1- Os escritos joaninos
As ações humanas de Jesus aconteceram em um espaço e um tempo bem específicos. Entretanto existem poucas informações fora da Bíblia que nos relatem sobre sua vida e obra. Nossa principal fonte de informações são os escritos neotestamentários. E hoje, quando buscamos informações históricas sobre Jesus sentimos essa limitação das fontes extra bíblicas. E se nos baseamos apenas na bíblia nos deparamos com outro problema: os textos bíblicos não foram feitos para dar informações históricas, mas para alimentar a fé de um povo. A mesma afirmação vale para os textos do novo testamento: foram produzidos para alimentar a fé dos cristãos.
Como nossa preocupação, enquanto cristãos, não é somente histórica, mas também e principalmente de fé, buscamos os escritos bíblicos para nos orientar. Isso nos ajuda, alimenta nossa existência, porém não basta apenas uma leitura superficial. Então como conhecer melhor a Jesus a partir dos escritos do novo testamento?
A resposta imediata e de simples operacionalização é nos lançarmos à leitura e à comparação entre os diferentes textos e estilos do Novo Testamento. Lembrando que entre os estilos textuais do novo testamento aparecem os evangelhos, as epistolas, narrativas históricas e o apocalipse. Todos são escritos teológicos e catequéticos, para dar testemunho de Jesus e de sua mensagem. Entretanto como foram produzidos dentro de um universo cultural, trazem informações sobre essa cultura, sobre a história do tempo de Jesus e sobre Jesus.
Podemos dizer, além disso, que todos os escritos neotestamentários nasceram em comunidades bem determinadas e para responder questões específicas dessas comunidades. Assim sendo os escritos joaninos nos trazem informações que nem sempre encontraremos nos evangelhos sinóticos ou nas cartas de Paulo da mesma forma que as cartas paulinas abordam temáticas diferentes das cartas "católicas". Daí a afirmação de que os escritos atribuídos a João são diferentes dos demais e respondem a problemas das comunidades joaninas.

2- Evangelho de João e os sinóticos: algumas diferenças
Uma vez que estamos diante de autores diferentes (ou de comunidades que produziram escritos distintos) vamos tentar entender por que o evangelho de João é diferente dos sinóticos. Quais são essas diferenças? Quem é Jesus, para João?
Antes disso, entretanto, devemos nos lembrar que entre nós e as comunidades que produziram os escritos do novo testamento (no caso os escritos joaninos) existem três distâncias: a) distância cronológica: os textos foram produzidos há quase dois mil anos; b) distância cultural: os textos bíblicos foram produzidos em outra língua, e a partir de outros costumes; c) distância geográfica: estamos no Brasil e os escritos bíblicos nasceram no oriente médio. Isso tem que ser considerado quando queremos entender a linguagem bíblica e o que a os autores da bíblia quiseram nos dizer com sua produção literária.
Notemos que cada evangelho traça um perfil de Jesus e de como ele se manifesta ao mundo. E uma das formas de conhecermos o perfil de Jesus, apresentado por cada evangelista é olharmos como os prólogos de cada evangelho o apresentam. Na introdução do texto está uma chave de explicação sobre como Jesus se manifesta ao mundo?
Em Marcos Jesus, de imediato é apresentado como "Filho de Deus" (1,1); e aparece no Batismo de João anunciando a proximidade do Reino (1,9; 1,15); para Marcos, Jesus é o filho do homem que assume o sofrimento para resgatar a humanidade. Em Mateus Jesus é apresentado como descendente de Abraão (Mt 1,1ss). E o texto de Mateus menciona três blocos de 14 gerações, de Abraão até Jesus (1,17); além disso, é o Messias que está cumprindo as escrituras (Mt 1,22). Para Lucas Jesus aparece numa perspectiva histórica. (1,1-4) e dentro da casa davídica (1,27), mas sua genealogia o liga a Adão (Lc 3,23-38). Com essa perspectiva o evangelista nos coloca diante de um Jesus salvador do mundo, que veio trazer as boas novas da salvação para toda a humanidade.
