PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

DEPARTAMENTO DE LETRAS

O FANTASMA DE LUIS BUÑUEL: UM ROMANCE DE FORMAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL

TATIANE PAULA SILVA DOS SANTOS 

GOIÂNIA

2012

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

DEPARTAMENTO DE LETRAS

O FANTASMA DE LUIS BUÑUEL: UM ROMANCE DE FORMAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL

TATIANE PAULA SILVA DOS SANTOS

 

Linha de pesquisa: Literatura e produção cultural

Orientadora: Profª. Drª Maria Luíza Ferreira Laboissière de Carvalho

 

 

 

 

GOIÂNIA

2012

 

TATIANE PAULA SILVA DOS SANTOS

 

 

 

 

O FANTASMA DE LUIS BUÑUEL: UM ROMANCE DE FORMAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL

 

 

 

 

 

DEFESA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

BANCA CONSTITUÍDA PELOS PROFESSORES:

 

 

____________________________________________________

Profa. Dra. Maria Luíza Ferreira Laboissière de Carvalho

Presidente da Banca

 

 

_____________________________________________________

Profa. Dra. Lacy Guaraciaba Machado

 

 

 

 

Goiânia, junho de 2012

 

 

 

A Deus, por ter me dado forças para prosseguir nos momentos de dificuldades sendo sempre meu principal refúgio.

A minha querida mãe que sempre me apoiou durante essa trajetória, me ensinando a ter sabedoria e paciência.

Ao meu esposo, João Roberto Cândido da Silva, que teve paciência, entendendo as minhas dificuldades e falta de tempo.

Aos meus queridos amigos, Alex Santos de Jesus e Michelle Costa Santos, que estiveram comigo nessa trajetória. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AGRADECIMENTOS

 

 

 

            A todos os professores do Departamento de Letras da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

            Em especial à professora doutora Maria Luíza Ferreira Laboissière de Carvalho, por sua paciência, dedicação e compreensão durante todo o processo.

            À minha família e amigos pela compreensão, dedicação e apoio.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O SONHO

Sonhe com aquilo que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passaram por suas vidas.

Clarice Lispector

 

 

 

 

 

 

 

RESUMO

 

SANTOS, Tatiane Paula Silva. O Fantasma de Luís Buñuel: um romance de formação na construção da identidade cultural. Goiânia, 2012, p. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Letras) - Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2012.

Este estudo tem como objetivo analisar a obra O Fantasma de Luís Buñuel (2004), de Maria José Silveira, tendo como foco análise dos personagens em relação ao romance de formação. O embasamento teórico partirá de Bakhtin  (2003), Hayden White, Trópicos do discurso - ensaios sobre a crítica da cultura (1994), Linda Hutcheon - Metaficção historiográfica: “O passatempo do tempo passado” (1991) , André Luiz Gonçalves Trouche - América: história e ficção (2006). A obra será analisada pelas marcas que comprovam o romance de formação. Em um primeiro momento, será observada a construção dos personagens dentro do enredo. Em seguida, o romance será visto dentro de uma particularidade que é o narrar histórico e a ficção. E, por sequência, os índices de formação presentes na obra.

Palavras-chave: Maria José Silveira. O Fantasma de Luís Buñuel. Romance de formação. Metaficção historiográfica.

 

 

 

 

ABSTRACT

 

SANTOS, Tatiane Paula Silva. O Fantasma de Luís Buñuel: a novel training in the construction of cultural identity. Goiânia, 2012, p. Completion of course work (graduate in Literature) - Department of Arts,UniversityofGoiás, Goiânia, 2012.

This study aims to analyze the work of Luis Buñuel The Phantom (2004), Maria Jose Silveira, focusing on analysis of characters in relation to the novel of formation. The theoretical basis of Bakhtin depart on the novel of education (2003), Hayden White, Tropics of discourse - critical essays on culture (1994), Linda Hutcheon - Metafiction historiography: "The pastime of past time" (1991), André Luiz Trouche Gonçalves - America: History and Fiction (2006). The work will be reviewed by the marks which prove the novel of formation. At first, it will be observed the construction of the characters in the storyline. Then, the novel be seen within a particularity that describe the background and is fiction. And by following the level of involvement in the present work.

Keywords: Maria Jose Silveira. The Ghost of Luís Buñuel. Romance training. Metafiction.

 

SUMÁRIO

 

INTRODUÇÃO.........................................................................................10

 

  1. Maria José Silveira e      seus leitores críticos .............................12
  2. A estrutura      cronotópica e a      metaficção historiográfica  .......14
  3. Romance de formação      ..............................................................21
  1. 4.    Contexto social ..........................................................................26
  1. 5.    Construção da aprendizagem em cada personagem ............32

5.1 Anarrativa de Edu ......................................................................32

5.2 Anarrativa de Tadeu ..................................................................34

5.3 Anarrativa de Dina .....................................................................35

5.4 Anarrativa de Tonho ..................................................................37

5.5 Anarrativa de Esmeralda ...........................................................39

   CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................45

   REFERÊNCIAS....................................................................................47

           

   ANEXOS...............................................................................................49

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

            O Fantasma de Luís Buñuel, escrito por Maria José Silveira, é uma obra goiana que mostra o Brasil diante de uma época conturbada, cheia de repressões - a Ditadura Militar. A obra retrata também a construção de Brasília, mostra as dificuldades enfrentadas por um povo que buscava a qualquer custo a evolução.

Os cinco protagonistas de O fantasma de Luís Buñuel ficam se conhecendo na UnB, onde estudam, e, juntos, representam a juventude brasileira. Eles vêm de diversos lugares do país, têm histórias de vida diferentes, pertencem a classes sociais diferentes. Edu vem do Recife, Tadeu de Salvador, Dina de Goiás, Tonho de Manaus, Esmeralda do Rio de Janeiro. Brasília se torna o cenário de encontros e desencontros, lugar onde vão se encontrar e participar de vários conflitos.

Brasília exerce sobre os jovens universitários uma atração. É lá que eles compartilham, além da juventude, o fervor pelas causas sociais, a luta pela liberdade, os laços afetivos que os unem e a paixão pelo cinema, especialmente pelos filmes do diretor espanhol Luís Buñuel.

O enredo é dividido em cinco partes, cada parte enfatiza a vida de um personagem, sendo que a história é narrada em primeira e terceira pessoas do discurso.

Primeiro, será feito um estudo que englobe o romance de formação. Serão analisadas teorias de Bakhtin (2003), bem como uma releitura da obra a ser analisada. Após esses estudos, serão buscados elementos na obra que justifiquem o romance de formação segundo teorias estudadas.

Logo depois, serão realizados estudos relacionados ao tempo e espaço e sobre a metaficção historiográfica presente na obra. Serão estudas teorias de Goethe (apud Bakhtin, 2003), Hayden White (1994) e Linda Hutcheon (1991). O objetivo é mostrar como o romance foi organizado, os recursos de linguagem utilizados.

Em seguida, tendo como base e apoio bases teóricas, serão feitas analises referentes à construção dos personagens dentro do enredo. Essas análises serão realizadas a fim de comprovar as teorias referentes a esse tipo de romance, bem como a construção e formação de cada personagem dentro da obra.

  1. MARIA      JOSÉ SILVEIRA E SEUS LEITORES CRÍTICOS

 

           Maria José Rios Peixoto da Silveira Lindoso nasceu em Jaraguá, Goiás, em 1947. Romancista, tradutora e editora. Com ainda poucos meses de idade, seu pai é eleito deputado estadual e a família muda-se para Goiânia. Nova mudança ocorre em 1963, agora para Brasília, quando o pai é eleito deputado federal. Entre 1966 e 1968 estuda na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília - UnB. Muda-se para São Paulo, em 1969, e começa a trabalhar como redatora publicitária. Ao lado do marido, em 1971, entra para a clandestinidade, ambos acusados de desenvolver atividades subversivas, pela ditadura militar. Dois anos depois é obrigada a exilar-se no Peru, onde ingressa no curso de antropologia da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, em Lima. De volta ao Brasil, em 1976, mora no Rio de Janeiro, fixando-se em seguida em São Paulo, onde faz pós-graduação em ciências políticas na Universidade de São Paulo - USP. Funda, em 1980, com Felipe Lindoso (1949) e o escritor Márcio Souza (1946), a Editora Marco Zero, na qual foi diretora até 1998.

