O Fetiche da Mercadoria conforme os intelectuais de Frankfurt
Por Werner Schror Leber | 09/05/2017 | SociedadeMASSIFICAÇÃO DO CONSUMO E O FETICHE DA MERCADORIA CONFORME OS PENSADORES DA ESCOLA DE FRANKFURT
- O INSTITUTO DE PESQUISAS SOCIAIS DE FRANKFURT: BREVE CARACTERIZAÇÃO
A Escola de Frankfurt, chamada também Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, caracteriza-se como um dos marcos mais incisivos nas pesquisas sociais, humanas e filosóficas em todo século XX, sobretudo depois da Primeira Grande Guerra até meados dos anos setenta. Tendo sido fundada em finais de 1923, contou com colabores como Max Horkheimer, Walter Benjamim, Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Erich Fromm. Mais tarde viria a ter outros membros, entre eles o destacado filósofo Jürgen Habermas. O ímpeto das pesquisas era o consumo de massa, a arte como produção seriada, como indústria, e o capitalismo cuja ideologia fomenta a produção e o consumo. Soma-se ainda à questão todo problema de Hitler na Alemanha, ou seja, ascensão do nazismo como ideologia totalitária. O totalitarismo de Hitler e sua posição antijudaica, contrastava como os integrantes da Escola, judeus e sua maioria. Benjamin morreu cedo, em 1943, depois de estar em fuga das perseguições nazistas. Até hoje é controvertido se ele se suicidou ou se foi executado pela polícia política de Hitler, a Gestapo. Sua obra representa uma análise profunda sobre o Barroco e sobre a obra de arte. Benjamin era fascinado por museus e via com melancolia o “fim da arte” que a Indústria Cultural estava trazendo. Aqui cabe o seguinte comentário: “Esse aspecto foi o principal ponto da crítica de Adorno que se manifestou contra a indústria cultural, porque esta acabava banalizando obras de arte que deveriam ser apreciadas com mais rigor” (TROVÃO, 2008, v. 4, p. 06). Foi nas críticas de Karl Marx ao capitalismo e suas formas de dominação que os pensadores de Frankfurt elaboraram suas teses a respeito da massificação da arte, e que foi chamada Indústria Cultural por Adorno e Horkheimer em 1940 (TROVÃO, 2008).
- A CRÍTICA DE MARX AO CAPITALISMO
Como dito acima, os teóricos de Frankfurt têm forte influência marxista. Afinal, as teses de Karl Heinrich Marx tiveram expressão gigantesca em todo século XX, motivando inclusive a formação de governos socialistas, e que, como hoje sabemos, não deram tão certos assim. Marx trabalhou sempre em colaboração com seu amigo e camarada, Friedrich Engels. A estratificação social nada mais é que as classes sociais, e que, na visão de Marx (e de Engels também), é constituída de dois grandes grupos em luta constante, ou seja, oprimidos e opressores. Os primeiros representam os trabalhadores; e os segundos, os empregadores. Os primeiros são vítimas do processo de exploração, da Mais-Valia, que é o Lucro do opressor, surgido por conta da desigualdade de forças entre as duas classes. Conforme assevera, é a Luta de Classes entre os que têm Capital e Poder Político, e aqueles que só têm seu corpo (força de trabalho) para vender no grande mercado capitalista.
O opressor tem a seu favor também a ideologia política que defende Leis desiguais com o discurso chamado “justiça” e “igualdade”. A justiça só representa os empregadores porque são estes que são “donos do Estado” e “donos do processo político”, que Marx também chama “aparelhos ideológicos do Estado”. E a justiça só defende o “Estado”, instrumento de opressão do burguês capitalista. Para Marx, o capitalismo que surge da moderna divisão do trabalho, há de entrar em colapso porque não tem proposta para a humanidade. A contradição sobre a qual se estrutura o levará à extinção, profetizou Marx. O que fazer enquanto a contradição durar? Lutar e fazer a Revolução, promover a Ditadura do Proletariado. A única saída é organização revolucionária dos trabalhadores para se tornarem donos (proprietários) dos meios de produção e deixar de ser “escravos livres”. Para Marx e Engels o capitalismo é tão somente um prolongamento da dominação que já ocorria no feudalismo e que se intensificou com o capitalismo moderno. O inimigo dos trabalhadores é o patrão opressor, pois representa a desigual luta entre quem tem poder e dinheiro e aquele que está completamente destituído deles. Não é um patrão particular, mas todos os patrões são inimigos da classe trabalhadora porque representam a opressão do Capital. No Manifesto Comunista de 1948, Marx conclama os trabalhadores a se unirem. Marx acreditou que os trabalhadores perceberiam que formavam uma grande classe. Teriam, assim, uma “consciência de classe”, independentemente do país em que se encontrassem.
