Lic. Fil: António Teca Dicondele, é Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Angola (UCAN), Instituto Superior Dom Bosco (ISDB), Membro da Organização Académica FILONORG (Angola-Luanda). É formado em Agregação Pedagógica para o ensino Superior pela mesma Universidade. É também Jornalista estagiário pela Rádio Escola. Nutre maior interesse em Filosofia Existencial, Filosofia Vitalista, e a Filosofia da Desconstrução. Com os seguintes contactos: 937 993 828, [email protected]

SUMÁRIO: Introdução; 1. A filosofia face às instituições de ensino em Angola; 1.1 Será a filosofia uma actividade essencialmente metodológica? 2. A filosofia e o mercado de trabalho; 2.1 A antifilosofia; 2.2 A praticidade do discurso filosófico; 3. As implicações actuais da filosofia na educação; 3.1 Como filosofar nos tempos hipermodernos? 3.2 Ao estimado propedeuta; Conclusão; Referências.

Resumo: o artigo pretende apresentar de forma sucinta o fracasso do ensino da filosofia nas instituições educativas em Angola. Não se trata apenas de um artigo voltado à crítica, mas também apresenta propostas sobre o tipo de filosofia que deveria ser praticada nas instituições. Para que o ensino da mesma não se restrinja unicamente numa transmissão simplória de conteúdos programados, mas e sobretudo numa criação incessante de conceitos: problematização, dúvida, assombro, crítica, etc.

Palavras-chave: filosofia, fracasso, espírito livre, ensino, desconstrução.

Abstract: the article intends to briefly present the failure of teaching philosophy in educational institutions in Angola. It is not only an article focused on criticism, but also presents proposals on the type of philosophy that should be practiced in institutions. So that the teaching of the same is not restricted to a simple transmission of programmed content, but above all in an unceasing transmission of concepts: problematization, doubt, amazement, criticism, etc. Keywords: philosophy, failure, free spirit, teaching, desconstruction.

INTRODUÇÃO 

ATT: Antes do caro leitor começar a trilhar pelo caminho da leitura, de informar que o artigo, não é de minha autoria. Trata-se, de uma solidariedade intelectual em publicar pessoas que nos solicitam.

Nas nossas escolas a situação… É deveras dramática e preocupante: muitas delas transformaram-se em autênticos antros de vícios e de maus exemplos, onde alguns professores, de educadores, se converteram em sedutores, corruptores e vendedores de notas e certificados, condenando os alunos à preguiça mental e a ignorância . Este artigo é uma análise especulativa sobre o fracasso do ensino da filosofia nas instituições educativas em Angola. Trata-se de um artigo em andamento sem posturas definitivas, e nem absolutas. É especulativo porque não é um estudo estatístico, como o fariam as ciências puramente factuais, é puramente uma análise racional. Talvez seja, o primeiro preconceito que de antemão possa nutrir. «É verdade que nas ciências ditas morais e sociais, ou humanas. […] A descoberta das causas não se faz com a mesma segurança; por isso, muitos contestam serem elas verdadeiras ciências, já que as suas conclusões parecem simples opiniões pessoais mais ou menos plausíveis» . O segundo preconceito reside no termo fracasso, a tradução precisa desta expressão é difícil, mas está mais próxima ao sentido comum de débil; como nos é dado a observar. Nós mesmos não estamos à margem dele, porém, o nosso propósito não é nos acomodar com que nos é dado, mas sim, desconstruir o termo a partir do nosso olhar intermitente. Sabemos dos mal-entendidos, dos preconceitos, e das incompreensões que o termo acarreta. Contudo, esta é a incúria da expressão e a gratuitidade do título em caixa alta; Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem canse o fazê-lo quando se é velho, pois ninguém é jamais pouco nem maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz . Certa vez passeava um coelho à beira dum rio, sedento, flectiu o pescoço com intuito de beber água, mas depois de ter visto o reflexo da sua imagem na água, ficou estupefacto; como se tratasse dum seu semelhante se afogando. Jamais vira tal espetáculo… Sem mais de longas, voltou ele ao convívio do grupo, no sentido de convidá-los a verem o sucedido. Todos assombrados, puseram-se a caminho, e chegados ao rio viram o mesmo acontecimento. Ora, o primeiro deu-nos a entender que se tratava apenas de um afogado, mas no entanto, visto sobre um outro ângulo, era na verdade uma comitiva de coelhos afogados. Incapazes de repreenderem o seu próprio instinto resolveram voltar, sem terem saciado a sede. Oh! Que falta de autonomia! Que falta de juízo! A esses seres com orelhas que ultrapassam sua própria cabeça! Será que, não entenderam que se tratava apenas dum convite? Que desperdício de tempo, numa actividade 2 Cf. Radio Vaticano 23/2/2011. Apud. KUNDONGENDE, C. João. Crise e resgate dos valores morais, cívicos e culturais na sociedade angola. Ministério da Educação, 2013, p. 43. 3 GARCIA, M. Othom. Comunicação em prosa moderna. 27ª Edição. Rio de Janeiro, Editora. FGV, 2011, p. 384. 4 completamente banal. Ah! Se tivessem entendido que, fazer filosofia é colocar-se logo a caminho, não teriam resolvido a sua ansiedade? Vejamos o que dizia Marilena Chaui, parafraseando Espinosa: «fazer filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade» 5 . Ora, não seria insensatez da nossa parte, se não lhes perdoarmos por causa da sua disponibilidade? Ou talvez pelo facto, de não terem recusado o convite? Queriam eles, permanecer na caverna do conformismo? Ou talvez, se contentar com os preconceitos ideológicos e étnicos, e o tribalismo que corrói as nossas instituições? Talvez tivessem percebido demasiado o convite, e resolveram tirar a venda e encararem o facto a clara luz. E se fossem assim, os homens do nosso tempo embrenhados pelo já estabelecido! Tais são algumas questões que iremos reflectir ao longo deste trabalho sem a certeza de termos saciado nenhuma sede. Se não entendermos que, a fábula acima encerra um exercício analítico, estaremos mais à beira do precipício do que a uma ideia de solução. Pois, a fábula nos parece bastante comum se quisermos fazer aqui uma analogia. Vivemos hoje numa sociedade imersa na futilidade em que a matematização económica, nas instituições de ensino se tornou uma pedra de toque. Nós que despertamos deste sono, jamais iremos ceder que triunfe essa nova forma débil de pensar. 5 CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2000, p. 17. 5 1. A filosofia face às instituições de ensino em Angola Há anos, a filosofia era apenas uma actividade praticada nas instituições religiosas, fundamentalmente católicas e, o sistema dominante que detinha o poder praticava ainda de forma incipiente aquela filosofia que propunha uma utopia da história de que, algum dia os seres humanos se tornariam iguais perante a tudo e que assim, estaríamos a caminho da igualdade […] Isto justifica-se na medida em que muitos factos que se sucedem surgem como reflexo deste grande acontecimento. Nestas circunstâncias, a queda do marxismo-leninismo tem sido interpretada em vários parâmetros. Entretanto, a conclusão é quase sempre a mesma: o marxismo-leninismo fracassou e já está ultrapassado. Como se sabe, em Angola, este facto levou os responsáveis do Ministério da Educação a excluir a disciplina de filosofia do actual plano de ensino. Esta decisão, juntamente com a tese do fracasso do marxismo-leninismo, fez com que muitos tivessem uma ideia errada da filosofia como ciência. Outros chegaram a aceitar, precipitada e irracionalmente, a inutilidade da filosofia no ensino e na sociedade, pondo em causa o verdadeiro valor da mesma 6 . Por outro lado, cancelada a filosofia, muitos estudantes viram-se submetidos ao já estabelecido, sem prévia autonomia de pensarem por si mesmos, e esta atitude passava por vezes em atrativo, a verdadeira essência da filosofia, que é a radicalidade do porquê. Por que, se pretendia silenciar este grande despertador de consciência? A filosofia, jamais se submeterá a qualquer instituição. Como asseverava Ngoenha que, «a coragem do filósofo é pensar por si mesmo, é não se deixar possuir pelas modas e pelas correntes da época» 7 . Todavia, o recuo que fizemos não tem a pretensão de ser uma narração histórica. A nossa intenção está voltada à superficialidade com que se ensina a filosofia hoje, e como sairmos dela. Há factores que, não podemos descurar como é o caso da colonização, a guerra civil, e a ideologia marxista-leninista, etc. Os factores atrás elencados estão ligados fundamentalmente a vertente sociopolítica do país. Sem portanto, menosprezá-los, sabemos que, o sistema político adoptado por um país, é até certo ponto, uma antevisão do futuro educando, ou seja, a educação anda sempre de mãos dadas com a política. Para Matumona, um dos grandes factores deste fracasso na área da educação, foi basicamente a imposição de um método unilateral que estava claramente, ao serviço do regime. 