1. INTRODUÇÃO

Constantemente temos usado o termo “Eu” para nos referirmos a nós mesmos. Nossas opiniões e ideias são sempre antecipadas pelo “eu acho; eu penso.” Mas o que seria este “Eu” que todos usamos como referência a nós mesmos? – são estas perguntas que se tenta responder ao longo deste artigo, onde serão apresentados conceitos e diferentes abordagens sobre o “Eu” e como ele influencia nossa maneira de ser e agir.

      2. ENTENDENDO O EU

Adentrar no entendimento do que poderia ser o Eu é uma viagem digna de ser feita, afinal, como seres humanos condicionados a possuir este aspecto que completa nossa essência humana, o que nos permite existir e coexistir no mundo. Muitos foram as concepções sobre o Eu no decorrer da história, tanto no campo da ciência (sobretudo na psicologia e na psicanálise), como no da filosofia, o que desencadeou uma quantidade considerável de bibliografias a respeito. Como ponto de partida, iremos refletir nos parágrafos seguintes sobre as principais concepções do Eu, de modo a compreendermos melhor suas indagações.

      3. REFLEXÕES SOBRE O EU

O Eu é sempre pensado como um elemento intrínseco ao homem e que define quem ele é. Inclusive, o simples facto deste artigo ter sido escrito revela a existência do Eu; o simples facto de estarmos pensando e conscientes de tudo mais ao nosso redor insiste a existência deste aspecto consciente do homem que se apresenta como consciente, afinal, o que seria o homem sem um Eu? (referindo-se aqui o Eu como um aspecto personalizador do ser humano e que dita seus pensamentos e acções). Ora, sendo um aspecto personalizador do homem e que define quem ele é, torna-se coerente pensar que o Eu estará sempre presente no homem enquanto este existir. Para entendermos o Eu apresentemos duas abordagens de dois pensadores fundamentais.

      3.1. Em Sigmund Freud

Sigmund Freud (1856-1939), o pai da Psicanálise, apresenta o ser humano como um ser constituído por três aspectos fundamentais para entendermos seus pensamentos e acções. O primeiro aspecto que Freud apresenta é o que ele chamou de Id, aspecto este que justificaria a origem dos desejos humanos. O segundo aspecto é o tema em questão neste artigo: o Eu. Freud argumenta que o Eu (ou Ego) é a parte consciente do ser humano; parte que liga o homem à realidade da vida. O terceiro aspecto apresentado é o que Freud chamou de Superego, que seria a parte que julga as acções do Eu. Ora, o que nos importa aqui é o Eu.

Observa-se que para Freud, o Eu justifica-se pela influência que tem directamente com o mundo real, ou seja, a realidade só é percebida por meio do perfeito funcionamento do Eu, ou seja, o Eu é o que nos liga ao mundo. Percebe-se então que pessoas com doenças mentais (psicóticas) não perdem o Eu, o que acontece é apenas um desvio das estruturas do Eu que o ligam à realidade, o que justifica seus comportamentos incomuns. O Eu põe-se então numa posição de consciência da realidade, que possibilita nos relacionarmos com o mundo a nossa volta.

      3.2. Em Blaise Pascal

Blaise Pascal (1623-1662), filósofo e teólogo francês, em sua obra Pensamentos leva-nos a reflexões sobre o que poderia ser o Eu. Pascal começa dizendo que poderia se pensar o Eu como forma (entendendo a forma como a estrutura física do corpo). Ora, a forma pode mudar repentinamente, tanto por causas naturais como causas exteriores; e mudando a forma, muda-se também o Eu, o que seria improvável, pois o Eu não é algo pronto que venha a mudar de forma a qualquer momento ou que seja submetido às condições exteriores que mudam a forma do corpo.

Pascal continua dizendo que poderíamos pensar o Eu como sendo a beleza dos corpos. Ora, a beleza pode acabar com o correr dos anos; e se o Eu é a beleza, acabando-se a beleza, acaba-se também o Eu, o que seria ilógico, uma vez que o Eu não acaba. Poderia ainda se dizer que o Eu é o juízo ou a memória, o que também seria ilógico, uma vez que, por muitas vezes perdemos o juízo e a memória; e perdendo-se o juízo ou a memória, perderíamos também o Eu, o que seria inconcebível.