Maria Zaira Turchi e Vera Maria Tietzmann Silva (2007, p. 49), autoras do artigo: “O fantasma de Luís Buñuel, de Maria José Silveira: da repressão política aos dramas existenciais de uma geração” defendem que Maria José Silveira é hoje uma das mais competentes vozes do romance goiano contemporâneo, trajetória que iniciou em 2002, com a publicação de A mãe da mãe de sua mãe e suas filhas, livro que recebeu o prêmio de melhor romance de autor estreante, concedido pela Associação Paulista dos Críticos de Arte – APCA. Em 2003, publicou uma biografia romanceada, Eleanor Marx, filha de Karl, em 2004, O fantasma de Luís Buñuel, que recebeu menção honrosa do Prêmio Nestlé de Literatura, e em 2006, Guerra no coração do cerrado.                 Nesses quatro romances, evidencia-se sua preferência em mesclar matéria histórica e ficcional. Desde o seu romance de estréia, a escritora tem se voltado para a esfera da ficção histórica e seus romances abrangem desde fatos históricos romanceados até obras que buscam refletir sobre os dramas de uma geração e que paralelamente a esta produção para adultos, Maria José Silveira vem publicando, também desde 2002, narrativas destinadas às crianças e jovens. Entre os títulos até agora editados, incluem-se narrativas juvenis e infantis. Como ocorre em seus romances, suas obras de literatura infantil e juvenil manifestam a linhagem estilística e temática que envolve pesquisa histórica no domínio da ficção literária. [1]

Maria José Modesto Silva, em 2009, apresentou ao programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras: Literatura e Crítica Literária, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás uma dissertação cujo tema foi: “O real e o ficcional em A casca da serpente e Guerra no coração do cerrado, de Maria José Silveira, mesma autora de “O Fantasma de Luis Buñuel”. Para Maria José Modesto Silva, a autora Maria José Silveira, em seu romance Guerra no coração do cerrado (2006), inicia sua viagem rumo ao Centro-Oeste goiano partindo de um fato histórico, ou seja, a pacificação de algumas tribos indígenas e a criação de aldeias para os mesmos habitarem. Dentre essas aldeias, o enfoque maior será dado à Aldeia de São José de Mossâmedes que recebeu essa denominação em homenagem ao seu idealizador e fundador Dom José de Almeida Vasconcelos Soveral de Carvalho, “Barão de Mossâmedes” - nome de sua cidade natal em Portugal - quando governara a capitania de Goiás em 1775. Da aldeia, só a Igreja de São José, construída em 1774, teve sua arquitetura preservada. Segundo os relatos do naturalista John Emanuel Pohl (1951), no inicio do século XIX a Aldeia de São José de Mossâmedes, além do objetivo de pacificação e evangelização dos indígenas, era um local de recreio dos governadores da capitania.

É importante consideramos o contexto social na obra Guerra no coração do cerrado, de Maria José Silveira, pois foi escrita pela mesma autora da obra analisada neste estudo, coincidindo assim em alguns aspectos, principalmente no que diz respeito ao contexto social da época.

2.  A ESTRUTURA CRONOTÓPICA E A METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA

 

            Segundo Goethe (apud Bakhtin, 2003, p.255), a fusão entre o passado e o presente que se amalgamam num todo era um sentimento complexo. O “fantasma” participava dele a título de componente romântico. Junto com esse sentimento da fusão entre o passado e o presente que qualificamos convencionalmente de romântico, vemos designá-lo também de modo convencional. Esse componente realista presente desde o início na percepção de Goethe explica a ausência total de uma sensibilidade ao tempo que fosse puramente romântica. O componente realista vai se fortalecendo, eliminando o componente romântico.

            Na obra estudada, temos a principio o romântico, que é o romance entre Edu e Esmeralda, mas no decorrer da obra o foco principal vai deixando de ser o romance e passa a ser os problemas da época, tornando-se assim um romance realista.

            Para Goethe (apud Bakhtin, 2003, p.262), o poder do tempo é produtivo e criador. Todas as coisas, desde o conceito abstrato até o fragmento mineral, até o cascalho na margem de um rio, são marcadas com a chancela do tempo, são impregnadas de um tempo que lhes dá forma e sentido.

            Em O Fantasma de Luis Buñuel temos o tempo como marca contínua na obra. Veja no romance: “Folha de S. Paulo, São Paulo, quarta-feira, 14 de outubro de 1998 – Notícias: SP deve ter sua primeira deflagação anual / Otan quer acordo assinado até sexta.” (2004, p. 212), essa marca acontece também nas descrições de personagens, como Tonho ao descrever sua relação com a mulher. É importante observar as marcas temporais, pois através delas o enredo adquire sentido, sequência, além de o leitor se situar no decorrer dos fatos, percebendo assim a evolução de cada personagem.

            Na obra, os fatores históricos devem ser analisados através das marcas temporais, pois esses fatores são responsáveis pela continuidade dos fatos, além de mostrar que as situações não são isoladas, ou seja, independentes de fatos anteriores. No romance temos descrições de infância de todos os personagens, confirmando a teoria de Brow: “A história é não só um fardo real imposto ao presente pelo passado na forma de instituições, ideias e valores obsoletos, mas também o modo de ver o mundo que confere a essas formas antiquadas sua autoridade especiosa.” (1994, p. 52). Os fatores históricos, então, além de representarem o passado e presente, representam também ideias e ideais.

A história, no século XIX, segundo White, passou a ser contraposta à ficção e, sobretudo, ao romance, como representação do real, ao contrário do possível ou apenas do imaginável. Essa seria a razão para os historiadores tratarem a linguagem como um veículo de representação, sem trazer para o discurso nenhuma bagagem exclusiva. “Grande parte da preocupação dos historiadores com a linguagem se limita ao esforço de falar com simplicidade, de evitar figuras de linguagem rebuscadas, de verificar se a persona do autor não pode ser identificada em alguma parte do texto, e de deixar claro o que significam os termos técnicos, quando ousa utilizar algum” (WHITE, 1994, p.143).

Maria José Modesto Silva, em “O real e o ficcional em A casca da serpente e Guerra no coração do cerrado”, de Maria José Silveira, mesma autora de O Fantasma de Luís Buñuel afirma que a narrativa é fundamental por ter a capacidade de articular os traços da experiência temporal, isto é, o tempo só se mostra inteligível para o homem na medida em que ele é pensado de modo narrativo. Deste modo, ressalta Chartier (1994), não se trata propriamente de um retorno da narrativa, mas sim de um deslocamento da prática historiográfica para outras estruturas narrativas não consideradas pela história até então, em especial aquelas vinculadas à literatura, além de um distanciamento dos historiadores em relação aos modelos clássicos de narrativa histórica. Como o romance, a história seleciona, simplifica e organiza o conteúdo por meio de uma narrativa. Autores como Hayden White (1994), por exemplo, vão mais longe e pensam em aproximação radical entre história e literatura, na perspectiva da construção de uma poética da história, considerando que o registro do historiador não é essencialmente diferente do da ficção no plano da composição narrativa. A história seria, em primeiro lugar, escritura, isto é, um artefato literário visto por grande parte dos pensadores da pós-modernidade como algo inerente à linguagem – seja em sua criação, usos e deturpações. O conhecimento científico viu ruir seu estatuto de produto humano verdadeiro, objetivo e inexorável. O conhecimento histórico, por seu turno, que a muito custo conseguira estabelecer um caráter científico à história, sentiu um novo golpe com a crise geral dos paradigmas. Desse modo, as recentes buscas por modelos narrativos que satisfaçam aos historiadores surgem como um sintoma da ênfase na pluralidade de significados, da ausência de transcendência na história, da descrença nos grandes modelos explicativos, ou seja, surgem como um demonstrativo da pulverização das esferas da vida humana engendrada na pós-modernidade.

As narrativas históricas contemporâneas não podem perder de vista certa busca pelo verdadeiro. Não aquela verdade absoluta defendida por muitos durante o século XIX, mas uma verdade passível de alterações. Afinal, a da historiografia pode ser concebida como um movimento constante de releituras do passado, o que não significa que haja um acúmulo ou progresso do saber histórico; há, sim, uma sequência de reinterpretações narrativas do passado que são passiveis de perdas, equívocos e revisões.

Segundo White (1994, p.115), a distinção mais antiga entre ficção e história é que a ficção é concebida como a representação do imaginável e a história como a representação do verdadeiro, deve dar lugar ao reconhecimento de que só podemos conhecer o real comparando-o ou equiparando-o ao imaginável.

            Ainda para Hayden White a história é bem mais vivida se não tiver um sentido único, mas muitos sentidos diferentes. (1994, p. 63). Em O Fantasma de Luís Buñuel temos, por exemplo, abordagens sobre a Ditadura Militar, a construção da capital do país, o homossexualismo, a AIDS, a sexualidade etc. Veja:

Era uma cidade alegre, naquele início, todo mundo acreditando no que fazia, na sua importância, e acreditando também, por mais ingênuo que isso fosse – e não tem sonho que não leve junto sua carga de ingenuidade – que a nova capital mudaria a vida do país e, possivelmente, a vida de todos. (SILVEIRA, 2004, p.44).

Foi o ciclo se cumprindo: esplendor e noite escura. Fica faltando o amanhecer. A partir daqui não há mais volta. Só a revolução armada libertará meu povo. (SILVEIRA, 2004, p.71).

A repressão sexual está tão enrustida dentro de nós que mesmo um cara como eu, considerado hoje o mais libertino do mundo pela moral convencional, tem a sua. (SILVEIRA, 2004, p.88).

O mundo fervendo e explodindo ao seu redor e ele ali, ainda preso às suas amarras, ao seu redor e ele ali, ainda preso às suas amarras, aos seus terrores, ao seu atraso. Não queria levar os amigos ao ambiente onde tinha sido um outro, um menininho viado. (SILVEIRA, 2004, p.120).

Sou uma bicha tão clássica, Dina, que estou morrendo de AIDS. Veja só! (SILVEIRA, 2004, p.146).

            As narrativas históricas não têm por objetivo apenas informar sobre um determinado acontecimento, vão além da mera informação, utilizam de figuras de linguagem e se relacionam com nossas vidas em todos os aspectos possíveis. Veja o que White escreve a respeito:

[...] as narrativas históricas são não apenas modelos de acontecimentos e processos passados, mas também afirmações metafóricas que sugerem uma relação de similitude entre esses acontecimentos e processos e os tipos de estória que convencionalmente utilizamos para conferir aos acontecimentos de nossas vidas significados culturalmente sancionados. (WHITE, 1994, p. 105).

            O romance estudado tem então por objetivo não apenas informar sobre acontecimentos históricos de uma época, mas levar o leitor a refletir sobre determinadas situações na sociedade e sobre suas próprias atitudes, principalmente referentes às situações apresentadas no enredo.