6 MATUMONA, MUANAMOSI. Filosofia africana, implicações epistemológicas pedagógicas e práticas de uma ciência moderna. Esfera do Caos Editores, 2010, p. 169. 7 NGOENHA, Severino Elias. Resistir a Abadon. São Paulo: Editora Paulinas, 2017, p. 14. 6 Depois da estagnação no tempo, se podia ouvir vozes dissonantes: «acabou o tempo de filosofia... A filosofia já não vale para nada, já não queremos mais nada com a filosofia, temos de estudar a filosofia? Etc.» 8 . Ainda na senda deste fracasso, reservamos para as páginas subsequentes um item sobre a ideia do método, e das vozes dissonantes; onde analisaremos que, o ensino da filosofia não é propiamente, uma questão de imposição metodológica, muito menos o que pensa a massa sobre ela. Trata-se na verdade, de pistas que cada professor deverá adoptar para administração das suas aulas. Entretanto, importa salientar um outro fracasso que é a formação dos professores de filosofia, muitos deles são apenas curiosos não no sentido verdadeiro da palavra, que moveu os primeiros filósofos na busca do arkhe 9 , mas apenas curiosos! Para tal, é necessário que, os estudantes de filosofia compreendam a verdadeira essência da filosofia, que é a criação de conceitos, a problematização, a dúvida, o assombro, a crítica, etc. Segundo Nietzsche, «a educação superior não responde senão as exceções: […] O que as escolas superiores sabem fazer é efetivamente um adestramento brutal a fim de tornar útil e explorável ao serviço do Estado uma legião de jovens no tempo mais curto possível» 10 . Neste argumento, podemos notar o imediatismo total dos dias de hoje, a filosofia é uma actividade feita por homens finitos, mas que está exposta a futuras gerações. É preciso cultivar os jovens no espírito crítico, que é por exemplo: a problematização, a conceptualização, e depois argumentarem tomando a noção das coisas, o sentido da cultura, e dos valores perdidos que tanto se discutem. Mas, como é possível resgatar tais valores se a disciplina (axiologia “filosofia”) alicerçada para isso se ignora, os conteúdos de moral e da ética foram postos no túmulo do esquecimento? Continua Nietzsche afirmando que, Nossas escolas superiores estão organizadas segundo uma mediocridade ambígua, com professores, programas e com um resultado previsto. Em todos os lugares reina uma pressa indecente, como se tivesse perdido algo com fato dum jovem não ter acabado seus estudos aos vinte e três anos, quando não se sabia todavia, responder uma pergunta essencial: que carreira escolher? 11 . 8 MATUMONA, MUANAMOSI. Filosofia africana, implicações epistemológicas pedagógicas e práticas de uma ciência moderna. Esfera do Caos Editores, 2010, p. 167. 9 Termo grego que significa início no tempo de uma série, ou seja, princípio imaterial da vida, distinto da alma. Ver. LOBO, António. Dicionário de filosofia. 4ª Edição. Lisboa: Plátano Editora, 1996, p. 16. 10 Cf. NIETZSCHE. Friedrich. Crepúsculo dos ídolos ou a filosofia a golpes de martelo. S/d, p. 52. 11 Ibid., 52- 53. 7 Evidentemente, Nietzsche falava em um contexto completamente diferente do nosso, mas de qualquer forma, podemos tirar algumas ilações e, é na verdade, o pouco ou muito que se observa aqui. Quantos principiantes ingressam nas universidades sobretudo públicas, e não sabem que cursos pretendem seguir? O engraçado ainda, até no dia do teste estão confusos da sua carreira profissional! Ainda temos exemplos, só para citar alguns: estudantes do segundo ciclo do curso de ciências humanas não estudam antropologia porque não existem conteúdos suficientemente sistematizados para o efeito. Ainda assim, é possível resgatar tais valores? É notória a crise de identidade cultural, desde a camada mais baixa até à superior. Não é apenas o problema da consciência embora nos pareça fundamental, mas é a própria humanidade que está em decadência total. Eis a tarefa nietzschiana: É preciso aprender a pensar, é preciso aprender a falar e a escrever; dessas três coisas é uma cultura aristocrática. Aprender a ver, acostumar os olhos ao repouso à paciência habituá-los a deixar ver as coisas, a localizar juízos. Aprender a cercar e envolver o caso concreto. Esta é a primeira preparação para educar o espírito não ceder imediatamente a uma sedução mas saber utilizar os instintos que estorvam e isolam. Aprender a ver, tal como entendo, é, de certo modo, o que na linguagem corrente e não-filosófica chamava-se vontade firme; o essencial é, precisamente, não querer; poder suspender a determinação 12 . Colocadas essas directrizes, o estudante de filosofia será capaz de desatar o nó. Pois, a filosofia é uma actividade essencialmente reflexiva, questionar desde os problemas mais simples até os mais complexos; e elevar-se na pura contemplação. Filosofar não é andar na estratosfera longe da realidade, embora possa ser fundamental. Mas sim, com aquele desejo sempre enérgico quiçá erótico, de descer até às fendas que o assombram. O estudante de filosofia, não é um mero decorador de conceitos feito papagaio, mas sim criador. 1.1 Será a filosofia uma actividade essencialmente metodológica? Existe um paralelo no discurso filosófico que, precisamos de ter em atenção para não confundi-lo com as ciências puramente factuais; a filosofia nutre uma essência pura e específica, na medida em que parte do concreto e do não concreto. Enquanto, as ciências empíricas pairam apenas no visível em dados puramente consensuais, a filosofia eleva-se até ao oculto. Assim sendo, a tentativa metodológica dependerá inteiramente do professor na administração das suas aulas, partindo da realidade sempre concreta dos seus educandos. «Neste 12 Cf. NIETZSCHE. Friedrich. Crepúsculo dos ídolos ou a filosofia a golpes de martelo. S/d, p. 53. 8 caso, o método é constituído por um conjunto de receitas, de modos de agir, elaborados por cada professor, ao generalizar os seus próprios hábitos de leitura» 13 . Importa afirmar que, não é inútil uma tentativa metodológica desde que parta de uma realidade concreta. Existe uma legitimidade em cada sistema filosófico, propor sua própria metodologia o que não nos leva, a afirmar uma metodologia única em filosofia. Sabemos o fracasso de Descartes! Nesse panorama de utopias da modernidade, a mais central foi, certamente, a utopia do método. Descartes abriu o século XVII em busca de um método para a filosofia, busca encerrada- sem sucesso definitivo, ou não seria uma utopia- na virada do século XIX para o século XX, com a criação do método fenomenológico 14 . A proposta metodológica deve ser essencialmente, uma criação provinda do próprio professor. O processo de aprendizagem é extremamente complexo, pois não se assemelha a uma receita médica, passada pelo dentista para cumprir de forma rigorosa as horas da medicação; aprendemos quando nos sentimos compelidos, ou interessados por alguma coisa, isto é um facto. Ainda sobre o método, Descartes tentou defender-se, neste argumento: «Meu propósito não é ensinar aqui o método como cada um deve seguir para bem conduzir sua razão, mas somente mostrar de que modo procurei conduzir a minha» 15 . Sílvio Gallo, parafraseando a obra de Giles Deleuze em Proust e os Signos afirmava que, o aprendizado é uma relação com os signos, uma espécie de perda de tempo, à deriva, diferente de um processo eficaz e objetivo de assimilação de conteúdos. Aprender a filosofia, não é essencialmente uma actividade metodológica, aprendemos a filosofar a partir do próprio acto de pensar, quando nos sentimos tocados, ou nos apropriamos do legado histórico. «Aí está a possibilidade viva do pensamento, de seu exercício, de sua experiência. O aprender é um mistério, fruto de encontros ao acaso» 16 . Os argumentos atrás expostos elucidam-nos o modo como a filosofia deve ser praticada se quisermos que, o discurso filosófico se torne bastante familiar entre nós, é preciso levar os alunos a sondarem as fendas do próprio abismo, e o professor será apenas um guia. Porém, isto 13 COSSUTA, Frédric. Didáctica da filosofia. Como interpretar textos filosóficos? Trad. José Carlos Eufrásio. Lisboa: Editora Asa, 1900, p. 9. 