Por sua vez João apresenta Jesus como o princípio da vida (Jo 1,1); no conjunto deste evangelho Jesus é apresentado como aquele que veio trazer o conhecimento de Deus mediante a fé, por isso ele é caminho, luz e palavra. Ou seja, Jesus não é só o Verbo, mas a luz que se faz caminho. No prólogo joanino há como que um circulo indicando que Jesus Veio do Pai, permaneceu entre os homens (no mundo, diz João) e retorna ao Pai. Antes disso: nos dá o Espírito Santo e nos assume como parte de sua obra.
Além dessas, outras diferenças podem ser mencionadas: nos sinóticos Jesus ensina por meio de parábolas. Em João ele se utiliza de alegorias relacionadas a si mesmo: imagens simbólicas sobre sua condição de mediador entre Deus e a humanidade: "Eu sou a Videira, vós sois os ramos" (Jo 15,1-8); "Eu sou a Porta, quem entrar por mim está salvo" (Jo 10,1-10); "Eu sou o Bom Pastor, e dou a vida pelas minhas ovelhas" (Jo 10,11-18).
Enfim, são várias as diferenças entre João e os Sinóticos. Mas o que isso mostra e porque isso ocorre, se todos falam do mesmo Jesus?
Aqui poderíamos enumerar várias explicações para essas diferenças. Primeiramente, não podemos nos esquece que, como qualquer texto, os escritos do Novo Testamento são produzidos para responder a questões diretamente relacionadas às comunidades de destino. Lucas se dirige aos membros de uma comunidade especifica; Marcos responde a questões que estão angustiando membros de outra comunidade; da mesma forma que Paulo se dirige ora aos tessalonicenses, ora aos efésios. O mesmo ocorre com João. É uma resposta a problemas de uma comunidade formada possivelmente por judeus e convertidos do helenismo.
Além disso, o texto de João é um dos últimos escritos do Novo Testamento. Portanto é natural que seu perfil de Jesus seja não só diferente, por se tratar de comunidade diferente, mas com uma elaboração mais refinada, pois os anos já transcorridos permitiram maior reflexão sobre Jesus e sua prática histórica. Trata-se de uma imagem menos histórica e mais teológica. E os simbolismos e alegorias podem ser creditados também ao contexto político, uma vez que os cristãos se encontravam constantemente inseguros por causa das hostilidades tanto dos Judeus como dos Romanos.
Esses e outros argumentos apenas demonstram a riqueza de possibilidades que temos para conhecer Jesus. São diferentes enfoques que se complementam e nos permitem maior e melhor percepção da profundidade da mensagem que Jesus nos transmite. Podemos dizer que nossa fé e nossa compreensão de Deus são mais plenas por possuirmos tantos e distintos perfis de Jesus. Perfis diferentes que mostram a riqueza de uma mesma mensagem de amor. Não só porque revela que Deus é comunidade (Pai, Filho e Espírito Santo) (1,1-18). Mas uma comunidade que age em conjunto e que habita no meio dos homens (Jo 1,14).

3- O autor do evangelho de João
Já que se fala em evangelho de João, seu autor só pode ser João? Não exatamente. Ou então, que João é esse?
Não é João Batista, filho de Isabel, primo de Jesus. Tradicionalmente a autoria do quarto evangelho é atribuída a João, filho de Zebedeu, o "discípulo que Jesus amava" (Jo 13,23). Mas isso não se sustenta uma vez que esse discípulo era um pescador (At, 4,13) e, de acordo com os costumes da época, é pouco provável que tivesse alguma escolaridade. Em razão disso não teria condições de redigir o texto do evangelho.
A autoria, portanto, é atribuída. Para entendermos isso precisamos entender os costumes do tempo de Jesus. Ao que tudo indica, e essa era uma prática comum naqueles tempos, o discípulo João, que conviveu com Jesus, é o ponto originante do evangelho sem, contudo, tê-lo redigido. Seguramente foi alguém que anunciou a mensagem de Jesus. Suas pregações deram origem a uma comunidade. Alguns integrantes dessa comunidade, para preservar as palavras e a tradição do discípulo que "Jesus amava", ao poucos foi anotando os elementos formadores do texto: os ensinamentos de João a respeito de Jesus, referências aos milagres... Formou-se, portanto uma "escola Joanina" responsável, ao mesmo tempo pela pregação e pela redação que ficou concluída entre os anos 95 e 100. Portanto os escritos joaninos são bem tardios.