O romance histórico tem por objetivo a auto-reflexividade, porque possui reflexões literárias, históricas, teóricas e referências explícitas a personagens e eventos históricos. O romance histórico reconta literariamente a referencialidade histórica sob o ponto de vista do herói, do vencedor. A metaficção historiográfica, por sua vez, reconta tal referencialidade sob uma perspectiva periférica, marginal, do vencido. Trouche (2006, p. 41) ressalta o pensamento de  Linda Hutcheon  a respeito:

De fato, para ser classificada como metaficção historiográfica, a obra deve ter as seguintes características: o caráter de auto-refletividade intensa e, paradoxalmente, referências explícitas a personagens e eventos históricos; a implicação de reflexões literárias, históricas e teóricas; o trabalho que realiza a partir das convenções com o objetivo de subvertê-las; e a defesa de que, apesar de não negar a existência da história, o passado só nos é acessível por meio da textualidade.

            Ainda para Hutcheon (1991, p. 145) temos a metaficção historiográfica procurando desmarginalizar o literário por meio do confronto com o histórico, e o faz tanto em termos temáticos como formais.

            Para Hutcheon (1991, p. 147), a ficção pós-moderna sugere que reescrever ou reapresentar o passado na ficção e na história é – em ambos os casos – revelá-lo ao presente, impedi-lo de ser conclusivo e teleológico. Sendo assim reescrever ou reapresentar o passado impossibilita que fatos sejam esquecidos etc. Temos então a possibilidade infinita de recriar e opinar sobre qualquer fato, acontecido em qualquer momento. A partir da possibilidade de reescrever algo, teremos a intertextualidade que, segundo Hutcheon (1991, p. 157), representa:

A intertextualidade pós-moderna é uma manifestação formal de um desejo de reduzir a distância entre o passado e o presente do leitor e também de um desejo de reescrever o passado dentro de um novo contexto. Não é uma tentativa de esvaziar ou evitar a história. Em vez disso, ele confronta diretamente o passado da literatura – e da historiografia, pois ela também se origina de outros textos (documentos).

A metaficção histórica não nega a realidade é ou (foi), conforme o faz esse tipo de construtivismo radical (segundo o qual a realidade é apenas um construto); ela apenas questiona a maneira como conhecemos e como é (ou foi) essa realidade. Ao fazê-lo, ela simultaneamente se opõe e se alia aos marxistas e aos defensores do senso comum que resistem à separação entre linguagem e realidade. Esse é o paradoxo de sua própria natureza como metaficção historiográfica. (HUTCHEON, ano p. 189).

            Em O Fantasma de Luís Buñuel a realidade é representada de forma a questionar o leitor e fazê-lo refletir sobre os acontecimentos narrados, comprovando a ideia de Hutcheon de que a linguagem jamais poderá ser separada da realidade.

            Segundo André Trouche (2006, p. 40), as narrativas que surgem a partir de 1970 tomam o histórico como intertexto. A partir daí temos uma nova concepção de história e de discurso. Questiona-se a representação, ou seja, a capacidade de conhecer o passado e representá-lo por meio da linguagem leva  a quebra do pacto de verossimilhança no campo ficcional. Sendo assim, ficção e história constituem sistemas de significação pelos quais damos sentido ao passado. Em outras palavras, veja o que Hutcheon assegura:

[...] O sentido e a forma não estão nos acontecimentos, mas nos sistemas que transformam estes acontecimentos passados em fatos históricos presentes. A metaficção historiográfica refuta os métodos naturais, ou de senso comum para distinguir entre o fato histórico e a ficção. Ela recusa a visão de que apenas a história tem uma pretensão à verdade, por meio de um questionamento da base desta pretensão na historiografia e por meio da afirmação de que tanto a história como a ficção são discursos, construtos humanos, sistemas significação [...]. (HUTCHEON, 1991, p. 121).

            Como se vê, o que se contesta é a separação radical sempre vigente entre o histórico e o ficcional, pois se considera que os dois se originam de processos de produção de sentido, mais do que de uma verdade objetiva.

Segundo Maria Zaira Turchi e Vera Maria Tietzmann Silva (2007, p. 51), em O fantasma de Luís Buñuel, os acontecimentos históricos estão presentes, mas importam menos os fatos e mais o efeito que eles causam sobre os personagens que os vivenciam. Ou seja, o foco não incide prioritariamente sobre as ações em si, mas sobre as reações que provocam nos personagens. Além do título enigmático, um aspecto que imediatamente chama a atenção do leitor é o modo peculiar como este romance se organiza. A narrativa se divide em cinco partes, seguidas por um breve epílogo. Cada parte situa-se numa década diferente e tem como centro das ações um dos cinco protagonistas. Outro dado inovador é o fato já mencionado de cada parte (e também o Epílogo) abrir-se com uma seleção de notícias de jornais de circulação nacional (JORNAL DO BRASIL, FOLHA DE SÃO PAULO e O GLOBO). São notícias contemporâneas à ação ficcional, garimpadas pela autora em pesquisa feita junto a periódicos da época.

A justificativa para tal procedimento, assim como para o título do volume, vem explícita no texto, relaciona-se ao livro de memórias de Luís Buñuel, Meu último suspiro, em que o cineasta espanhol não lamenta morrer, mas, sim, ficar sem saber o que se passa no mundo. Por isso, planeja voltar à vida, de dez em dez anos, passar numa banca e comprar alguns jornais. Diz, então, Buñuel: “Com os jornais debaixo do braço, [...] retornaria ao cemitério e leria os desastres do mundo, antes de tornar a dormir, satisfeito, na proteção tranqüilizadora da sepultura” (BUÑUEL apud SILVEIRA, 2004, p.135-136).

 

 

 

 

 

 

3.  ROMANCE DE FORMAÇÃO

 

            Segundo Bakhtin, (2003, p. 236), existem cinco tipos ou etapas para o romance de formação. A primeira se refere ao herói como uma grandeza constante na fórmula do romance. Sua evolução não se transforma em enredo romanesco. Na segunda, o herói e seu caráter se tornam uma grandeza variável.  As mudanças por que passa o herói adquirem importância para o enredo romanesco que será, por conseguinte, repensado e reestruturado. O tempo se introduz no interior do homem, impregna-lhe toda a imagem, modificando a importância substancial de seu destino e de sua vida.

            O terceiro tipo de romance de formação é representado pelo tipo biográfico (e autobiográfico). Nele está ausente o elemento cíclico. A transformação se insere no tempo biográfico, atravessa fases individuais não generalizáveis. Tal romance pode ser típico, mas a tipificação desse tempo já não é cíclica. A transformação é o resultado de um conjunto de circunstâncias, de acontecimentos, de atividades, de empreendimentos, que modificam a vida.

            O quarto tipo do romance de formação é representado pelo romance didático – pedagógico. Fundamenta-se numa ideia pedagógica determinada, concebida com maior ou menor amplitude. Ele apresenta o processo pedagógico da educação no sentido estrito da palavra.

            No quinto (último) tipo de romance de formação temos a evolução do homem como algo indissolúvel da evolução histórica. A formação do homem efetua-se no tempo histórico real, necessário, com seu futuro, com seu caráter profundamente cronotópico. Este tipo de romance não deve ser compreendido isoladamente em relação aos outros tipos anteriormente mencionados, pois se trata de uma continuação ou junção de ideias.

            Em O Fantasma de Luis Buñuel, o tipo de romance de formação é o quinto, pois se percebe que a evolução dos personagens acontece de acordo com a evolução histórica. Temos durante todo o enredo relatos biográficos ou autobiográficos. Todos os personagens agem de acordo com a época em que vivem, querem agir obedecendo ideias e idealizações da época, logo os personagens evoluem e crescem conforme a evolução histórica. Éxiste uma relação de crescimento e amadurecimento entre história e personagem.

            Bildung, expressão alemã que se traduz em Português por “formação”, é um conceito complexo que envolve discussões sobre cultura, política, economia etc, contendo em si uma carga filosófica e estética.

Designado com o termo alemão Bildungsroman (romance de aprendizagem ou formação) o tipo de romance em que é exposto de forma pormenorizada o processo de desenvolvimento físico, moral, psicológico, estético, social ou político de um personagem, geralmente desde a sua infância ou adolescência até um estado de maior maturidade.

Na literatura, a crítica identificou características específicas em certas obras, passando a abordar a questão como o estudo do romance de formação, que não é uma literatura meramente pedagógica, mas trata-se de um romance que procura mostrar ao leitor o processo de formação do ser humano ao longo de sua juventude, incluindo aí desde os dados culturais aparentemente irrelevantes, a aprendizagem não-formal por intermédio do convívio social, bem como a educação formal.

Em O Fantasma de Luis Buñuel temos a crise do sujeito, o estado caótico do mundo burguês e o permanente questionamento sobre a validade da formação burguesa, que oferecia um instrumental de mudança ou de manutenção do sistema, temos discussões frequentes sobre como o ser humano reagiria diante de questões cotidianas quando formado um ponto de vista principalmente do burguês. Dina e Edu sendo os principais militantes do romance monstram claramente como os individuos favorecidos financeiramente naquela época reagiam quanto a crises existencias relacionadas principalmente ao contexto socio-econômico. Edu e Dina colocam em segundo plano sua situação socio-econômica e vão atrás de seus ideais, que era  mudar a situação política do país. Observe:

[...] eu era o único fodido, o único da turma que tinha que trabalhar, por que estava tendo que apanhar assim? Foi me dando um ódio horrível de vocês, os filhinhos de papai que militavam e estavam em casa dormindo enquanto eu que não tinha nada a ver com porra nenhuma estava apanhando daquele jeito.  (SILVEIRA, 2004, p.220).