14 GALLO, Sílvio. Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. São Paulo: Editora Papirus, 2013, p. 86. 15 DESCARTES, René. Discurso do método. 2ª Edição. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 7. 16 GALLO, Sílvio. Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. São Paulo: Editora Papirus, 2013, p. 88. 9 não implica arbitrariedade da parte do aluno e nem relega o professor para o segundo plano. «Não aprendemos a pensar imitando o outro, um professor de filosofia, por exemplo, mas inventando nossa própria maneira de nos relacionarmos com os signos do pensamento» 17 . Existe ainda, uma proposta de Giles Deleuze, citado por Gallo: o exemplo dado por Deleuze é o do aprender a nadar, que é o enfrentamento do problema da relação do nosso corpo com a água. Alguém só aprende a nadar quando, ele próprio, aprendiz, entra em contato com os signos da água, e na heterogeneidade dessa relação consegue produzir o resultado desejado, que é o acto de nadar. O professor de filosofia deve agir de vez em quando como um mestre ignorante, que não se atrela de antemão em responder as questões: Quem és? De onde vens? Que fazes? Que será de ti? É uma pergunta que se deve fazer a todos os seres do universo, mas à qual ninguém nos responde. Pergunto às plantas que virtude as faz crescer e de que maneira o mesmo solo produz frutos tão diversos. Esses seres insensíveis e mudos, embora providos de uma faculdade divina, abandonam-me à minha ignorância e às minhas vãs conjeturas 18 . É sua tarefa colocar-se algumas vezes, na posição de quem não sabe e quer aprender com o próprio aluno. Para estes casos, é imperioso o método socrático, pois o professor não é detentor de verdades absolutas. A filosofia é uma busca incessante da verdade, e o papel do mestre é ajudar o estudante a dar à luz daquilo que ele mesmo já traz consigo. Ora, na aula de filosofia é mais do que necessário romper com a visão tradicional de aula já tão criticada, mas dificilmente abandonada, de um espaço de transmissão de conhecimentos. Ele precisa ser um espaço no qual os alunos não sejam meros espectadores, mas activos, produtores, criadores. Mas, como criar estes conceitos? Obviamente, eles não viriam do nada, como se sabe; existe uma enorme diversidade de filosofias que a história nos legou é de lá onde devemos partir. «Para mostrar o processo do filosofar pelos filósofos, algo que poderia transformar a filosofia em algo vivo e pulsante aos olhos dos estudantes, seria interessante justamente tirar da sombra os problemas, lançar luz sobre aquilo que os textos escondem» 19 . Nesta metáfora da luz está implícito o método regressivo, que nos possibilita visitar a história da filosofia; se quisermos que este convite à filosofia se torne uma realidade, é necessário habilitar os estudantes, a uma pluralidade de pensamentos. 17 GALLO, Sílvio. Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. São Paulo: Editora Papirus, 2013, p. 89. 18 VOLTAIRE. O filósofo ignorante. Trad. Paulo Neve. Rio de Janeiro: LPM Editores, 2013, p. 10. 19 GALLO, Sílvio. Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. São Paulo: Editora Papirus, 2013, p. 111. 10 2. A filosofia e o mercado de trabalho Etiquetou-se hoje a filosofia ao mercado do trabalho, e ao mesmo tempo, se massificou a actividade lucrativa do pensamento, ou seja, de nada me servirá uma formação cujos resultados levem algum tempo, o intelectual de hoje é tentado entre o lucro e a contemplação, se discute quase por toda parte a actuação do filósofo, e muitos até consideram a própria filosofia como algo banal. Ora, se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes 20 . A filosofia desde a sua origem na Grécia Antiga, se tem considerado como a forma mais elevada do pensamento humano, ela engendrou a vida pública na cidade, construiu o pensamento de que a humanidade é proprietária, tanto na educação, na política, nas artes, na cultura, e até na própria vida monástica. Se analisarmos atentamente, o seu objecto de estudo que é bastante plural; podemos mesmo afirmar que, a filosofia é um modo de vida, ou seja, é a arte do bem viver. O filósofo, ironicamente falando, é todo aquele intelectual que não tem uma área específica, um local de trabalho. Mas, onde estaria então a utilidade da filosofia? […] A resposta a esta pergunta deve ser agressiva, como rebate ainda Deleuze, numa outra vertente: Visto que a pergunta pretende-se irónica e mordaz, A filosofia não serve nem ao Estado, nem à igreja, que têm outras preocupações. Não serve a nenhum poder estabelecido. A filosofia serve para entristecer. Uma filosofia que não entristece a ninguém e não contraria ninguém, não é filosofia. A filosofia serve para prejudicar a tolice, faz da tolice algo de vergonhoso. Não tem outra serventia a não ser a seguinte: denunciar a baixeza do pensamento sob todas as suas formas. Existe alguma disciplina, além da filosofia, que se proponha a criticar todas mistificações, quaisquer que sejam sua fonte e seu objetivo? Denunciar todas as ficções sem as quais as forças reativas não prevaleceriam. Denunciar, na mistificação, essa mistura de baixeza e tolice que forma tão bem a espantosa cumplicidade das vítimas e dos algozes. Fazer, enfim, do pensamento algo agressivo, ativo, afirmativo. Fazer homens livres, isto é, homens que não confundam os fins da cultura com o proveito do Estado, da moral, da religião. Vencer o negativo e seus altos prestígios. Quem tem interesse em tudo isso a não ser a filosofia? […] A tolice e a bizarria, por maiores que sejam, seriam ainda se não subsistisse um pouco de filosofia para impedi- 20 CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2000, p. 23. 11 las, em cada época, de ir tão longe quanto desejariam, para proibi-las, mesmo que seja por ouvir dizer, de serem tão tolas e tão baixas cada uma delas desejaria 21 . A filosofia precisa ser praticada, a partir dos espaços mais formais até os informais, referimo-nos às ágoras, nas ruas, nas escolas, nos gabinetes, nos cafés e bares nas vigílias, nos namoros, nas conversas com os amigos; mais ainda, é preciso manter um diálogo aceso consigo mesmo: «Daí a filosofia ser dita como uma proposta de meditação e crítica da realidade. Uma tentativa de obtenção de um conhecimento global e totalizante do homem no mundo, dentro de uma fundamentação racional» 22 . 2.1 A antifilosofia 23 . Existe hoje, uma postura menos modesta e podemos mesmo denominá-la de preconceito. Trata-se de uma mentalidade retrógrada do nosso ponto de vista, que pretende influenciar de forma negativa, os estudantes que têm o ensejo de perscrutar o caminho da sabedoria. Essa atitude é própria da massa e não dos espíritos livres. O senso comum precisa ser questionado de forma instigante e censurado, pois não é verdade que a filosofia seja uma actividade recôndita e complexa, pelo que, é apenas destinada a um pequeno grupo de pessoas. A filosofia apresenta-se ao espírito humano como um desejo natural e, nesta asserção, nos revemos todos. Porém, há aquela filosofia mais profissional que só se adquire a partir das academias. Ora, trata-se de um empreendimento individual e de afeição que cada um nutre. Entretanto, essa postura não se constitui como problema; já dizia Karl Jaspers: A filosofia se dirige ao indivíduo. Dá lugar à livre comunidade dos que, movidos pelo desejo da verdade, confiam uns nos outros. Quem se dedica a filosofar gostaria de ser admitido nessa comunidade. Ela está sempre neste mundo, mas não poderia fazer-se instituição sob pena de sacrificar a liberdade de sua verdade. O filósofo não pode saber se integra a comunidade. Não há instância que decida admiti-lo ou recusá-lo 24 . A antifilosofia se apresenta de diversas maneiras como alertava Karl Jaspers: entre àqueles intelectuais que ainda cultuam ignorância, em detrimento das ideologias partidárias; e aqueles que pretendem ver a filosofia desde um ponto de vista estritamente mercantil, ou seja, utilitária. 