Essa hipótese pode ser reforçada em várias passagens. Em Jo 1,19 podemos ler: "Este é o testemunho de João..."; e na "assinatura final" (21,24), se lê que o discípulo dá testemunho da mensagem e a comunidade sabe que "seu testemunho é verdadeiro". Além disso, afirmam os estudiosos: as estruturas do texto e da linguagem demonstram que o texto procede de ambiente judeu e de quem havia convivido com Jesus. Por isso se acredita que o "discípulo amando" seja o personagem originante; mas um grupo de discípulos produziu lentamente os primeiros elementos que deram origem ao texto final (e atual) tudo com base na autoridade de João; daí a utilização da primeira pessoa do plural «nós», que por vezes aparece (3,11; 21,24).

4- Evangelho de João: a estrutura do livro
Qualquer texto (não importa se literário, científico ou religioso) é construído a partir de uma estrutura lógica: uma introdução, o desenvolvimento do tema e a conclusão. Essa estrutura está presente no evangelho de João. A introdução, também chamada de prólogo corresponde a 1,1-18. O desenvolvimento e toda a argumentação desenvolvida em João está compreendido entre 1,19?20,19. A conclusão corresponde a 20,31-32.
Alguns textos escritos possuem um epílogo. Isso também está presente no evangelho de João. Trata-se de capítulo 21.
Essa é a estrutura básica. Própria de todos os escritos. Mas o texto bíblico tem um ingrediente a mais. Sua mensagem é palavra de vida. E por isso, para descobrirmos o centro dessa mensagem, cabe a nós procurarmos outras características estruturantes do texto. Pois a forma da construção denota o tipo de mensagem. E a forma como o observamos indica como somos levados a interpretar esse texto
No caso do evangelho de João podemos dizer que além da introdução e da conclusão existem dois grandes blocos literários, ou temáticos. O primeiro bloco, 1,19?12,50, corresponde ao ministério de Jesus. Suas ações, ensinamentos e sua relação com as pessoas junto às quais realiza os sinais. O segundo grande bloco, 13,1?20,29, corresponde à etapa final do ministério. É a "hora" de Jesus, , quando ele se prepara para se dar como Cordeiro de Deus, na páscoa definitiva. Essa estruturação é adotada pela Bíblia de Jerusalém. Por sua vez a professora Anne Jaubert, da universidade de Paris, além do prólogo, propõe uma estruturação em nove blocos temáticos: 1. João Batista apresenta o Cordeiro; os primeiros discípulos (1,19-51); 2. De Caná a Caná (2-4); 3. Escândalos e discursos (5-6); 4. Grandes controvérsias (7,10); 5. Jesus sobe para a sua morte e glorificação (11,1-12,50); 6. A última ceia e os discursos de adeus (13,17); 7. Relatos da Paixão (18-19); 8. Relatos da Ressurreição (20); 9. Apêndice: à beira do lago de Tiberíades (21).
Mas de que nos serve isso? É bom que se diga que as divisões títulos e subtítulos que encontramos na bíblia não fazem parte do texto original. Portanto, essa organização temática não foi produzida pela comunidade de João. Tudo isso foi acrescentado séculos depois para facilitar nosso estudo do texto bíblico. O que de fato interessa não são as estruturas, mas a mensagem, que é de vida e para a vida.

5- As polêmicas
Quando alguém toma a bíblia para ler um texto a fim de iluminar seu dia, essas divisões e estruturação temática não tem a menor importância. O que importa é apenas a mensagem que ilumina a vida.
O estudioso, entretanto, tem a obrigação de localizar os blocos temáticos. Isso porque é a partir desses eixos temáticos que nos apropriamos e entendemos melhor o texto bíblico e o mundo no qual Jesus viveu. E no caso do evangelho de João os estudiosos localizam esses blocos temáticos, da mesma forma que se percebem eixos temáticos esparramados por todo o texto. E um dos primeiros temas que se manifesta a partir do evangelho de João são os conflitos. E alguns desses conflitos são facilmente identificáveis.