[...] mas não achava justo estar apanhando por culpa dos outros, os pequeno-burgueses da universidade que viviam da mesada dos papais, que não precisavam dar duro nem trabalhar, que tinham tempo pra ficar se metendo onde não eram chamados. Mesmo você, Dina, tinha o dinheiro da sua madrinha; eu não tinha ninguém por mim, tinha que me virar, e vocês não. (SILVEIRA, 2004, p.221).

O romance de formação liga-se intimamente à crise da modernidade. A partir do século XVII, os avanços científicos começam a apontar novas perspectivas para o desenvolvimento da sociedade. O mundo é desmistificado pela Ciência, que vê nele o objeto de manipulação e estudo. O ser humano começa a criar novas áreas do conhecimento, especializa-se cada vez mais e termina de lado a visãoem conjunto. Anoção de tempo começa a ganhar outra dimensão como fator determinante na capacidade de produção nas sociedades pós-Revolução Industrial. Desenvolvem-se os grandes centros urbanos que passam a girar em função do conceito do progresso, abrigando e acentuando as disparidades socieconômicas da sociedade burguesa.   

No romance analisado, temos a retratação da construção de Brasília, mostrando ser um grande centro urbano no progresso do Brasil, tem-se então a revolução quanto aos avanços científicos e tecnologicos. A construção da cidade é representada principalmente na primeira parte da narrativa, da qual se refere ao personagem Edu, pois seu pai fazia parte da construção daquele novo centro urbano, que mudaria a história do Brasil. Veja:

Só terra vermelha e uma visão que se tornou a grande paixão de homens do Brasil inteiro, homens que, como meu pai, chegaram para fazer brotar da poeira densa uma cidade, e não só uma cidade completa, mas uma como jamais se vira outra igual. (SILVEIRA, 2004, p.31).

Obedecendo ao segmento do romance de formação, teremos na obra de Maria José Silveira uma ordenação em que há um começo, uma evolução e um fim. Todos os cinco personagens obedecem a essa ordenação, pois conforme transcrições em análise dos personagens observa-se que todos têm um relato biográfico ou auto-biográfico relatando seus principais momentos, como no tempo de Edu, Tonho, Tadeu, Dina e Esmeralda em que temos descrições desde a infância até o momento da morte ou da velhice de cada um.

      O Bildungsroman no Brasil é identificado a partir do romantismo. Obras como O Ateneu, de Raul Pompéia, Amar, verbo intransitivo, de Mário de Andrade, os romances do “ciclo do açúcar”, como Menino de Engenho e fogo Morto, de José Lins do Rego, são apontadas como romances de formação.

            No entanto, a partir dos anos 1990, é que o Bildungsroman começa a se destacar no Brasil como objeto de estudo da literatura de autoria feminina. São  romances escritos por mulheres, com protagonistas femininas. O Fantasma de Luis Buñuel é exemplo desse tipo de literatura, pois anteriormente teria-se como protagonista apenas, ou principalmente homens, agora temos persongens feminimas que são de extrema importância no romance, Dina e Esmeralda representam a mudança de função e atitude na sociedade durante toda a narrativa; mudança social, sexual e cultural das mulheres é um dos pontos mais fortes do romance. Observe o trecho do artigo “O homem, esse personagem”, por Maria José Silveira (Divulgado no site http://www.cronopios.com.br, onde a escritora é colunista).

[...] Pois imagino que nos bons e maus romances, como na vida, encontraremos todos os tipos de homens, tratados de todas as maneiras, sem discriminações. Com todas as suas pequenas virtudes e seus inúmeros defeitos.

O que vai determinar o tipo de personagem que ele será é a história a ser contada e a linguagem.

Pois diga o que diga a Ivana e o João Silvério, minta o quanto minta a Andréa e a Verônica, tenho a impressão de que, no fundo, todos nós, escritores, escrevendo por seja qual for o motivo que nos leve a escrever, sendo feministas, machistas, misóginos ou sem preconceitos de gênero, sendo o que somos, pensando seja lá o que for que pensamos, escrevendo com seja lá qual for nosso particular estilo, consciente ou inconscientemente, ou tratamos homens e mulheres como seres humanos capazes dos atos mais nobres e dos mais ignóbeis, ou alguma coisa estará faltando em nossa literatura.

Quer abordando seu lado vil ou seu lado heróico, o homem, por trás do personagem, deve aparecer inteiro e ser capaz de tudo. Deve ser anjo e demônio, bom e mau, feio e bonito – e repare que estou usando a preposição aditiva e não a alternativa ou. Deve ser qualquer coisa que o personagem tiver de ser. Exatamente como a mulher, ele deve ser humano, “e nada do que é humano” pode lhe ser estranho. Tudo vai depender da história que o personagem viva, e não do seu gênero.

Ou seja, o homem e a mulher devem ser tratados, na literatura, como deveriam ser tratados na vida real: como iguais. 

            Uma das discrepâncias entre o  masculino do Bildungsroman e o gênero feminino é a diferença entre os desfechos: no primeiro, “o protagonista alcança integração social e um certo nível de coerência”, já no segundo tipo, as protagonistas “iniciam seus processos de bildung desejando alcançar a integração e realização do EU e a integração social”, mas sempre acabam ou fracassando ou abrindo “mão da integração no seu grupo social para alcançar a interrogação do EU” (PINTO, 1990: 30).

            Na narrativa de Maria José, temos o segundo tipo de romance de formação, em que os personagens lutam a todo instante pela realização do “EU”, entretanto os personagens Edu, Tadeu, fracassam e morrem. Dina desiste da revolução, Tonho fracassa quanto as suas idealizações no cinema e Esmeralda morre sozinha, sem descobrir seu objetivo, logo todos fracassaram ou abriram mão de seus ideais ou objetivos de alguma forma.

  1. CONTEXTO SOCIAL

O Regime Militar é instaurado pelo golpe em de abril de 1964. O plano político é marcado pelo autoritarismo, supressão dos direitos constitucionais, perseguição política, prisão e tortura dos opositores, e pela imposição da censura prévia aos meios de comunicação. Na economia há uma rápida diversificação e modernização da indústria e serviços, sustentada por mecanismos de concentração de renda, endividamento externo e abertura ao capital estrangeiro.

            Com a deposição de Jango, o presidente da Câmara, Ranieri Mazzelli, assume formalmente a presidência e permanece no cargo até 15 de abril de 64. Na prática, porém, o poder é exercido pelos ministros militares de seu governo, entre eles, o general Arthur da Costa e Silva, da Guerra. Nesse período é instituído o Ato Institucional nº1.

            Os Atos Institucionais são mecanismos adotados pelos militares para legalizar ações políticas não previstas e mesmo contrárias à Constituição. De1964 a1978 serão decretados 16 Atos Institucionais e complementares que transformam a Constituição de 46 em uma colcha de retalhos. O AI-1, de 9 de abril de 64, transfere poder aos militares, suspende por dez anos os direitos políticos de centenas de pessoas. As cassações de mandatos alteram a composição do Congresso e intimidam os parlamentares.

            Em 1º de Abril de 1964, o Congresso elege para presidente o chefe do estado maior do exército, marechal, Humberto de Alencar Castello Branco. Empossado em 15 de Abril de 1964, governa até março de 1967. Usa atos institucionais como instrumentos de repressão: fecha associações civis, proíbe greves, intervém em sindicatos e cassa mandatos de políticos. No dia 13 de junho de 64 cria o SNI (Serviço Nacional de Informações). Em 27 de outubro o Congresso aprova a lei Suplicy, que extingue a UNE e as uniões estaduais de estudantes. O novo governo assina um acordo com os Estados Unidos com o objetivo de restaurar a educação pública.

Em 18 de outubro de 1964, manda invadir e fechar a Universidade de Brasília pela polícia militar. As ações repressivas do governo são estimuladas por grande parte dos oficias do Exército. A chamada "linha dura" defende a pureza dos princípios "revolucionários" e a exclusão de todo e qualquer vestígio do regime deposto. Usando de pressões consegue que o Congresso aprove várias medidas repressoras. Uma das maiores vitórias é a permissão dada à justiça militar de julgar civis por "crimes políticos".

Em 15 de março de 1967, O marechal Arthur Costa e Silva assume e governa até 31 de agosto de 1969, quando é afastado por motivos de saúde. Logo nos primeiros meses de governo enfrenta uma onda de protestos que se espalham por todo o país.

Crescem as manifestações de rua nas principais cidades do país, em geral organizadas por estudantes. Em 1968, o estudante secundarista Édson Luís morre no Rio de Janeiro em confronto entre polícias e estudantes. Em resposta, o movimento estudantil, setores da Igreja e da sociedade civil promovem a Passeata dos Cem Mil, a maior mobilização do período contra o regime militar.

Em 30 de outubro de 1969, Emílio Garrastazu Médici assume a Presidência e governa até 15 de março de 1974. Seu Governo fica conhecido como "os anos negros da ditadura". Os movimentos estudantil e sindical estão contidos e silenciados pela repressão policial. O fechamento dos canais de participação política leva a esquerda a optar pela luta armada e pela guerrilha urbana. O governo responde com mais repressão. Lança também a campanha publicitária, com o slogan "Brasil, ame-o ou deixe-o". O endurecimento político é respaldado pelo "milagre econômico", crescimento do PIB, diversificação das atividades produtivas, concentração de renda e surgimento de uma nova classe média com alto poder aquisitivo.