21 Deleuze, in “Nietzsche e a filosofia”. S/d. 22 HRYNIEWICZ, Severo. Para filosofar hoje: introdução e história da filosofia. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Revista Ampliada, 2005, p. 17. 23 O termo antifilosofia vulgarmente pode ser considerado como oposição, ou seja, antifilosofia é uma filosofia sem um carácter analítico e crítico. 24 JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. Trad. Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Editora Cultrix, 2013, p. 155. 12 Entre os semi-pensadores incorporarmos muitos, tais como: “o senso comum” que, se alimenta ingenuamente das opiniões da “Maria-vai-com-as-outras”. Os professores de filosofia que ensinam ela, proclamando verdades absolutas, os dogmáticos com um verniz puramente religioso; os reducionistas com um olhar acrítico, os que veem a ciência somente do ponto de vista utilitário, os que consideram o bem-estar material como única razão suficiente para a vida, o imitador do desejo político, o convencionalismo, o fanatismo ideológico e, o estudante que não se quer tornar autodidata o que não cria, àquele que só se alimenta das migalhas provindas do seu mestre, etc. O filósofo Karl Jaspers afirmava ainda que, os antifilosofia são àqueles que, [...] Permanecem inconscientes de que a antifilosofia é uma filosofia. Sem se darem ao trabalho analítico de que esta forma de filosofia pervertida se for aprofundada, acabaria na sua própria aniquilação. Entretanto, Karl Jaspers legou-nos outra perspectiva a dos detratores, àqueles que, querem continuar a ver as coisas num só prisma, e, ao mesmo tempo, querem eternamente permanecer numa vida inautêntica e sem busca com o medo de perderem o próprio chão, fazem parte da oposição que se traduz em fórmulas como: A filosofia é demasiado complexa; não a compreendo; está além de meu alcance; não tenho vocação para ela; e, portanto, não me diz respeito. Ora, isso equivale a dizer: é inútil o interesse pelas questões fundamentais da vida; cabe abster-se de pensar no plano geral para mergulhar, através de trabalho consciencioso, num capítulo qualquer de atividade prática ou intelectual; quanto ao resto, bastará ter opiniões e contentar-se com elas. [...] Ora, quem se dedica à filosofia põe-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejoso de partilhar, com os seus concidadãos, do destino comum da humanidade 25 . A nossa intenção não é apresentar apenas críticas contundentes como é óbvio, mas sim perspectivas, o modo como a filosofia deve ser praticada nas instituições educativas. O estudante de filosofia deve aprender tecer a rede com as próprias mãos, antes que morra nela. A natureza esconde uma amálgama de maravilhas que não deve deixar de nos surpreender, portanto, é nela que devemos nos inspirar de vez em quando. Nietzsche aconselhava que, «o meu juízo é meu; outro qualquer dificilmente terá direito a ele, dirá provavelmente um desses filósofos do futuro. Devemos livrar-nos do mau gosto de querermos estar de acordo com muitos» 26 . 25 JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. Trad. Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Editora Cultrix, 2013, pp. 156- 157. 26 NIETZSCHE, Friedrich. Para além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. São Paulo: Martin Claret, 2011, p. 69. 13 Evocávamos atrás sobre a filosofia da “Maria-vai-com-as-outras”, essa postura entediante que pode empobrecer os espíritos livres. A filosofia é uma actividade imprescindível a todo homem sem sombras de dúvidas; e, viver sem ela, o homem assemelha-se a um pardal de olhos furados, que só caminha pela movimentação dos outros. 2.2 A praticidade do discurso filosófico Actualmente, o dado proverbial, o mito, a fábula, o conto, e as máximas são considerados como rasgos do pensamento humano em estado de fermentação; não é um conhecimento meramente invulgar como se costuma dizer; porque nele está latente um discurso corriqueiro da situação concreta do indivíduo. É na conversa ao pé da lareira que se processa o aprendizado: «o sentido do filosofar reside na conquista da realidade da situação em que sempre o indivíduo se encontra» 27 . A elaboração do discurso filosófico consiste em fazermos experimentos com a palavra e a escrita. É nestes meios, onde o pensamento se pode manifestar. Diz-se que, o homem é eminentemente um ser comunicativo, pois tem o desejo de partilhar o conhecimento com os demais. É isto que nos aconselhava Karl Jaspers, na obra Iniciação Filosófica (1961): Contemplação da realidade na origem; apreensão da realidade pelo modo como convivemos connosco pelo pensamento na intimidade dos nossos actos; consciência da amplidão do englobante; comunicação de homem para homem, em todas as direções da verdade, numa arriscada mas generosa porfia; vigilância da razão paciente e incansável, mesmo perante o que há de mais estranho e até em face do iminente malogro 28 . Para praticar a filosofia de forma autêntica, exige-se uma inversão do curso normal das coisas, ou seja, os problemas em filosofia podem ser analisados de diversos ângulos, quer sejam: epistemológicos, éticos, religiosos, metafísicos, políticos, etc. Tudo pode saltar à vista do filósofo. Como bem exortava Epiteto, na sua obra Encheirídion: Se aspiras à filosofia, prepara-te, a partir de agora- para quando te ridicularizarem; para quando rirem de ti; para quando indagarem: Subitamente ele nos volta filósofo? E de onde vem essa gravidade no olhar? Não adquiras tal gravidade no olhar, mas, como quem é designado a esse posto pela divindade, agarra-te às coisas que se afiguram as melhores para ti. Lembra que, se te prenderes a essas mesmas coisas, os que primeiro rirem de ti depois te admirarão. Mas se te deixares vencer por eles, receberás as risadas em dobro 29 . 27 JASPERS, Karl. Iniciação filosófica. Trad. Manuela Pinto dos Santos. Lisboa: Guimarães Editores, 1961, p. 15. 28 Ibid., 16. 29 EPITETO. O encheirídion. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Brasil: Editora Bilíngue, 2012, p. 31. 14 A modéstia na prática discursiva é fundamental, mas o pedantismo cheira mal quando vem sobretudo da boca de um suposto intelectual, é preciso saber calar e ouvir de vez em quando a voz interior, depois dos ânimos estarem aquecidos. «Se alguma vez te voltares para as coisas exteriores por desejares agradar alguém, saiba que perdeste o rumo. Basta que sejas filósofo em todas as circunstâncias. Mas se desejares também parecer filósofo, exibe-te para ti mesmo- será o suficiente» 30 . O discurso como manifestação concreta do pensamento é um movimento que se desdobra não de forma linear, mas sim ele desobedece os cânones das regras amplamente instituídas pela língua. E, em alguns casos, os pensadores podem escrever em imagens e destituir a palavra o seu verdadeiro sentido. «A discursividade filosófica não é nem uniforme nem monológica, articula múltiplas formas de expressão que se unificam na dinâmica probatória; por isso, há que construir um instrumento que se possa ocupar de toda esta diversidade» 31 . A validação de um argumento depende muito das suas proposições antecedentes, o que nos levaria a um exame de demonstrações lógicas. O discurso filosófico, também intercala em certos casos, estas modalidades. Há filósofos, que preferem escrever usando os seguintes recursos: sarcasmos, sátiras, ironias, metáforas, exortações, etc. cabe no entanto, a nós leitores conhecermos os modos de enunciação discursiva implícitos em certos textos: «as minhas proposições são elucidativas, pelo facto de que aquele que as compreende as reconhece, afinal, como falhas de sentido, quando por elas se elevou para lá delas» 32 . A praticidade do discurso filosófico se pode efetivar olhando atentamente, as modalidades atrás enunciadas. Ao lermos determinados textos filosóficos, é imprescindível o questionamento. Primeiro apropriarmo-nos do discurso como se fosse nosso, e o segundo passo será efectivamente, o de elevar-se na elaboração das nossas próprias categorias. A importância do discurso filosófico reside na sua estruturação. O discurso pode parecer ambíguo porque, não se preocupa necessariamente com a demonstração das suas teses como dados factuais [...] É própria da vocação filosófica explicar 30 EPITETO. O encheirídion. Trad. Aldo Dinucci; Alfredo Julien. Brasil: Editora Bilíngue, 2012, p. 31. 