- IDEOLOGIA E CRÍTICA: DE MARX A FRANKFURT
Os pensadores da Escola de Frankfurt estavam associados ao marxismo em vários aspectos, mas é no aspecto da crítica às ideologias de Marx que os teóricos de Frankfurt estabeleceram. Especialmente Adorno e Horkheimer, o que se chamou Indústria Cultural. O capitalismo transforma tudo em mercadoria, não importando o quê. A arte, desse modo, foi transformada em produção de série, como se fosse uma fábrica. Sendo Marx o teórico que melhor analisou o empreendimento capitalista, foi também em Karl Marx que os pensadores de Frankfurt encontraram o corpo teórico para condenar a banalização da arte. Com Marx, a questão da ideologia tomou ares críticos e passou também a ser aceita por vários filósofos após Marx. Sua formulação de ideologia é realmente bastante elucidativa.
De uma maneira bastante geral, podemos afirmar que a ideologia é um conjunto de idéias, de pensamentos e de representações que os seres humanos produzem sobre a realidade com a qual convivem. Essas idéias são utilizadas no dia-a-dia para orientar as discussões, que podem, por exemplo, ser políticas, ou de qualquer outra natureza. As ideologias servem como orientação para os mais variados modos de se viver e quando são apropriadas indevidamente por alguns grupos específicos acabam se tornando modos de dominação. Segundo Marx, esse é o maior problema das ideologias generalizantes. Conforme a comentadora:
No século XIX, o pensador alemão Karl Marx rejeitou explicitamente a concepção de natureza humana universal. Para ele, somos seres práticos e nos definimos pelo que produzimos por meio do trabalho coletivo, o que significa não haver, de um lado, a essência e, de outro, a existência humana. Ao se unirem na esfera das relações sociais, as pessoas criam valores e traçam objetivos de vida a partir dos desafios encontrados nas atividades pelas quais produzem sua própria existência (ARANHA e MARTINS, 2005, p. 38).
Assim, poderíamos resumir as intenções de Marx como uma visão da sociedade através da luta de classes sociais, devido aos seus interesses antagônicos, sendo o capitalismo mais uma manifestação histórica dessa luta. Os problemas decorrentes desse sistema socioeconômico só poderiam ser solucionados por meio de uma forma radical: a eliminação do modo de produção capitalista ou assalariado, a partir de uma revolução proletária internacional contra a burguesia, ou seja, Marx condenava qualquer proposta que pudesse dar sobrevida ao capitalismo.
- MASSIFICAÇÃO DA ARTE: CONSUMO E FETICHE
Para Adorno, o problema da arte é a massificação, uma questão tipicamente capitalista. Pois ao capitalismo importa o dinheiro que se obtém, o que deixa a ética em segundo plano. Desse modo, a obra de arte, a música em especial, tornou-se banal. Sua repetição exaustiva faria, conforme Adorno, com que as pessoas perdessem a capacidade auditiva, isto é, a capacidade de separar a música de Beethoven da de uma música ligeira qualquer. O fenômeno mediático já era forte nos anos 30, 40, 50. Os autores de Frankfurt perceberam para onde a massificação nos empurraria: para o consumo desenfreado de arte como frutas na feira, sem distinção entre os graus que demarcam a arte da produção comercial rasteira.[1] Desse modo, observam os frankfurtianos, a arte em escala industrial, não só cria os padrões auditivos, visuais, musicais, como também impõe ao público o seu consumo em massa. Se observarmos que Adorno falava isso na década de 40, imagine se ele estivesse vivo e visse o quanto a sua teoria tornou ainda mais verdadeira do que já era naquele tempo! O comentador traz uma consideração que endossa a nossa afirmação:
Guiadas pela indústria, as pessoas estariam, em detrimento de uma boa música, optando pelo chamado Lixo Cultural, produtos de qualidade discutível, criados da noite para o dia, com o poder de atrair muldidões, mas que, passado o Frisson inicial, perdem o sentido (TROVÃO, 2008, p. 06).
Em sentido direto, Adorno e Horkheimer perceberam que o Fetiche da Mercadoria, conforme Marx a descreveu, tornou a arte em geral, sobretudo a música, em algo fútil, banal, estereotipado. De modo mais amplo, voltando à ideologia, a Indústria Cultural alienou os cérebros, criou o consumo como tática do capitalismo pela inversão de sentido das coisas.
- REFERÊNCIAS
ARANHA, M. L. A., MARTINS, M. H. P. Temas de Filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2005.
CHAUI, Marilena. Iniciação à filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2011.
TROVÃO, Flávio Vilas-Bôas. Sociologia. Ilustrações de Theo Cordeiro. Curitiba: Editora Positivo, 2008, v. 4.
[1] Há muitas publicações a esse respeito. Como exemplo, CHAUÍ, Marilena. Iniciação à filosofia, p. 257-258.