Pascal termina suas reflexões perguntando o que seria o Eu, comentando em seguida que o Eu seria o nada, ou seja, devido à sua indefinição poderia se afirmar que o Eu não é um aspecto isolado do homem, mas um conjunto de qualidades que justificam o homem, ou seja, um conjunto de elementos e aspectos intrínsecos ao homem e que formam sua maneira de ser e agir.

      4. A INVENÇÃO DO EU

Poderíamos dizer que o homem tende a inventar “Eu´s” para conviver com os outros na ânsia de ser aceito por eles. Como vimos, o Eu é o conjunto de experiências, características, qualidades e aspectos que constituem o homem. Ora, nem sempre este conjunto de elementos o alegram. Muitas vezes, o homem vê-se como insignificante e passa a desejar a perfeição; em outras palavras, o homem não é perfeito e vê-se como um ser insignificante no mundo, o que o leva a inventar uma personalidade que possa espelhar seus desejos. Tendemos a desejar um grande Eu; um Eu que seja aceito e notado por todos; e quando não conseguimos alcançar este Eu, tendemos a inventá-lo; o homem monta assim uma máscara contendo as qualidades que ele gostaria de ter no seu Eu verdadeiro; o que faz com que tenhamos, dentro de nós, dois Eu´s; o nosso verdadeiro Eu e o Eu que inventamos e mostramos para as pessoas.

Ora, esta invenção dos Eu´s pode provocar angústias e decepções por parte das pessoas com as quais convivemos, afinal, um dia a mascara cai e o nosso verdadeiro Eu se mostra em meio às pessoas que acostumaram-se com o Eu que inventamos. Isso pode fazer com que as pessoas que amamos pecam a confiança que depositaram em nós. Com esta reflexão podemos nos perguntar quem de facto se apresenta com um Eu verdadeiro e não com um Eu inventado. Pode-se considerar que, de certa forma, as relações humanas, muitas vezes pautam-se por enganos.

      5. A CONSTRUÇÃO DO EU

Como vimos, o Eu é um conjunto de qualidades, experiências e características que definem o ser humano. Vimos ainda que o homem tende a inventar outros Eu´s para mostrar aos outros; uma espécie de máscara onde mostra ser aquilo que de facto não é. Ora, esta tentativa de aceitação é natural para o homem, afinal, a procura do Eu verdadeiro sempre será uma aventura que o homem tem de percorrer.

Nem sempre o ser humano inventa um Eu que o possibilite ser visto do jeito que deseja; às vezes, é uma tentativa de construção do próprio Eu, ou seja, sendo o Eu um conjunto de experiências, qualidades e características que nos definem, torna-se claro que este conjunto de elementos são adquiridos no decorrer da vida. O Eu torna-se assim uma construção do homem. Um recém-nascido por exemplo, vê-se possuído por um Eu virgem, o que o leva, à medida que cresce, a percorrer um caminho de construção de personalidade e consequente construção do Eu, adquirindo experiências, qualidades e características que venham a tornar seu Eu mais sólido e maduro.

Quando finalmente o homem se apercebe de que não poderá alcançar o Eu que deseja, muitas vezes faz transparecer um Eu que não o corresponde, onde tenta mostrar o Eu que deseja ser; em outras palavras, quando o homem se apercebe do Eu que tem, passa a ver este Eu como pequeno, insignificante e fora do padrão social, desejando assim um Eu grande, notório e que atenda o padrão social; e é a partir deste momento que o homem embarca na invenção de um Eu; um Eu onde ele possa espelhar as qualidades que deseja mostrar.

      6. CONCLUSÃO

O Eu é tudo aquilo que adquirimos no decorrer da vida, ou seja, são as nossas experiências, nossas qualidades e características que constituem o nosso Eu. O Eu torna-se assim uma construção que o homem faz ao longo da vida e que dita seu comportamento na sociedade. Muitas vezes, o homem apercebe-se de que não pode alcançar o Eu que deseja e, por causa disso, inventa um Eu onde espelha as qualidades do Eu que deseja ser.