31 COSSUTA, Frédric. Didáctica da filosofia. Como interpretar textos filosóficos? Trad. José Carlos Eufrásio. Lisboa: Editora Asa, 1900, p. 155. 32 WITTGENSTEIN. Tractatus logi-philosophicus. Trad. Klowssowsk. Lisboa: C. Gulbenkian, 1987. Apud. COSSUTA, Frédric. Didáctica da filosofia. Como interpretar textos filosóficos? Trad. José Carlos Eufrásio. Lisboa: Editora Asa, 1900, p. 11. 15 a razão, seja qual forma for para o fazer. Cossuta articula bem esta asserção baseando-se na ideia G. Gaston Granger: Em filosofia não há hierarquia dos objectos, mas apenas hierarquias dos sentidos, que explicita a ordem das razões. Esta ordem, que é uma ordem de argumentação, está aderente aos temas. Não se pode separar deles como forma autónoma, ao jeito dos esquemas lógicos; quando muito poderemos constituir paradigmas que permitam o aparecimento dalguns laços de parentesco argumentativo 33 . Ora, a natureza do discurso filosófico é complexo, se observado desde o exterior, é um conselho que devemos acatar sobretudo nós iniciantes encantados por esta actividade de elaboração incessante de conceitos. Devemo-nos desfazer de atitudes pré-críticas, ou seja, de juízos antecipatórios, como se soubemos já o seu fim. Por isso, “não sejas, como as crianças, agora filósofo, depois cobrador de impostos, em seguida orador, depois procurador de César. Essas coisas não combinam. É preciso que sejas um homem, bom ou mal. É preciso que cultives a tua própria faculdade diretriz ou as coisas exteriores. É preciso que assumas ou a arte acerca das coisas interiores ou acerca das exteriores. Isto é: que assumas ou o posto de filósofo ou o de homem comum” […] Evitando assim, as ambiguidades não só ao nível do discurso. Mas como nos ambientes de trabalho, na escolha de profissões. Na verdade, o que existe hoje nas instituições de ensino é uma dispersão desenfreada de tempo e de programas curriculares mal elaborados, e que se dissolvem sempre no incumprimento. Vive-se, hoje, tempo de muita subserviência e pouca reflexão. Impõem-se, novamente, pelo mundo afora, sistemas autoritários que procuram calcar seu poder sobre a ignorância das massas. Pão e circo são oferecidos ao povo, em detrimento do poder de sonhar e julgar sua própria história. Investe-se tão pouco em educação, para facilitar a instrumentalização das consciências 34 . Esta crítica toca a nossa situação concreta. E por causa desta debilidade de ensino, fomos capazes de transportar, coisas banais e vazias que existem nas outras latitudes. Por exemplo, implementámos um sistema educativo que alimenta amplamente a mediocridade; a transição é automática e conteúdos sem profundidade. O que se nota nas nossas instituições é esta preocupação com cumprimento de programas, ao invés de perdemos tempo, no que devia ser ensinado com subtileza. Como por exemplo, a inquietude, a crítica, e a dúvida. E, ao falarmos da dúvida, importa aqui fazer a 33 COSSUTA, Frédric. Didáctica da filosofia. Como interpretar textos filosóficos? Trad. José Carlos Eufrásio. Lisboa: Editora Asa, 1900, p. 153. 34 PAIVA, Vanildo. Filosofia encantamento e caminho introdução ao exercício do filosofar. 2ª Edição. São Paulo: Paulus Editora, 2003, p. 60. 16 distinção entre o sentido ordinário da palavra, e aquele sentido mais filosófico que Malembranche lhe conferia: Saber duvidar com intuito crítico não é tão fácil como se pensa; é preciso dizê-lo, há diferença flagrante entre duvidar e duvidar. Duvida-se por precipitação e por rudeza, por cegueira e por malícia; e enfim, por fantasia e porque se quer duvidar. Mas duvidase também por prudência e por desconfiança, por sageza e por penetração de espírito. Abrunhosa; Leitão; e Rezende 35 . É deste modo que, o discurso filosófico deve caminhar para a concretização da sua tarefa. Pois, «seria inócuo todo o exercício do filosofar se não possibilita-se ao homem transformar a sua realidade e, como decorrência desta mudança externa, alcançar a felicidade almejada» 36 . Existe uma certa legitimidade em cada filósofo propor a sua doutrina, caindo de vez em quando, no reducionismo e dogmatismo, que encerram a verdadeira essência do diálogo. O poder da palavra reside no discurso, influenciando o ouvinte a tomar posição, do certo ou errado. A palavra não é uma simples emissão de sons, ela aporta dentro de si a inacessibilidade do ser. De acordo, com Rui Grácio e José Girão, Um diálogo marcado pelo desejo de comunicar e ela disposição para ouvir, se ele é efectivamente marcado por isso, implica que os interlocutores se apresentam, à partida, em pé de igualdade no que diz respeito ao direito de cada um aderir às suas convicções, por mais diversas que essas convicções possam ser 37 . Em contrapartida, o discurso autêntico não se limita em simplesmente impor para que, o auditório esteja de acordo connosco, mas sim um momento privilegiado onde o diálogo deve fluir de ambas partes, possuindo sempre uma dimensão pedagógica [...] Ora, o denominador comum dos interlocutores que dialogam sob desejo de comunicar e a disposição para ouvir é, em última análise, a de ambos se tratarem como pessoas. 35 ABRUNHOSA, A [et, al]. Introdução à filosofia. Lisboa: Edições Asa, 1982, p. 124. 36 PAIVA, Vanildo. Filosofia encantamento e caminho introdução ao exercício do filosofar. 2ª Edição. São Paulo: Paulus Editora, 2003, p. 66. 37 G. Rui. G, José. A cor das ideias. Lisboa: Texto Editores, 2005, pp. 112- 113. 17 3. As implicações actuais da filosofia na educação Começamos por evocar um termo que, logo no primeiro momento parece estar a soar mal implicância. Apropriamo-nos dele para tentarmos mostrar o modo como as palavras algumas vezes, se encontram bastante imbricadas, estamos a pisar um terreno bastante complexo, e sensível pelo que ouvimos o homem não passa sem a educação! A Europa está hoje como está, porque teve grandes pensadores, temos como exemplo: Sócrates, Platão, Aristóteles (Grécia), Kant, Hegel, Marx, Nietzsche, Heidegger, Adorno, Horkheimer, Marcuse (Alemanha), Pascal, Descartes, Sartre, Camus, Foucault, Deleuze, Derrida, (França), Da Vinci, Petrarca, Pomponazzi, Cícero, Galileu, (Itália), Hobbes, Locke, Berkeley, Hume, Russerl (Inglaterra) só para citar alguns. Daí, América muito atenta se serviu destes pensadores itinerantes, sobretudo os da escola de Frankfurt provindos de uma turbulência para assumirem cátedras nas universidades americanas. A escola de Frankfurt preocupou-se sobretudo com o contexto social e cultural do surgimento das teorias, valores e visão de mundo da sociedade industrial avançada, procurando assim atualizar e desenvolver a teoria marxista enquanto teoria filosófica e sociológica 38 . Na verdade, não é o propósito deste artigo discutir aqui as influências de pensadores do Oriente, ou de África sobre o suposto legado roubado. Porém, é importante salientarmos os pensadores anglófonos e francófonos em África, onde o terreno da filosofia se constituiu um alfobre; Actualmente, em áfrica, existem três tendências teológicas: a primeira ala, de tendência libertadora, está enraizada na francófona principalmente nos Camarões e na África do Sul, defendendo uma reflexão sobre a situação concreta política e económica do contexto; a outra francófona e anglófona, de tendência culturalista, advoga uma teologia que considera os valores tradicionais africanos, para recuperar os aspectos que foram adulterados ou até esmagados pelo colonialismo 39 . Com esta ideia, não pretendemos descurar o intermitente papel dos intelectuais da nossa praça, cujo interesse ao mundo da investigação científica vai dando alguns passos a cada dia. As implicações actuais da filosofia na educação estão fundamentalmente associadas aos métodos de ensino, uma educação que se quer arrojar diante de uma sociedade que se recusa ao pedagogismo; embora seja, esta postura que se quer inculcar em algumas instituições. 