            Com o crescimento da oposição nas eleições de 1978 o processo de abertura política ganha força. Assumindo a Presidência, em 15 de março de 1979, João Baptista Figueiredo vai ter a difícil tarefa de garantir a transição do regime militar para a democracia. Já em 29 de agosto de 1979, é aprovada a Lei da Anistia, que começou na segunda metade da década de 70 reunindo entidades do movimento estudantil e sindical, organizações populares, OAB, ABI e a Igreja.

No final dos anos1970, ainflação chega a 94,7% ao ano. Em 1980, bate 110% e, em 1983, 200%. O Brasil entra numa recessão que terá como principal conseqüência o desemprego. Em Agosto de 1981, há 900 mil desempregados, somente nas regiões metropolitanas. No início dos anos 80, segundo dados do IBGE, 80 milhões de pessoas ou 67% dos brasileiros viviam nas cidades, contra uma população rural de 39 milhões de pessoas. A região Sudeste é rica e industrializada, com 44% dos habitantes do país. Mesmo capitais como Recife e Salvador têm um aumento de 45% e 33% na sua população. Infelizmente o crescimento dos centros urbanos não é acompanhado por planejamento ou incremento de serviços como transporte, saneamento básico, bem como atendimento público de saúde, educação e justiça. Apesar disto, o crescimento populacional já vinha desacelerando. Entre 1970 e 1980, o crescimento foi de 27,8% enquanto no período anterior, de60 a70, foi de 32,9% e entre 1980 e 1991, segundo o último censo, chegou a 23,5%. Em 1980 o analfabetismo era de 25%. A resolução destes problemas são algumas das reivindicações dos movimentos sociais urbanos da época. Começam a surgir diversos loteamentos clandestinos, cada vez mais comuns na periferia.

Nesta situação, os aliados do regime militar fundem-se no Partido Democrático Social (PDS) e o antigo MDB torna-se o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) ressurge e desde 1979 começava a funcionar o Partido dos Trabalhadores (PT), liderado pelo líder dos metalúrgicos, Luís Inácio Lula da Silva, que desde 1978 liderava as mais importantes greves na região do ABC, São Paulo. Mas o PT não reuniu apenas trabalhadores das fábricas paulistas, mas também grande parte do movimento sindical rural e urbano, intelectuais, militantes de base, setores da esquerda, dentro do MDB, e também grupos que saíram da obscuridade.

      Em 10 de maio de 1985, uma emenda constitucional restabelece as eleições diretas para a presidência das cidades consideradas pelo Regime Militar como área de segurança nacional. A emenda também concede o direito de voto aos analfabetos e aos jovens maiores de 16 anos, além de extinguir a fidelidade partidária e abrandar as exigências para registro de novos partidos. Isso permite a legalização do PCB e do PC do B e do surgimento de um Grande número de pequenas agremiações.

Logo teremos a Constituição de 1988 que limita a jornada de trabalho para 44 horas semanais, estipula o seguro-desemprego, amplia a licença-maternidade para 120 dias e concede licença-paternidade, fixada mais tarde em cinco dias. Também proíbe a ingerência do Estado nos sindicatos e assegura aos funcionários públicos o direito de se organizar em sindicatos e utilizar a greve como instrumento de negociação, salvo nos casos dos serviços essências. Procura ainda dificultar as demissões ao determinar o pagamento de uma multa de 40% sobre o valor total do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) nas dispensas sem justa causa.

Após muitos anos de ditadura militar no Brasil, marcados pela censura institucionalizada e pela forte repressão, tem-se início um processo de abertura política em sentido da redemocratização no país. A pressão feita aos militares ao longo dos últimos anos da década de 1970 e da década de 1980 garantiu ao final do processo o retorno das eleições diretas para presidente e o restabelecimento da democracia no país.

O romance, O Fantasma de Luís Buñuel, além de ser um romance de formação, também contém características da metaficção historiográfica, pois temos a retratação da construção de Brasília como capital do Brasil e, no decorrer do enredo, temos retratações de como era aquela região. Veja na obra: “Era ele e aquela imensidão de terra à sua frente, coberta de mato, de areia, de rocha. Era ela ou ele. E para vencê-la, não vacilava em fazer o que fosse preciso. (SILVEIRA, 2004, p.31).

            Através de descrições como essa percebemos a retratação de como era e como ficou a tão sonhada Brasília, capital do país.

No romance temos também outro fator histórico que é a repressão política, mais conhecida como Ditadura Militar, o romance descreve através dos cinco personagens como aconteceu a repressão, as manifestações etc. Observe:

Esmeralda, Dina, Tadeu, eu e vários colegas conseguimos ficar escondidos nas áreas em construção do ICC. Estávamos encurralados, agachados e silenciosos entre as paredes de uma sala no portão, temendo a chegada do gás lacrimogêneo. (SILVEIRA, 2004, p.39).

            Este trecho é um dos muitos que representam a agonia de vários militantes ao serem atacados, principalmente, jovens estudantes. Esse ataque aconteceu dentro da universidade, mostrando que não estavam “soltos”, que também eram vigiados e punidos por atos que indiciassem algum tipo de subversão política. Veja outro exemplo da obra:

Estavam todos, é evidente, completamente fora do normal, naquele cubículo e naqueles dias. Todos que estavam ali tinham passado mais ou menos pelo mesmo inferno, depois da manhã do golpe. Os dois primeiros dias, provavelmente trancados nas próprias casas ou em outro lugar mais seguro, mas sem poder sair, quando os tanques e as tropas militares ocuparam a cidade e bombardearam o Palácio deLa Moneda. Escutaramos jatos passando, o pipocar dos tiros, as notícias de massacres nas fábricas e bairros operários, cadáveres boiando no rio Mapocho, prisões que lotavam o estádio, fuzilamentos. (SILVEIRA, 2004, p.176).

            A repressão política evidentemente não ocorria apenas com os que participavam de forma direta da luta armada. Como mostrado no trecho transcrito da obra, a sociedade no geral sofria com a “guerra política”, se exilando dentro de suas próprias residências.

Para Maria Zaira Turchi e Vera Maria Tietzmann Silva (2007, p. 50), no âmbito das ações, há diversos fatos verídicos, como a invasão da UnB, o fechamento do Congresso, o treinamento de guerrilheiros em Cuba, a edição do AI-5. São fatos que aparecem com grande impacto na primeira parte de O fantasma de Luís Buñuel, ambientada em 1968. Contudo, o leitor não está diante de uma grande reportagem, mas de um romance, de uma obra cujas ações se equilibram, ou deslizam, entre a história e a ficção. Aliás, a sua estrutura sugere, o tempo todo, um movimento de oscilação, um vaivém, ou um deslizar entre margens, bem em sintonia com o clima de insegurança, de instabilidade que se instalou no país nos anos 60 e 70.

  1. CONSTRUÇÃO DA      APRENDIZAGEM EM       CADA PERSONAGEM

 

Personagens: Edu, Tonho, Tadeu, Esmeralda e Dina.

O encontro casual dos amigos Dina, Tonho e Esmeralda, em um cinema no Rio de Janeiro, durante a exibição de um filme de Buñuel, os levam a adotar a mesma prática imaginada pelo cineasta. Observe:

Éramos apaixonados por Buñel, irrestritamente, O escândalo surrealista era nossa medida de vida, nosso desejo e intenção, mas queríamos abrasileirá-lo ainda mais. Colocar em seu centro o povo, a revolução brasileira. (SILVEIRA, 2004, p.12).

E, nesse encontro, iniciam-se outros tantos entre os cinco protagonistas da história. Temos, então, o início de um conflito que representará um romance de formação de personagens. O desenrolar de fatos apresentará as características desse tipo de romance, pois nota-se que de início temos como principais personagens cinco jovens, além da casualidade.

5.1 EDU

Com a construção de Brasília, Edu, aos 19 anos de idade juntamente com seu pai que imigrou do nordeste para a nova capital estão empolgados com a construção de um novo tipo de política. Edu se prepara para ajudar a construir os caminhos da revolução, capazes de levar o Brasil a um novo tempo e a um novo modelo de sociedade, mais justa e fraterna. Ele representa uma espécie de (herói) e até mesmo entra na clandestinidade durante o romance, conforme mostra a passagem:

[...] eu deveria deixar Brasília, assumir a luta para valer, entrar na clandestinidade como um profissional da Organização, ou seja, que a partir daí eu viveria para fazer a Revolução, minha primeira reação foi de euforia, o grande sentimento de estar fazendo a coisa certa. (SILVEIRA, 2004, p.19).

Há uma loucura nisso, uma ânsia, uma exigência de dar o melhor de mim, seja no que for, fazer o que nunca fiz, fazer parte de algo que torne o mundo melhor, ser louco, ser grande, herói. (SILVEIRA, 2004, p.34).

            Os pais de Edu não concordavam com sua decisão, sua mãe tinha o desejo de vê-lo tornar-se um grande médico. Duvidavam se Edu estava tomando a decisão correta, mas o personagem já havia tomado sua decisão, ele já tinha amadurecido a ideia e até mesmo abandonado o curso para seguir seu ideal que foi de lutar pela revolução do povo brasileiro.

Minha mãe tinha o sonho de me ver médico, formado, e quando lhe falei que ia abandonar o curso, confirmando suas suspeitas de que eu não estava mais frequentando as aulas, só falou, Ai! Meu Deus! São esses seus amigos! Quanto a meu pai, olhou pra mim e disse: Será que você tem mesmo consciência do que está fazendo? (SILVEIRA, 2004, p.20).

