratações. Acontece que maus gestores
utilizam o argumento do menor preço para justificar seus atos danosos
ao poder público, demonstrando até mesmo um desconhecimento legal, haja
vista que a Lei Geral de Licitações, 8.666/93, traz a previsão de
aquisição na melhor proposta para administração pública e não
necessariamente no menor preço.
REFERÊNCIAS
BAHIA. Secretaria da Administração. Manual de orientação para comissões de licitação. 11. ed. Salvador: SAEB/CCL, 2002. 74p.
BOSELLI, Paulo. Como ter sucesso nas licitações. São Paulo: Edicta, 1998. 400p.
BOTTINO, Marco Tullio; RIGOLIN, Ivan Barbosa. Manual Prático das Licitações. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. 458p.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei Federal nº 8.666,
de 21 de junho de 1993. Dispõe sobre normas gerais sobre licitações e
contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de
publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios. Brasília: Senado
Federal; Centro Gráfico, 1993.
BRASIL. Lei nº 10.520,
de 17 de julho de 2002. Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito
federal e Municípios a modalidade de licitação denominada pregão, para
aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências.
Brasília: Senado Federal; Centro Gráfico, 2002.
CARVALHO, Paulo César Silva de. As Compras Governamentais e o Desenvolvimento Regional: Caso do Governo do Estado da Bahia. Dissertação de Mestrado
MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
SANTANA, Ana Cristina de Souza. Princípios Administrativos Aplicados à Licitação Pública. 2005. Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas /default.asp?action=doutrina&doutrina=1907>.