38 MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia dos pré-socráticos a Wittegenstein. 13ª Edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2007, p. 297. 39 MATUMONA, Muanamosi. Cristianismo e mutações sociais, elementos para uma teologia africana da reconstrução. Edição do Sedipu Uíje, 2005, pp. 93- 94. 18 Sigamos atentamente os apelos da professora Maria Lúcia de Arruda Aranha, na sua obra Filosofia da educação: A filosofia não é um longo rio tranquilo, em que cada um pode pescar verdades. É um mar no qual mil ondas se defrontam em que mil correntes se opõem, se encontram, às vezes se misturam, se separam, voltam a se encontrar, opõem de novo... Cada um navega como pode, e é isso que chamamos de filosofar 40 . A filosofia visa compreender os problemas da vida e, ao mesmo tempo indica caminhos para sua solução; os problemas da própria educação a partir do vivido. Como frisava Aranha, ao manter sempre presente o questionamento sobre o que é a educação, a filosofia busca evitar que ela se torne dogmática ou se transforme em adestramento. Assim, todo pedagogo mais do que nutrir didatismos deve possuir bases sólidas em filosofia. Enquanto, Sílvio Gallo é de opinião que vivemos hoje, numa espécie de sociedade pedagogizada, que se produziu pelo exercício da máquina explicadora [...] Todavia, a presença da filosofia na escola pode ser um caminho ideal para deitar abaixo esta postura da pedagogização explicadora. Este ponto de vista é uma constatação do ensino do Brasil, o que não constitui um mal segui-lo, pois abarca a intenção deste artigo tematizando questões muito actuais e urgentes, o que constitui o ensino da filosofia um problema. Para nós, este problema se coloca no seguinte: no professor que se limita a produzir fascículos de filosofia, ao invés de orientar os alunos a referências mais endosseis; do aluno que se limita reproduzir o conhecimento de forma mecânico. Mas seja como for, esta problemática é transversal. Por isso, cabe ao filósofo acompanhar reflexiva e criticamente a acção pedagógica, de modo que promova a passagem de uma educação assistemática (guiada pelo senso comum) para uma educação sistematizada (alçada ao nível da consciência filosófica) [...] Ora, «o filósofo deve avaliar os currículos, as técnicas e os métodos para julgar se são adequados ou não aos fins propostos sem cair no tecnicismo, risco inevitável sempre que os meios são super valorizados e se desconhecem as bases teóricas do agir» 41 . Portanto, as instituições que leccionam a filosofia devem ser ambientes propícios onde se discutem ideias de formas a cultivarem o espírito crítico e sintético aos alunos. E não locais de diversão, ou apenas espaços onde se cultuam a figura do mestre. É preciso saber problematizar a própria realidade, basta pensar no bombardeamento das informações provindos dos mass-media, e que precisam de um critério de análise. 40 ARANHA, A. L. Maria. Filosofia da educação. 3ª Edição. São Paulo: Editora Moderna, 2006, p. 27. 41 Ibid., p. 25. 19 3.1 Como filosofar nos tempos hipermodernos? 42 . A modernidade que sempre se caracterizou como o momento ápice da racionalidade humana, e que de certa forma revelou uma atitude de crença na mesma, desabou redundamente com a promessa das suas utopias. Já na sexta parte do discurso do método de René Descartes, encontramos esta proposição: Essas noções de (física), fizeram-me ver ser possível chegar a conhecimentos ultíssimos para a vida e que, em vez da filosofia especulativa que ensina nas escolas, se pode encontrar uma filosofia prática pela qual- conhecendo a força e as acções do fogo, da água, dos astros e de todos os outros corpos que nos rodeiam tão distintamente como conhecemos as diversas profissões dos nossos artesãospoderíamos, da mesma maneira, utilizá-los para todos os usos que lhes são próprios e, assim, portanto, tornamo-nos senhores e possuidores da natureza 43 . Entretanto, pelo menos o homem pós-moderno tinha a crença na razão, após a substituição do lugar que Deus ocupara na outrora. Para hoje, que lugar se desgarrou o homem contemporâneo? Em que acreditamos? Como sobreviver com as ondas eletromagnéticas, as novas doenças (coronavírus) que invadem o nosso habitat? Como equilibrar a vida online, e offline nas relações familiares? Seremos eternamente substituídos pelas máquinas? Estas questões nos parecem muito difíceis de serem equacionadas, mas em todo caso, não são absolutas. Battista Mondin, na sua obra curso de filosofia, caracterizava o homem hipermoderno pelo seguinte: «a instabilidade, mutabilidade, antidogmatismo, secularização, ativismo, utopia, socialidade e historicidade» [...] 44. O homem pós-moderno é desorientado e inseguro; perdeu referência que lhe servia de orientação e não consegue mais encontrar parâmetros válidos sobre os quais fundar seus juízos. Ora, as características elencadas atrás aparecem também hoje na especulação filosófica do nosso tempo: Estas por sinal mostram o esforço do filósofo no sentido de superar o divórcio entre inteligência e emoção. Para isso é sem dúvida necessário que o conhecimento (inclusive a filosofia) esteja mais perto do concreto do presente cooperando com as forças do acontecimento, descodificando e dando coerência aos detalhes da cotidianidade 45 . 42 O termo hipermodernidade portuguesmente falando, contém um radical que exprime a ideia de muito grande. Ou seja, é um conceito quase sempre associado a um sentido de mudança, transformação e progresso. 43 DESCARTES, René. Discurso do método. 2ª Edição. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 69. 44 MONDIN, Battista. Curso de filosofia. Vol. 3. Trad. Benoni Lemos. São Paulo: Editora Paulinas, 2005, p. 7 45 LYOTARD, Jean-François. Os pós- moderno. 3ª Edição. Trad. Ricardo Correa Barbosa. Rio de Janeiro: 1988, p. 9. 20 A pluralidade de características que o homem pós-moderno acarreta, manifestam de forma confusa, a sua própria orientação. Serramos o galho onde nos sentávamos a tanto tempo, e depositamos as nossas vidas no facebook, whatsApp, e na quantidade de likes que deles recebemos, vivemos hoje, pela transitoriedade de informações dos suportes digitais, ou seja, as nossas vidas estão alicerçadas nos cyber-espaços e consequentemente, o nosso modo de pensar nesses dias que correm se tornou bastante volátil, e a volatilidade do pensamento consiste, efectivamente, na recusa de uma meditação longa sobre os factos; dificilmente a nossa memória armazena informações em longo prazo. Segundo Jean-François Lyotard [...], «considera-se pós-moderna a incredulidade em relação aos metarrelatos» 46 . Mas em todo caso, o discurso filosófico está cada vez mais dinâmico, e se adequa ao homem frente às mutações sociais, basta pensarmos em reflexões mais recentes no campo da bioética, ecologia, filosofia da mente, etc. Todavia, como sabemos não é tarefa da filosofia descrever propriedades sobre o universo senão meditá-la. Esta opinião não implica comodismo, antes pelo contrário, é urgente que a filosofia caminhe também, ao compasso da modernidade sem perder, efectivamente, a sua radicalidade aquilo que sempre a caracterizou como saber por excelência e, ao mesmo tempo lhe torna diferente de outros tipos de saberes particulares: Para começar, o saber científico não é todo saber; ele teve sempre ligado ao seu conceito, em competição com uma outra espécie de saber que, para simplificar, chamaremos de narrativo [...] Não se trata que este último possa prevalecer sobre ele, mas em seu modelo está relacionado às ideias de equilíbrio interior e de convivialidade, comparadas às quais o saber contemporâneo empalidece, sobretudo se tiver que sofrer uma exteriorização em relação àquele que sabe (sachant) e uma alienação em relação aos seus usuários bem maiores do que antes 47 . A reflexão é o modo peculiar como o ser humano encara os fenómenos que se apresentam a sua vista, a maneira como os relaciona distinguindo-os do certo e do errado. Entretanto, não se filosofa apenas nos estabelecimentos de ensino. A filosofia também se faz nos não lugares. Ou seja, como se costuma enfatizar que todos nós filosofamos a partir da nossa pequena janela e, este modo de pensar revela certamente uma autonomia. O aprendizado do pensamento reflexivo e além disso, rigoroso consigo mesmo, é o que busca uma educação filosófica do pensamento. É claro que o pensamento pode ser educado por outros referenciais educativos, que não são a filosofia. Mas só esta pode educar o pensamento, tanto para ser 46 LYOTARD, Jean-François. Os pós- moderno. 