Logo no inicio aparece o primeiro conflito: os discípulos de João Batista se sentem ameaçados pelo crescimento do grupo de Jesus; dirigem-se a João e o interpelam, dizendo que muitos estão aderindo a Jesus: "todos vão a ele" (3,22-36). Outro conflito ocorre contra os Judeus que, inicialmente, não crêem em Jesus; depois manifestam-se contra os seguidores de Jesus (J0 5,9-23). Quase como conseqüência da contenda com os Judeus é a polêmica contra os perseguidores de Jesus e de seus seguidores (12,48), como é narrado principalmente em 15,18?16,4. Contra os gnósticos a polêmica acontecia porque estes negavam a humanidade de Jesus, dizendo que a salvação se daria mediante o conhecimento dos segredos divinos. Essa polêmica aparece tanto nas cartas (1Jo 4,1-3) como no evangelho (o prólogo, 4,6; 11,36) em que se afirma a humanidade de Jesus. Outra polêmica ocorre entre os membros da comunidade; começa a se manifestar um clima de divisão, contenda e inveja. Contra isso João se posiciona. "Quem não ama ao irmão a quem vê, como poderá amar a Deus a quem não vê?" (1Jo, 4,20). O convite ao amor é uma constante no evangelho, como em 15,9-17.
E todas essas contendas, disputas ou polêmicas se apresentam como um convite: aderir a Cristo, o caminho e a luz para o mundo, para que entre os cristãos haja perfeita união "eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade" (17,23). E também para demonstrar o rosto joanino de Jesus: um rosto de amor.

6- Os Sinais e a Hora
Como nos sinóticos ou nos demais textos neotestamentários, João desenvolve alguns temas que surgem da boca ou das ações de Jesus. Eis alguns desses temas: Luz, a hora, os sinais, o mundo.
Em Cana da Galileia, durante uma festa de casamento (Jo 2,1-12) ocorre o "princípio dos sinais", pelo qual Jesus se apresenta e manifesta "sua glória e seus discípulos creram nele". A este primeiro sinal seguem-se vários outros até se concluir com o grande sinal da ressurreição.
Notemos que em Caná, Jesus transforma água em vinho, para a alegria dos convidados. Na cruz ao pedir água, recebe vinagre, que é, por assim dizer, um vinho "estragado" (Jo 19,28-31). E na mesma dinâmica dos fatos, quando o soldado o perfura com a lança, do seu lado sai sangue e água (19,34). Lá em Caná, após a realização do sinal os discípulos creram em Jesus. Agora, aos pés da cruz a proposta é que se creia no discípulo que dá testemunho, pois ele viu, e seu testemunho é verdadeiro. Qual o motivo dessa afirmação? Que o leitor de João também creia, da mesma forma que os discípulos creram (Jo 19,31-35).
Além do sinal realizado nas bodas, vários outros textos se referem aos sinais de Jesus. Um deles é a cura de um funcionário (4,46-54); o sinal da cura do aleijado (5,1-9). Depois tem a multiplicação dos pães (6,1-15); Jesus anda sobre as águas (6,16-21). Cura um cego (9,1-7). Mas talvez o mais espetacular dos sinais tenha sido a ressurreição de Lázaro (11,1-44), manifestando, antecipadamente seu poder sobre a morte.
Deve-se ressaltar que os sinais realizados por Jesus são diferentes dos que são produzidos pelos magos e adivinhos. Enquanto estes se valem de truques, o sinal realizado por Jesus é sinal de vida. A única exigência de Jesus é que se creia, não no sinal, mas em quem realizou o sinal.