            Com todos seus ideais, Edu, após abandonar de vez o curso de Medicina, decide de vez entrar para a clandestinidade, ele viajará para cooperar com a luta armada pela liberdade de expressão dos brasileiros, a partir daí este personagem viverá uma incógnita. Veja:

Naquele dia, entrei na clandestinidade. Meu destino era uma incógnita, ninguém, nem mesmo eu, sabia com certeza para onde iria. (SILVEIRA, 2004, p.70).

            Já em 1978, no capítulo que enfatiza a vida de Tadeu, somos informados da morte de Edu, uma morte triste e revoltante, ele fora torturado de todas as maneiras possíveis até a morte.

[...] o Edu está fora de tudo isso, não foi à toa que morreu. Caras como o Edu têm que morrer cedo mesmo, pra escapar dessa mediocridade infame, dessa pataquada-pseudo-tudo. (SILVEIRA, 2004, p.76).

           

[...] a dor da morte do Edu. Preso na fronteira ao entrar no Brasil. Torturado até morrer. Pau-de-arara, cadeira de dragão, coroa de ferro e volta da cabeça, choques elétricos em todos os buracos.  (SILVEIRA, 2004, p.92).

            Edu foi morto cruelmente, mostrando assim o contexto histórico da época. Anos 70 e 80, uma época marcada por tragédias e muita violência, enfatizando uma das características do Bildungsroman que é o conceito político.

5.2 TADEU

 

            Tadeu é homossexual, mesmo que a principio não se assuma e não parece interessar-se por esse lado engajado e insubmisso de sua geração, especialmente de seu grupo de amigos. Seu desejo de libertação é mais pessoal e restrito, diz respeito apenas a si mesmo. Ele está em busca de sua identidade, segundo ele todos têm identidade própria, apenas ele que não. Observe:

 

Dali, além do Edu, só Dina tinha militância; nós, os           outros, éramos da famosa, leviana, irresponsável e maravilhosa esquerda festiva. Tonho era o cineasta, Esmeralda, a artista, e eu, o que era eu? A bicha. (SILVEIRA, 2004, p.74).

           

Apesar da intitulada liberdade sexual apresentada por aquela época, Tadeu é reprimido, sabe que é homossexual, mas quer parecer heterossexual, para impressionar os outros e a si mesmo. Tadeu chega até mesmo a namorar uma mulher com nome bissexual: Darcy, uma mulher que se submetia a todas as vontades de Tadeu, até mesmo cortar o cabelo em um corte masculino, pois assim Tadeu poderia imaginá-la como sendo Edu, seu grande amor. Observe:

[...] Darcy, nome de dar vergonha em morto, mas que era uma das poucas coisas que me interessavam nela. (SILVEIRA, 2004, p.77).

Pedi que ela cortasse os cabelos bem rentes, um corte bem masculino, assim eu podia imaginar que ela era o Edu – é um corte de vanguarda, eu disse, e ela cortou. (SILVEIRA, 2004, p.77).

Após sair de Brasília e ir para o Rio de Janeiro, Tadeu começa a amadurecer suas ideias, percebe que precisa se libertar de algumas “amarras”, mas não deixa de ser egocêntrico e fugitivo de suas próprias armadilhas.

Quando saí de Brasília, jurei que nunca tentaria outra vez fingir ser o que não era. Longe da minha insana família, longe da exigente revolução, longe dos ex-pseudo-amigos-e-companheiros, longe de tudo, eu queria começar vida nova. (SILVEIRA, 2004, p.78).

 Apesar de tentar recomeçar, Tadeu não supera suas diferenças e acaba no mundo das drogas e do sexo livre sem proteção.

Passou, então, um tempo interminável e horroroso de autonegação, até depois cair no mundo das drogas e da gandaia: definitivamente, um clássico da formação de uma bicha de sua geração, ele se diz. (SILVEIRA, 2004, p.83).

            Tadeu vive uma procura incessante por uma identidade, ele quer ser qualquer um, menos ele mesmo.

[...] ele conseguia esquecer quem era e de repente era o Tarzã, ou mesmo a Jane, era qualquer coisa, desde que fosse outra coisa e não aquele menininho anêmico, magrinho e viado. (SILVEIRA, 2004, p.115).

Já em 1988, no capítulo que enfatiza a vida de Dina, somos informados da morte de Tadeu, que fora contaminado pelo vírus da AIDS.

[...] Edu e Tadeu, os dois que morreram tão fora de hora. (SILVEIRA, 2004, p.137).

Sou uma bicha tão clássica, Dina, que estou morrendo de AIDS. Veja só!. (SILVEIRA, 2004, p.146).

            Percebe-se através desses fragmentos a presença do relato biográfico informando sobre a morte dos personagens, essa característica faz referência as teorias do romance de formação para BAKHTIN, ( 2003, p.238)

5.3 DINA

 

            Dina sofre com três tragédias em sua vida, a primeira é a morte da mãe, que morrera de uma doença do coração quando Dina tinha apenas oito anos; a segunda foi a morte do pai, contaminado por mercúrio em um garimpo de rio, e a terceira é sua esterilidade, decorrente da tortura que sofreu na prisão estando grávida. Seu foco não está mais acentuado na vida político-social brasileira, mas vai mais além: na vida em si mesma, na sobrevivência da humanidade.

Mal completara oito anos quando a mãe morreu, de uma doença do coração. Pelo que conseguiu saber depois, a mãe tinha essa doença cardíaca desde mocinha... (SILVEIRA, 2004, p.141).

 

Perder a mãe significou também perder o pai. Depois que ela morreu, o pai partiu e Dina nunca mais o viu. Por último, a notícia de que tinha morrido em um garimpo do Norte. Morreu contaminado por mercúrio, a morte natural da maioria dos garimpeiros. (SILVEIRA, 2004, p.144).

 

            Dina descobriu sua aptidão pelo trabalho com a natureza, sobre a sobrevivência na terra desde muito pequena. A partir de uma situação quando criança, essa personagem já se sente decidida ao que irá destinar sua vida, principalmente a profissional. Perceba:

Foi a primeira vez que Dina soube que as pedras tinham nomes sonoros e misteriosos. Seixos de rio, arenito, dolomita, pedriscos, quartzos, e a misteriosa obsidiana com que, antes, se fazia objetos cortantes e espelhos, nunca se esqueceu. Foi assim que descobriu que a terra e os rios também podiam ser estudados. Desde então, soube o que queria fazer. (SILVEIRA, 2004, p.166).

 

            Ela tinha o sonho de ser mãe, sempre desejou passar por essa experiência, mas devido a uma agressão que sofrera ao ser presa, Dina que nem mesmo sabia que estava grávida tem uma hemorragia grave e acaba perdendo o filho e ficando estéril, futuramente devido à interversão e apoio de Délio, na época seu marido, acabam adotando um casal, que futuramente Dina amará como sendo filhos biológicos. Veja como essa personagem amadurece em relação à ideia de ser mãe de filhos adotivos:

Sempre que pode, Dina volta lá com eles, os filhos que Délio a convenceu a adotar, e que ela hoje considera completamente seus, até esquece que não são. Tinha receio de se arrepender, de não amar verdadeiramente a criança, e foi Délio quem, aos poucos, a convenceu a tentar. Hoje, quando olha para seus dois filhos, sente sem sombra de dúvida que foi a melhor decisão que tomou na vida. (SILVEIRA, 2004, p.175).

Outro fato a ser ressaltado é quando Dina decidiu perder a virgindade, ela queria muito transar com o namorado, mas não quer passar vexame por ser inexperiente. Então, Esmeralda e ela decidem tramar para que ela perca a virgindade antes de transar com Sandoval, e é o que acontece.

Dina saiu aliviadíssima, completamente contente. Entrou no seu Gordine e foi cantarolando pra si mesma, transbordante, “Agora sou mulher, agora posso dar pro Sandoval. (SILVEIRA, 2004, p.196).

Ao se exilar no Chile, Dina percebe que apesar de querer lutar pela revolução no Brasil não teria mais forças e capacidade para isso, pois tinha a sensação de que já fizera o que podia. Ela aprende a reconhecer seus limites e passa a fazer apenas o que lhe é possível. Veja:

Sentia saudades dos companheiros que haviam ficado no Brasil, mas sabia que fizera o que podia e que voltaria a fazer. Não abandonara a luta. Apenas reconhecera seus limites e sentia necessidade de dar um tempo para se fortalecer, em todos os níveis. (SILVEIRA, 2004, p.204).

            Já mais experiente, Dina decidiu reatar seu compromisso com Délio, pois sempre foi seu grande amor e o pai de seus filhos, além de ter aprendido a controlar suas sensações, já não vive apenas em prol do outro. Aprendera a viver para si mesma.

Então, Dina e Délio estão juntos outra vez. Ele estava desconfiado, mas só quando Dina falou sobre isso, ontem, teve certeza. (SILVEIRA, 2004, p.249).

            Temos aqui mais uma vez um relato biográfico mostrando qual foi o destino da personagem Dina, reforçando a teoria do romance de formação.

5.4 TONHO

 

O capítulo que enfatiza a trajetória de Tonho principia com um encontro dos três amigos, Tonho, Dina e Esmeralda, agendado dez anos antes. Este é, de fato, o primeiro encontro marcado pelo grupo, uma vez que os anteriores haviam sido casuais, obra do destino. A seguir, há o trecho em que os amigos combinam o encontro:

[...] Que tal se assumíssemos esse acaso e nos reuníssemos daqui a dez anos outra vez?, propôs, inesperadamente, Esmeralda.