3ª Edição. Trad. Ricardo Correa Barbosa. Rio de Janeiro: 1988, p. 11. 47 Ibid., 18. 21 rigoroso consigo mesmo quanto para refletir e cuidar dos próprios da vida do indivíduo e da vida humana em geral 48 . O argumento acima recoloca a dimensão crítica e o valor que a filosofia nutre para o processo de ensino e aprendizagem quer nos locais formais como informais. Nós somos de opinião que, o ensino de filosofia não se devia restringir apenas a especialidades; embora reconheçamos a diversidade que existe, pelo menos no primeiro ano da universidade seria muito bom! Atendendo a crise de reflexão que se vive nas academias. Porém, nem todos devem ser filósofos, quanto a isto, Epiteto foi bastante claro, e não precisamos repisar aqui. Afinal, é a filosofia a síntese unificadora e crítica de todos os ramos! Segundo Abrunhosa [et. al], (1982) afirmavam que, a filosofia é uma actividade imprescindível a todo aquele que deseja ocupar um lugar no centro da vida, assumindo-a condignamente e de forma reflectida. [...] Ora, faz parte da condição essencial do homem o reflectir, o analisar criticamente os trilhos em que se deve conduzir. Ou seja, de qualquer das formas, somos tentados à filosofia. Aliás, é de Aristóteles o seguinte protréptico: “ou a filosofia vale ou não vale a pena. Se vale a pena, deveis filosofar. Se não vale a pena, tendes que mostrar que não vale a pena, pelo que tereis de filosofar. Num caso ou noutro, necessitas de filosofar”. A filosofia agrega valores que jamais devem ser menosprezados em qualquer espaço onde se discutem ideias, evitando deste modo, os pensamentos fragmentados amplamente defendidos por pseudointelectuais. Tem razão Desidério Murcho que, A tentação do Ministério é transformar a filosofia numa espécie de sociologia e psicologia baratas. Outra tentação é transformar a filosofia em história da filosofia: em vez de discutirmos os grandes problemas filosóficos, fazemos a história dessa discussão e mantemo-nos educadamente afastados dela 49 . Esta forma de pensar preocupa-nos bastante, nossas instituições de ensino estão repletas de pessoas medíocres. Desde que, se passou a valorizar mais a formação técnica em detrimento da humana. Como não admirar dessa dupla ambiguidade? Sobre isto, Vanildo de Paiva parafraseava Heidegger que, é evidente o avanço da técnica e da ciência na decodificação do macro e do microscosmos. O ser humano salta do mapa genético ao galáctico ou do chão à lua, como criança que brinca, acreditando poder senhorear o mundo, sem perceber o quanto está 48 CUNHA, Auri José. Filosofia na educação infantil: fundamentos, métodos e propostas. São Paulo: Alínea Editora, 2005, p. 43. 49 MURCHO, Desidério. Natureza da Filosofia e o seu Ensino. Lisboa: Editora Plátano, 2002, p. 26. 22 ficando mais ignorante em relação àqueles que, no dizer de Heidegger, se permitem fazer perguntas ingênuas. Muitas vezes, ouvimos conversas do género é preciso humanizar as instituições! O homem é extremamente complexo! Pois, seria falta de juízo perguntar aos cabritos que veem depois de uma pastagem se se alimentam de ervas ou do fardamento verde do seu pastor. Neste contexto, Desidério Murcho remata, mais uma vez: Reduzir a filosofia a outras disciplinas é sintomas de que andamos desesperados à procura de conteúdos, queremos que a filosofia tenha conteúdos, como a física ou a musicologia. Ou acabamos por fazer da história da filosofia o próprio conteúdo da filosofia 50 . Entretanto, filosofar nos tempos hipermodernos, exige-se uma atitude crítica sobre os factos. Os mass-media têm apenas uma missão; a de veicularem tudo aquilo que pode ficar armazenado no nosso subconsciente. Vivemos actualmente, numa propaganda de ideias, é preciso abandonar esta forma superficial de pensar que, só as ciências factuais têm alguma coisa a nos dizerem. Na verdade, as ciências factuais são orgânicas e todas elas andam num concordismo total. Porém, as ciências mais fluídas ou espirituais são indefinidas e nem sempre obedecem os cânones da cientificidade. É de Ortega Y Gasset, o seguinte argumento: «o especialista é uma figuração humana sem igual na história. Ele sabe muito bem seu mínimo rinção do universo, porém ignora quase tudo o resto. Esse homem de ciência atual, um sábio ignorante por culpa da técnica, foi convertido em protótipo do homem massa» 51 . A filosofia goza-se de si mesma vive muito longe dos artefactos, ou seja, dos conhecimentos compartimentados, uma volta a ela nos ajudaria para os problemas de hoje, gerados pelo advento da técnica «[...] A filosofia íntegra o homem, interdisciplina o saber, faz com que os homens não sejam disciplinados, mas interdisciplinados, não fragmentados, mas integrados, não alienados, mas críticos» 52 . 50 MURCHO, Desidério. Natureza da Filosofia e o seu Ensino. Lisboa: Editora Plátano, 2002, p. 26. 51 Cf. HRYNIEWICZ, Severo. Para filosofar hoje: introdução e história da filosofia. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Revista Ampliada, 2005, p. 33. 52 MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. 8ª Edição. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. Apud. HRYNIEWICZ, Severo. Para filosofar hoje: introdução e história da filosofia. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Revista Ampliada, 2005, p. 33. 23 Continua Marcuse, O homem da sociedade industrial moderna vive sob signo da repressão desumanizante [...] Lança mão da conquista da natureza para conquistar o próprio homem cientificamente. [...], Se as pessoas e as instituições, se as cidades e as sociedades não cultivarem o conhecimento dos princípios, dos fundamentos, da weltanschauung, cosmovisão no dizer de Kant, ou, em termos aristotélicos, não cultivarem o conhecimento inútil, ruirá por terra o fragmentário, por mais profundo que ele seja 53 . Por isso, toda ciência que não coloca no centro das suas investigações a pessoa humana, visando apenas a sua destruição não vale para nada. Ora, será legítimo o consumo de tanta energia, altas horas no trabalho em prol da destruição da humanidade? Onde reside a legitimidade da guerra? Poderão, de facto, a ciência e a técnica darem respostas a todos os problemas que continuam a pôr-se ao homem de hoje? Evidente que, o nosso grande erro nesta época hipermoderna consiste na ideia de que, a ciência resolverá tudo; A sociedade unidimensionalizada continua Marcuse, conseguiu a quase total liquidação dos valores artísticos de constentação [...] Atrofia o homem despojando sua consciência da função de árbitro do bem e do mal. Destrói no homem a dimensão pluridimensional que compreende a tensão crítica do que deve ser 54 . Todavia, há ainda hoje problemas filosóficos que, continuarão a dar grande trabalho. A ciência não pode subverter a nossa humanidade, é preciso que nos libertemos da cultura do cientifismo55 que corrói amplamente a reflexão. Embora exista, esta «afinidade entre técnica ou ciência e pensamento. Caberá ao homem, muitas vezes, somente através da técnica, descobrir e se encantar com esta maravilha oculta na natureza, parente próxima do pensamento» 56 . Entretanto, a convergência do pensamento só se poderá realizar, quando abandonarmos esta visão opaca e ingênua que, se está a proliferar nas instituições de ensino que, a formação em ciências humanas é apenas um passa tempo, ou é improdutível. Todavia, voltemos ao estupor da caverna alicerçada por Platão, desamarrar as correntes desses homens que ainda trocam a luz da verdade pelas sombras, contentando-se apenas com meras opiniões e falsas crenças, que só alguém formado num curso de professores tem acesso à educação. 