A crônica desta semana do jornalista escritor Humberto Werneck é sobre o saudoso Zuza Homem de Mello, um prestigiado e mui amado crítico musical. Werneck conta que questionou o Zuza, que estava entre os jurados do famoso festival da Record de 1966, o que realmente aconteceu nos bastidores que acabou dividindo o prêmio entre Chico Buarque e Geraldo Vandré.

Na época criou-se uma grande polêmica. Qual música era melhor? Disparada de Geraldo Vandré e Theo, com uma letra inspirada e de grande profundidade humana e política, que resgatou as tradicionais modas de viola do Brasil ou a lírica e até ingênua Banda, de Chico Buarque. Disparada é uma composição de pesquisa dos autores, principalmente do Theo, um instrumentista competente. A letra, a cargo de Vandré, tem versos fortes, engajados que busca no sofrimento dos vaqueiros do centro sul e nordeste a inspiração.

Mas o Zuza desconversou, mesmo depois de tanto tempo passado. Se comprometeu a não dizer nada e cumpriu sua palavra para a eternidade. Mas o Werneck arrancou dele uma confissão ao perguntar sobre qual música era melhor. Ele respondeu sem vacilar: “Disparada”. A história contada e considerada como verdadeira foi de que a Banda venceu e o Chico se recusou a aceitar o prêmio sozinho, pois considerava que disparada era realmente uma grande composição. Se a história foi outra, Zuza a levou para o túmulo.

O momento histórico em 1966 era atípico. Fazia dois anos que os militares tinham assumido o poder. A repressão política havia começado, mas não estava no seu auge. Roberto Carlos empolgava a juventude com suas canções descomprometidas com questões econômicas, políticas e sociais. As letras de sucesso falavam de beijos, namoradinhas, paqueras, carros e outras amenidades. Há quem afirme que a Banda do Chico pegou carona nesta trilha com o lirismo da sua marchinha, resgatando uma São Paulo que estava se acabando. Não se pode comparar as letras da Jovem Guarda com a letra da Banda, muito mais elaborada, mas essa também não tinha um significado político, pelo menos explícito.

De fato, Disparada sobreviveu na alma do brasileiro mais do que a Banda. Muitas duplas caipiras a incluíram nos seus repertórios, tornando-se um sucesso também no interior, onde a música e a letra faziam sentido para a vida no campo e a labuta do homem simples.  Tanto isso é verdade que posteriormente outra música do Vandré, Aroeira, fez um grande sucesso em todo o país, superando grandes astros da canção nacional e internacional. Disparada se tornou música ícone dos movimentos políticos e sociais que se organizariam ao longo do período ditatorial.

Não por acaso, os dois autores se confrontaram novamente em 1968, no Festival Internacional da Canção, Sabiá (Chico Buarque e Tom Jobim) e  Caminhando (ou como um homem que perdeu seu cavalo continuou andando).  Os motivos foram quase os mesmos, mas desta vez o público queria Caminhando e o júri preferiu Sabiá. Dessa vez, os versos de Caminhando com forte apelo político e acompanhados por uma singela  melodia de poucos acordes, foi a preferida do público.

Por outro lado, Sabiá não era politicamente alienada, mas era bem mais sutil, construindo 3m belos versos uma analogia entre o poema de exílio do Gonçalves Dias, com os dos exilados políticos da ditadura militar.  Além disso, a música de Sabiá trazia as digitais de um dos maiores compositores brasileiros, Tom Jobim, músico mundialmente conhecido.  Proclamada vencedora, Sabiá, interpretada pelo Quarteto em Cy, tendo ao lado os seus autores, teve vaias do início ao fim.

No final, Caminhando teve a execução proibida em todo país, seu autor fugiu para o Chile e Chico Buarque estava voltando ao Brasil depois de um exílio voluntário na Itália.

Quanto ao Festival der 1966, fico com a minha versão de que Disparada venceu no júri, mas o povo queria a Banda. Para evitar que os ânimos se exaltassem, a direção da Record optou pela pizza.