Dina achou genial a ideia e Tonho, em paz com a humanidade depois de seis doses duplas de uísque, também concordou. Combinaram inclusive o lugar, naquela mesma esquina. (SILVEIRA, 2004, p.144).

            Tonho era o único personagem do enredo que precisava trabalhar, logo ele se sentia injustiçado a todo instante. Por essa revolta, por se sentir inferior e injustiçado pelos amigos e principalmente pelo sistema, ele acaba experimentando um comprimido de que segundo um “amigo” lhe causaria uma boa sensação e o faria esquecer-se de todos os seus problemas. Entretanto Tonho percebe que além da sensação de gozo ele também teria várias outras reações como batimentos cardíacos acelerados entre outras consequências. Assim ele percebe que aquela não era a melhor saída e desiste de prosseguir com essa experiência com as drogas. Observe: “Tonho nunca mais engoliu outro comprimido desses, nem pretende.“ (SILVEIRA, 2004, p.218).

            A personalidade de Tonho como mostrado anteriormente é composta de muita inveja e sensação de injustiça. Observe nesse trecho a inveja que Tonho tinha de Tadeu por ele ter dinheiro “fácil” e não precisar trabalhar. Perceba que além da sensação de injustiça por não precisar trabalhar ele também invejava o talento dos amigos, principalmente de Tadeu que era sempre elogiado pelos amigos.

Puta merda, como ele odiava Tadeu.

Tadeu e seu dinheiro fácil, e seu talento fácil, e sua vida fácil de filhinho de papai que sempre teve tudo entregue de bandeja nas mãos. (SILVEIRA, 2004, p. 247).

            A inveja e egoísmo de Tonho representam a formação não-formal, perceba que aqui ele aprende com os erros e refere-se principalmente a economia, que segundo ele era uma “tremenda” injustiça, pois alguns como os colegas dele tinham muito e outros como ele não tinha nada.

            Tonho aprende no decorrer dos fatos que os amigos não eram culpados pela injustiça presente na sociedade, percebe que era ele quem queria andar junto com aqueles pequeno-burgueses, e que o dinheiro, algo que para ele era primordial não teria tanta importância como imaginara no passado. Tonho aprende que para ter a tão sonhada felicidade é necessário algo que vai muito além dos bens materiais. Veja:

[...] Embora muitos fossem filhos de papai, como o viado do Tadeu, a maioria não era. E se preferi circular entre os filhos de papai, era por opção minha, se não quisesse, poderia ter achado outra turma. Mas essa sempre foi minha tendência, essa atração pelos pequeno-burgueses endinheirados. Era um deles que eu queria ser, por que negar? E sou. Hoje é isso que sou. Um pequeno-burguês, grandíssima merda! (SILVEIRA, 2004, p.267).

            Essa fala de Tonho é uma das partes mais significantes da obra, pois esse personagem durante todo o romance questionou sua situação financeira na sociedade em que vivia. No entanto, após conseguir se tornar um daqueles burgueses acaba percebendo que não é a situação econômica que lhe traria a felicidade e satisfação.

5.5 ESMERALDA

 

Bela e criativa, mas sempre com um ar meio ausente, Esmeralda, a quem se refere o quinto segmento narrativo deste romance, é uma espécie de musa do grupo. Ela encarna o comportamento liberado dos novos tempos, entrega-se a quem lhe apetece, sem nada exigir, sem se submeter a vínculos ou compromissos. Objeto da paixão juvenil de Edu, ela parece não se interessar por ninguém e conserva uma aura de mistério em torno de si.

            O capítulo inicia com Esmeralda escrevendo uma carta a Dina, lhe informando que não irá ao encontro marcado para outubro de 2008, pois a ideia desse encontro teria virado para ela um pesadelo. Através dessa carta, Esmeralda trará a tona vários acontecimentos de sua relação com Dina como também várias informações que não foram imaginadas pelos personagens e nem mesmo pelo leitor através do desenrolar do romance. Observe:

Tenho muitas coisas para lhe contar, Dina.

A primeira é cancelar definitivamente nosso encontro marcado para o distante outubro de 2008. Por um motivo apenas: esse encontro para mim virou um pesadelo. (SILVEIRA, 2004, p.277).

            Após várias experiências, Esmeralda assume para Dina que o relacionamento entre elas foi o único que realmente considerou ter uma verdadeira amiga, sente apenas não ter sido tão sincera como Dina. Veja o que Esmeralda escreve para a amiga:

Quando penso naquela época em Brasília, Dina, reconheço que foi ali, com você, que tive a relação mais próxima de uma amizade verdadeira que jamais tive na vida. E só agora, quando suponho que amadureci e superei muitas coisas, é que entendo que perdi algo importante ao não ter sido com você, naquele momento, tão sincera como você era comigo. (SILVEIRA, 2004, p.279).

            Esmeralda, ao falar de sinceridade com a amiga, está se referindo a um relacionamento amoroso que teve com um dos namorados de Dina. Traição que a amiga nunca ficou sabendo.

            Essa personagem tão inteligente, linda e desinibida escondia de seus amigos e de todos, acontecimentos relacionados ao seu passado, situações que a marcaram por toda a vida, lhe tornando uma pessoa indiferente diante de determinadas situações, principalmente as que estivessem relacionadas a algum tipo de sentimentalismo.

            A primeira situação que marcou a infância e consequentemente a vida de Esmeralda foi a exploração sexual que sofreu dentro da própria casa por um amigo da família, tendo o pai ciência de tudo que estava acontecendo e não fazia nada para defender a filha. Assim retrata Esmeralda na carta que escreveu a Dina:

[...] Nas primeiras vezes, não aconteceu tudo o que viria a acontecer depois.

Quando conseguia me imobilizar, o que evidentemente não demorava, em se tratando de forças tão desiguais, eu fechava os olhos enquanto ele passava a mão, boca e língua pelo meu corpo e eu me via desfalecer e sair dali. (SILVEIRA, 2004, p.285).

            Após a mãe descobrir o que estava acontecendo, expulsou o marido de casa; a partir daí, Esmeralda saberia do pai apenas por um telefone que informaria sobre a morte do pai. Observe:

Ela o expulsou de casa e o proibiu de se aproximar. Dois anos depois. Numa madrugadinha, um telefonema do Rio nos comunicou que meu pai fora assassinado por motivos nunca claramente definidos, provavelmente num acerto de contas, e isso também nunca contei a vocês, a maneira violenta e sórdida de meu pai morrer.

Não disse, mas deixei que vocês pensassem que minha família era tradicional e abastada. Que éramos da Zona Sul, e que meu conflito com meu pai se devia apenas ao fato de ser milico. (SILVEIRA, 2004, p.287).

            Esmeralda se escondia atrás de máscaras nunca assumiu ser quem era realmente, omitia ou mentia para que pensassem que era o que ela gostaria de ser.

            Esmeralda conta a Dina a maior surpresa durante todo o romance, teve um filho, um filho de Edu, chegou a pensar em abortar como fez várias vezes, mas não teve coragem, por um motivo que ela própria desconhece, Pedro é muito parecido com o pai, até mesmo nas atitudes, pois decidiu estudar medicina em Cuba, e tem as mesmas utopias que o pai tinha. Não cuidou do filho, sempre foi mãe ausente. Pedro foi criado pela mãe de Esmeralda, pois Esmeralda nunca quis ser mãe e considera um deslize ter engravidado de Edu. Veja o que ela diz a respeito:

Edu é o pai. Naquela última noite que passou em Brasília, ele me deixou grávida.

No começo, não quis contar talvez por defesa de privacidade ou rejeição; a gravidez me pegou completamente de surpresa. Foi algo que aconteceu fora do meu controle e me perturbou como poucas coisas na vida conseguiram me perturbar. Eu não conseguia aceitar uma decisão que meu corpo tomara sem me consultar. Eu não queria esse filho. (SILVEIRA, 2004, p.322).

            Esmeralda encerra a carta dizendo a Dina que irá cortar os vínculos, que quer sumir, ir atrás de algo que nem mesmo sabe o que é. Vejam como ela encerra a carta:

Quero, nem que seja apenas por uns tempos, cortar os poucos laços que ainda tenho. Vou sumir por aí, atrás de alguma coisa que não sei o que é. Para isso quero estar, de corpo e alma, entregue ao que de novo aparecer, se aparecer. (SILVEIRA, 2004, p.326).

            O romance encerra com a triste notícia de que Esmeralda morreu durante a viagem, Dina se abala com a notícia. Veja:

[...] Dina vê a foto do passaporte de Esmeralda aparecer na telinha e escuta a voz de Ana Paula Padrão dar a notícia:

“Artista plástica brasileira é vítima de explosão terrorista.”

O copo cai da sua mão.

Continua escutando, mas já não compreende o resto da notícia. (SILVEIRA, 2004, p.330).

             A formação dos cinco jovens vai além da formal, eles aprendem com a vida, com o tipo de sociedade, além disso, temos descrições de Edu no que diz respeito a sua infância e de acontecimentos do seu dia-a-dia, de Tadeu sobre sua experiência em relação a sua doença (AIDS), de Dina a adoção dos filhos e seu relacionamento amoroso. Tonho aprende com seu egoísmo e individualidade e, por último, Esmeralda que percebe o quão importante é cada momento da vida.