53 MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. 8ª Edição. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. Apud. HRYNIEWICZ, Severo. Para filosofar hoje: introdução e história da filosofia. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Revista Ampliada, 2005, p. 33. 54 Ibid., 33. 55 É uma atitude unilateral que, coloca a ciência como a única tocha, para o progresso da humanidade. 56 MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. 8ª Edição. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. Apud. HRYNIEWICZ, Severo. Para filosofar hoje: introdução e história da filosofia. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Revista Ampliada, 2005, p. 33. 24 Conhecemos perfeitamente professores com esta formação, mas que no fundo são péssimos. O facto de alguém ter uma formação para tal, não lhe dá absolutamente habilidades para ser tornar grande mestre! Senão quiser se tornar. Implicitamente, somos todos coatores desta exaltação pedante que, se quer perpetuar banalizando às outras formações como se não valessem para nada. Portanto, A filosofia é a resposta que uma sociedade traz à dupla exigência de refletir criticamente e de se explicar teoricamente quanto aos valores e representações que tornam inteligíveis, ou pelos menos aceitáveis, para os indivíduos que nela vivem um modo de ser, isto é, um modo de viver e de morrer, de imaginar e de conhecer, de amar e de trabalhar, de mandar e de obedecer etc., que constitui o legado da tradição, e que os indivíduos devem assumir e, de fato, já assumiram antes mesmo de poder responder por ele, ou justificá-lo diante da própria razão 57 . Vanildo de Paiva é ainda mordaz: O homem ligado à técnica, ao prático, pergunta pela utilidade da filosofia. Útil, para muitos, é o que traz vantagens, serve para ser consumido ou responde imediatamente a problemas concretos do dia-a-dia. Valoriza-se muito o produtivo. Talvez, por isso, não haja lugar respeitoso na sociedade às crianças, idosos e portadores de limitação física. A civilização do descartável não está a acostumada a perguntar pela importância das coisas em si mesmas, mas pelo seu grau de utilidade. Olhando por este ângulo, não há espaço para qualquer forma de pensamento que pareça não corresponder ao ideal do pragmatismo 58 . Consequentemente, se o homem de hoje vive esta crise profunda de reflexão a razão é muito simples, e pode ser encontrada justamente na sua própria ignorância ou preguiça. Nós, nada fazemos senão apresentar justificações sobre o nosso próprio fracasso. Precisamos encontrar espaços onde se alicerce o diálogo entre os intelectuais, e pessoas menos esclarecidas sobre vários assuntos. Para isso, não nos recusemos ao pensamento, pois só ele nos pode dar a possibilidade de pensarmos livremente, e desenterrarmos o biombo da assistematização que a cultura ainda vive. Como afirmava Karl Jaspers (1961) que, cada filosofia define-se a si própria pelo modo como se realiza. Para saber o que é a filosofia tem de se fazer uma tentativa. Só então a filosofia será simultaneamente a marcha do pensamento vivo e a consciência desse pensamento (reflexão), [...] Só a partir da tentativa pessoal poderemos aperceber-nos do que se nos depara 57 VAZ, Henrique Lima. A filosofia do Brasil, hoje. Cadernos da SEAF, 1978, p. 7. Apud. PAIVA, Vanildo. Filosofia encantamento e caminho introdução ao exercício do filosofar. 2ª Edição. São Paulo: Paulus Editora, 2003, p. 70. 58 PAIVA, Vanildo. Filosofia encantamento e caminho introdução ao exercício do filosofar. 2ª Edição. São Paulo: Paulus Editora, 2003, p. 59. 25 no mundo com o nome de filosofia. Ora, é preciso aprendermos a pensar com tudo o que temos em nossa mão. [...]. Deste modo, ainda com Jaspers, não se pode fugir à filosofia. Quem recusa a filosofia realiza um acto de filosófico de que não tem consciência. 3.2 Ao estimado propedeuta Penetrantíssimo Espírito! Hoje, escrevo-lhe com uma certa retulância e tédio, após horas tenebrosas de reflexão. Coloco em primeiro plano o que me granjeou este desejo. Foi numa madrugada, quando recebi o telefonema de um velho amigo, o Franzino. Penso que você o conhece bem! Falou-me de si, como se de segunda encarnação se tratasse. Na verdade, é sobre o seu ingresso na Universidade e pelo facto de ter escolhido o curso de Filosofia. Quer mesmo aliar-se à meditação, e seguir atentamente os passos destes pensadores que, alguns jazem nos sepulcros da Europa, América, África e em outros cantos deste mundo? Se for por vocação, terá que renunciar intermináveis exercícios de vida e retirar-se de vez em quando a retiros espirituais e depois mais tarde, voltar a fazer parte deste grande coro, o coro dos infinitos, onde o filósofo Nietzsche é o contralto, e Platão o regente. Mas, se for por moda e lucro, siga a massa e a equipa do Joãozinho para vender cacussos em troca de kwanzas. São apenas exortações provindas de um amigo, já que a filosofia é uma actividade acima de tudo de amigos; é importante antecipar aquilo que vai constituir a sua vida ante a fatalidade da morte. Permita-me usar o fardo de Epiteto que me é muito caro: “desejas ser pentatleta ou lutador? Olha teus braços e coxas. Observa teus flancos, pois cada um nasceu para uma coisa. Crês que, sendo filósofo, podes comer do mesmo modo, beber do mesmo modo, ter regras e faltas de humor semelhantes? É preciso que faças vigílias, que suportes fadigas, que te afastes da tua família, que sejas desprezado pelos servos, que todos riam de ti, que tenhas a menor parte em tudo: nas honras, nos cargos públicos, nos tribunais, em todo tipo de assunto de pequena monta. Entretanto, o nível de discernimento se avalia em função da sua própria escolha. Confesso-lhe meu caro amigo que, o caminho é difícil, mas não é impossível de se trilhar, pois tudo depende de nós entre resistir às crises, ou as intempéries que a vida proporciona. Não quero ser demasiado fugidio, mas apenas me concentrar no seguinte: esta viagem ao mundo da filosofia não precisa de tantas explicações. 26 Porém, é a sua própria escolha que irá definir irremediavelmente o seu destino. “Ainda que todas as demais ciências sejam mais necessárias do que essa ciência, nenhuma é melhor do que ela”. Sem mais assunto de momento despeço-me, endereçando os meus respeitosos cumprimentos. De António Teca Dicondele 27 CONCLUSÃO Para terminarmos este artigo, importa reafirmar o raciocínio que o despertou, é um artigo em andamento que não apresenta posturas definitivas, e nem absolutas. O preconceito que de antemão possa nutrir está, logo espelhado na sua introdução que é um dado puramente racional, despido de pretensões factuais. Por outro lado, “não é um quinto evangelho. Nem se quer a filosofia é a salvação. A filosofia é humana, necessita ser salva, assim como os homens. Eis o convite: vinde à filosofia! Vinde todos, sóis capazes dela”! Se é verdade o que dizemos, o caro leitor encontrará aqui o seu acento etéreo. Senão caberá a si jogar a nossa escada para baixo confrontando as evidências. Incessantemente reiteramos a criação de conceitos, caso queiramos que, o ensino da filosofia em Angola se torne autêntico e pulsante. Aliás, é esse o nosso propósito inverter o percurso normal do pensamento segundo qual a filosofia não serve para nada, ou é apenas destinada a pequena minoria. Por isso, não há lugares profundamente sagrados onde se possa cultuar o conhecimento, nem muito menos idolatrar a figura de um mestre, quando sabemos que, de facto não tem dotes para tal. Acabemos de uma vez, por todas com as charlatanices amplamente instituídas, as doutor-manias, quando são improdutivas. Chegados até aqui, nos resta apenas colocar algumas reticências, seguindo o exemplo, de Immanuel Kant, “a filosofia não se pode ensinar, só se pode aprender a filosofar”. 28

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