Outro tema desenvolvido por João é a Hora. Na realidade é um tema que deriva e move o primeiro sinal, pois ao ser interpelado por sua mãe Jesus responde que sua "hora" ainda não é chegada. Entretanto realiza o sinal. Em algumas outras passagens João reitera que seus opositores tentam prendê-lo, mas, como sua "hora" ainda não é chegada, os algozes não lhe puderam "por as mãos" (7,30 e 8,20), quer dizer, não puderam prendê-lo. Mas no capítulo 12 ocorre uma mudança na perspectiva do discurso de João e na ação de Jesus. Antes a afirmação de Jesus era de que ainda não chegara sua hora. Em 12,23 ele redefine sua trajetória: "É chegada a hora em que será glorificado o filho do homem". Mas em que consiste essa glorificação? Em se dar na cruz. Por esse motivo, a partir do capítulo 13 Jesus faz uma série de discursos aos discípulos, confortando-os e instruindo-os. Sempre mencionando um tempo iminente: a hora da cruz.
Isso implica dizer que é Jesus quem conduz as ações, O teatro da paixão é dirigido por Jesus. Seus opositores, adversários e perseguidores não têm poder sobre ele. Assim, não são os soldados que o prendem, mas é ele que se apresenta (18,4-8). Ele coordena os acontecimentos até a consumação (19,30), até na hora definitiva. E assim, como tudo está consumado, o passo seguinte é se manifestar às mulheres e aos discípulos. A isso se prestam os capítulos 20 e 21. Inclusive com os dois lembretes (20,30-31 e 21,25) com o alerta de que Jesus realizou muito mais, mas o que está escrito é um convite à fé que dá vida.

7- O Mundo e a Luz
Outro tema recorrente em João é o mundo. Principalmente quando esse mundo está relacionado ou contraposto à Luz. O que é o mundo e o que é a luz?
É muito difícil encontrar uma resposta definitiva. Entretanto podemos dizer que Jesus se manifesta como Luz e como tal vem para iluminar o mundo. Mas esse mundo ou não reconhece a Luz ou a rejeita. E assim, ao longo de todo o seu evangelho João coloca Jesus em alguma discussão em que se contrapõe ao mundo.
Já no prólogo, João identifica Jesus, o Verbo-Palavra, como Luz (1,9-10). Mas que luz é essa? Ela é apresentada com as seguintes características: é o Verbo, é verdadeira, ilumina o homem, vem ao mundo, está no mundo, gera o mundo, mas o mundo a desconhece.
Depois disso são inúmeras as passagens em que Jesus recrimina o mundo: ele é objeto do amor de Deus que lhe envia seu filho, mas o mundo preferiu as trevas (3,16-19). Noutro momento Jesus se apresenta como Pão da vida que se dá como alimento "para a vida do mundo" (6,48-51). Jesus é como um farol, ou seja, "luz do mudo", para que seus seguidores não andem nas trevas (8,12; 9,4-5). Numa discussão com os Judeus Jesus os classifica como "de baixo" e "deste mundo" e por não serem capazes de crer naquele que veio do alto, recebem a sentença: "morrereis em vossos pecados". Ou seja, o mundo é ocasião de julgamento, e por ser escuro é local de tropeço. (8,23-26; 11,9).
Tendo caracterizado o mundo como local de trevas, Jesus orienta seus discípulos a respeito de como se portar no mundo/diante do mundo. É preciso fazer-se semente (12,24-25). E apesar de constatar a falta de fé, Jesus afirma que não veio "para julgar o mundo, mas para salvar o mundo" (12,44-48). E, então, faz a definitiva distinção entre sua proposta e a do mundo: "deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo dá" (14,27-30). Por isso o confronto com o "príncipe deste mundo", que não tem poderes sobre Jesus. O que o "mundo" dá, embora pareça, não é paz, mas é treva e sofrimento. O dom de Jesus é a salvação, a superação do "Príncipe deste mundo" e do "maligno".
Os discípulos são retirados do mundo e por isso são odiados pelo mundo, pois o "servo não é maior que seu senhor" (15,18-21). E a vinda do Espírito colocará um ponto final nos erros do príncipe deste mundo que "está julgado" (16,11). Tudo isso para indicar aos discípulos as tribulações e dificuldades vindouras que não devem assustar, pois o mundo já está derrotado: "Tende coragem, eu venci o mundo" (16,33).
E para infundir coragem e segurança nos discípulos, Jesus faz a oração do capítulo 17, pela qual pede ao pai a proteção para os discípulos que, embora originários do mundo "não são do mundo". Assim se entende a prece de Jesus, em relação aos discípulos: "Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno" (17,15).