            Os cinco jovens analisados na obra apresentam suas opiniões a respeito de diferentes épocas e situações, sendo assim não temos apenas o ponto de vista da autora Maria José Silveira. Cada personagem da obra representa opiniões de situações enfrentadas durante a vida, são jovens com diferentes situações socioeconômicas e com diferentes pontos de vista também. Dessa forma, a metaficção historiográfica não está presente em apenas algumas partes da obra, mas em toda ela, pois conforme apresentado nesta análise, todos os personagens apresentam opiniões sobre os fatos contidos na obra.

Maria Zaira Turchi e Vera Maria Tietzmann Silva (2007, p. 74) autoras do artigo: O fantasma de Luís Buñuel, de Maria José Silveira: da repressão política aos dramas existenciais de uma geração” encerram seu o trabalhado afirmando que com a carta de Esmeralda e com o Epílogo, o romance se fecha, unindo os fios que haviam ficado soltos. Os subtítulos dos segmentos narrativos de Edu e de Esmeralda se completam, “A noite do princípio” (p.11) soma-se à “Manhã do fim” (p.277), sugerindo a plenitude de um ciclo completo.

Ao longo de cada um dos cinco relatos, há ambigüidades, pontos obscuros, perguntas que ficam sem respostas, mistérios no ar. Tudo, porém, vai-se encaixando e as dúvidas todas se aclaram com a progressiva entrada em cena de cada um dos protagonistas. O leitor percebe, ao final da leitura, que tudo se encaixa, que o equilíbrio desejado se estabelece, nem sempre de acordo com os anseios de cada personagem, mas de acordo com o possível e com os misteriosos desígnios de seus destinos.

O longo lapso temporal coberto por este romance (36 anos) também é significativo. Observando como o tema da repressão política tem sido recorrente na ficção dos últimos anos, conclui-se que esse longo período foi também o prazo necessário para que os brasileiros que viveram esse tempo pudessem “digeri-lo” e, finalmente, pudessem falar sobre ele.

No que diz respeito à construção do romance e à utilização dos recursos estilísticos, constata-se que a autora se valeu de toda a sorte de meios para tentar expressar, seja de forma clara ou disfarçada, o clima emocional instalado durante o governo militar, uma atmosfera de medo, de hesitação, de instabilidade e os dramas existenciais de toda uma geração.

Com esse significado, é emblemática a imagem do fantasma de Luís Buñuel. Tendo a consciência crítica de quem viveu os anos 60 e 70 em alerta, o velho cineasta vem conferir a cada década os noticiários para ver como andam as coisas no mundo dos vivos. As notícias de 20 de fevereiro de 2004, estampadas na página de jornal que antecede o Epílogo, dão conta de que a tortura ainda persiste no meio policial – os “anos de chumbo” deixaram seu vício, como se vê. Pode-se arriscar dizer que este romance de Maria José Silveira, que vai permanecer sempre vivo entre nós, está dando sua parcela de contribuição, como o fantasma do cineasta espanhol, para manter um olhar atento e crítico sobre a situação social e política de nosso país.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            No estudo do romance O Fantasma de Luís Buñuel foi analisado o contexto social da época, relatos dos personagens, temas abordados, construção textual. Nessas análises foram utilizados teóricos como André Trouche (2006), Hayden White (1994), Bakhtin (2003) e Linda Hutcheon (1991) para a definição do romance histórico e da metaficção historiográfica.

            A partir das definições por esses autores apresentadas foram analisados na obra a construção dos personagens, analisando a função de sentido em cada um. Sendo assim, este estudo tem por objetivo apresentar a formação ocorrida em cada personagem, tendo como apoio as teorias apresentadas e estudadas. Foram abordados também temas relacionados ao contexto social da época como a violência sexual, homossexualismo, AIDS, repressão política.

            Estudos realizados sobre as teorias de Bakhtin (2003) mostram que o romance de formação é constituído de vários aspectos que chegam ao quinto tipo de romance de formação, esses aspectos estão relacionados à ideia de um herói, de aprendizagem pedagógica e vivencial e da descrição biográfica. Todos eles citados e analisados por Bakhtin estão presentes na obra analisada que teve por objetivo estudar o comprovar cada um deles.

            Estudos de André Trouche (2006), Hayden White (1994) e Linda Hutcheon (1991) apontam para as características históricas e  metaficcionais historiográficas. A análise da obra e as teorias estudadas apontam para uma nova visão sobre a história: um fato histórico contado por outro ponto de vista. O fantasma de Luís Buñuel representa claramente essa ideia, pois temos a história contada a partir do ponto de vista da Maria José Silveira, bem como dos personagens, pois eles apresentam diferentes opiniões no decorrer de todo o romance.

            A leitura de O Fantasma de Luís Buñuel propicia, sem dúvida, um crescimento pessoal e linguístico inigualáveis, favorecendo assim conhecimentos históricos mais amplos. Espera-se que esta pesquisa contribua para um maior entendimento da obra estudada, bem como para o conhecimento acerca do romance de formação e da narrativa de metaficção historiográfica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4 ed., São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BRAIT, Beth. A personagem. São Paulo. Editora Ática S. A. 1993.

HUTCHEON, Linda. Metaficção historiográfica: “O passatempo do tempo passado”. In: Poética do pós-modernismo: História, teoria, ficção. Tradução de Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1991.

MACHADO E PINTO, Lacy Guaraciaba e Divino José. Faces da personagem: teoria. Goiânia: Ed. PUC-GO: Kelps, 2011.

SILVEIRA, Maria José. O Fantasma de Luis Buñuel. São Paulo: Francis, 2004. Editora W 11.

TROUCHE, André Luiz Gonçalves. América: história e ficção. Niterói, RJ Editora UFF, 2006.

TURCHI e Silva, Maria Zaira e Vera Maria Tietzmann. O fantasma de Luís Buñuel, de Maria José Silveira: da repressão política aos dramas existenciais de uma geração. Porto Alegre, 2007.

VENEZUELA, S. Trabucco. Romance de Formação: construção do sujeito e identidade cultural. Momento do Professor. São Paulo, n. 5, primavera de 2004. P. 55-62.

WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso- Ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994.

Internet

http: pt.wikipedia.org/wiki/Bildungsroman. Acesso em: quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012.

http://www.cronopios.com.br/site/colunistas.asp?id=873. Acesso em: quarta-feira, 18 de abril de 2012.

http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/inflacao-economia-planos-pacotes-real.shtml quarta-feira, 2 de maio de 2012

http://www.historiabrasileira.com/ditadura-militar/abertura-politica/ quarta-feira, 2 de maio de 2012

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANEXOS

 

Entrevista com escritora Maria José Silveira. (Consta no site: http://www.labirintosnosotao.com/2008/07/conversas-no-sto-com-maria-jos silveira.html. Acesso em : quarta-feira, 18 de abril de 2012).

A entrevistada da vez é a escritora Maria José Silveira. Nossa conversa no sótão se deu assim:

  1. Qual      é o seu "lugar imaginário" favorito dentro da literatura?


R.
Depende do livro que eu estiver escrevendo no momento. Pois o “lugar” específico onde acontece a história que estou em processo de criar toma conta de meu imaginário, com sua paisagem e seus personagens, e é para lá que vou a cada momento possível.


2. Se você entrasse num labirinto e se deparasse com o Minotauro, o que você faria ou diria para ele?


R.
Medrosa como sou, daria um grito e sairia correndo.


3. Se você pudesse escolher ser um personagem da história da literatura, qual seria?
R.
Emília, Macunaíma ou Riobaldo. Os três, cada um a sua maneira, são apaixonantes.


4. Qual é a importância da imaginação no seu processo criativo?

R. Decisiva. A imaginação é a ferramenta indispensável do escritor. A seu lado, o trabalho da linguagem. Imaginação e linguagem: sem elas nenhum livro de ficção é bom. E para lhes dar suporte: observação (porque a imaginação vem de algum lugar), disciplina (o livro é sempre o resultado de um trabalho intenso e diário), e conhecimento sobre o tema do qual você está tratando (o que, na maioria das vezes, significa pesquisa).


5. Qual foi o autor ou livro que, na sua infância ou adolescência, te fez gostar de ler, ter o prazer da leitura?

R. Na infância, a resposta é clara: “Alice no País das Maravilhas” e todo o Monteiro Lobato. Já na adolescência, a resposta fica complicada porque o nosso universo de leituras vai se ampliando. Mas posso citar os que me vêm mais facilmente à lembrança: Jorge Amado, Lima Barreto, Dostoievski, “Terra dos Homens”, de Saint-Exupéry, e uma autora talvez injustamente esquecida (digo talvez, porque nunca mais a reli e francamente não sei como a leria hoje), Pearl Buck. E também os poetas: Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes, Fernando Pessoa.


6. Se você tivesse uma máquina do tempo, que escritor(a) do passado você desejaria encontrar?


R.
Sou do tipo que separa muito bem a pessoa de sua obra. Vou na contramão da tendência contemporânea de tornar os escritores “garotos propaganda” de seus livros, e pensar que a pessoa que escreve um livro maravilhoso deve ser maravilhosa também. Como não é, fico pensando: e se Dostoiévski fosse um rabugento irascível? E se Shakespeare, um dos meus heróis, fosse daquele tipo que só fala de si mesmo e de sua própria importância? E Virginia Woolf, muito ensimesmada em si mesma, obsessiva e chata?
Não, é muito arriscado misturar essas coisas. Melhor deixar como está.


[1]  Esta análise está presente no seguinte: “O fantasma de Luís Buñuel, de Maria José Silveira: da repressão política aos dramas existenciais de uma geração” produzido por Maria Zaira Turchi e Vera Maria Tietzmann Silva- UFG