Então o que é o mundo, contraposto à luz? Dor, tristeza, morte, presença do "maligno" e tudo que se manifesta a partir e por meio das pessoas que não aderem ou não crêem no verbo que habitou entre nós. Esteve presente no mundo que era seu, mas essa criação lhe virou as costas. Para redimi-la foi que o verbo se fez carne e armou sua tenda entre nós (neste mundo).

8- Evangelho do espírito?
"Vi o espírito descer, como uma pomba vinda do céu, e permanecer sobre ele". Esta afirmação de João Batista, e outras referências ao Espírito, tem levado muitas pessoas a dizer que o evangelho de João pode ser chamado também de "evangelho de Espírito". Não parece ter sido essa a intenção de João.
Não que não se possa dizer isso, afinal de contas Jesus promete o Consolador (14,14-26; 16,5-15). O problema está em que algumas pessoas tendem a dizer com isso que nós também devemos nos deter apenas sobre as coisas do espírito. E parece que é exatamente o oposto que João propõe. O Espírito vem para animar a comunidade e não para acomodá-la. Sendo assim a proposta de João é que todo aquele que é seguidor de Cristo, por ter recebido o "Espírito de Verdade" deverá, também, ser capaz de dar testemunho (15,26-27).
A promessa do Espírito permanece, primeiro porque ele será o Consolador; depois porque será aquele que animará a comunidade. Além disso, a concretização dessa promessa somente ocorre após a ressurreição. Ao se manifestar aos discípulos, Jesus ressuscitado sopra sobre eles e lhes diz: "recebei o Espírito Santo". Mas ao receber o Espírito os discípulos também recebem uma missão: ser mediadores do perdão (20,21-23).
Em que consiste essa mediação para o perdão? Em permanecer inserido no cotidiano da comunidade. O discípulo somente saberá o que e como perdoar se estiver em contato com as situações que demandam perdão. Entretanto o primeiro ponto a partir do qual se estabelece o clima e a condição para o perdão é a paz. Por isso a saudação inicial de Jesus. "a paz esteja convosco". E a paz já é fruto da ação do Espírito.
Estando em paz o discípulo perdoa, pela ação do Espírito que deseja a paz. E aquele que é perdoado, pela ação do Espírito e mediação do discípulo, recupera a paz, reintegrando-se à comunidade. A ação do Espírito ou o evangelho do Espírito é o convite à convivência pacífica e onde prevalece o perdão.
Essa perspectiva se confirma quando lemos 17,15-19. Como não é do mundo, Jesus escolhe os seus para não serem do mundo. Entretanto em sua prece pede ao Pai que "não os tire do mundo", mas que sejam preservados "do Maligno".
O que temos, portanto, neste Evangelho do Espírito é um programa de vida: inserir-se na comunidade, sem ser do mundo; ser mediador do perdão e da paz, por ter sido enviado ao mundo. E nisso se manifestam as contraposições. De um lado o Espírito de vida e do outro o Maligno. Mas o fato de se estar em sintonia com a comunidade manifesta a superação do mundo/maligno, para a instalação de um clima de boa convivência com base na paz e no perdão.

Material Pesquisado

A BIBLIA de Jerusalém. 4 impressão. São Paulo: Paulina, 1989
BIBLIA on line. In Capuchinhos Província Portuguesa. Evangelho de João Disponível em: http://www.capuchinhos.org/biblia/index.php?title=Evangelho_de_S%C3%A3o_Jo%C3%A3o. acesso em 25/06/2010
DE LA CALLE, Francisco. A teologia do quarto evangelho. São Paulo: Paulinas, 1978
JAUBERT, A. Leitura do Evangelho segundo João. São Paulo: Paulinas, 1982
SANTIAGO, Rui. In. Jovens Redentoristas. Jesus no evangelho de João disponível em: http://www.jovensredentoristas.com/FORMACAO/6.Curso%20Biblico/6.42.Jesus%20no%20evangelho%20de%20Joao.pdf. Acesso em 05/07/2010

Neri de Paula Carneiro ? Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.
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