O ESTADO ACTUAL DA FILOSOFIA E O SEU PAPEL NA SOCIEDADE ANGOLANA

 

Filipe Miguel Mário Cahungo[1]

 

NOTA DE AGRADECIMENTO

            Agradecer a equipa organizadora deste evento pelo convite; pois é sempre saudável que eventos desta natureza aconteçam e uma honra quando somos convidados.

             Se a filosofia sempre esteve condicionada hoje posso afirmar que ela ganha asas para poder marcar o seu caminho, ou seja é o Kairos da Filosofia em Angola, é o seu tempo oportuno.

             A filosofia em Angola é e ainda não, ela é na medida em que existe nos Curricula das escolas e universidades, não é enquanto um devir, enquanto um discurso que está por construir-se como afirma NGOENHA. Em Angola a filosofia tem duplas tarefas; entrar na história do discurso filosófico africano de modo geral e de modo particular ter um discurso próprio na comunidade dos PLOP.

            Quanto a sua natureza, a filosofia está associada a actividade crítica, é o estudo rigoroso dos conceitos mais básicos que usamos no nosso dia-a-dia, como afirma Desidério Murcho. A filosofia é uma ambição universal da razão, mas ao mesmo tempo, ela manifesta-se por momentos inteiramente singulares, no espaço e no tempo.Prova desta singularidade, geográfica e história é que ela em Angola segue ou seguirá caminhos diferentes.Por filosofia prefiro aceitar a ideia de Karl Jaspers segundo a qual a filosofia é a busca constante, ela é um por se a caminho, ou como afirma Severino Ngoenha “A filosofia não se contenta com o que é, com o que aparece, nem pode admitir a ideia de uma história acabada ou determinada de uma vez por todas.” (NGOENHA, 2004. p. 3).

A Filosofia antes e agora 

O antes da filosofia angolana não existe, porque Angola enquanto Nação não existia. O que posso admitir ter existido são Filosofias dos grupos etnolinguísticos bantu existentes no território que hoje por acidente histórico chama-se Angola.A recente história da filosofia angolana, isto de forma ousada, foi construída com silenciar de vozes. Uma filosofia voltada à escolástica e outra voltada ao Marxismo, confundia-se o filósofo com o militante do Partido e o Sacerdote.Se por um lado a filosofia revestida de segmentos escolástico constituía-se para uma preparação sólida daqueles que viriam a servir o povo de Deus, a filosofia de segmento Marxista servia desubstrato da ideia de País que se pretendia construir, um país feito de homens novos, ao modelo do marxismo[2].Neste período, há uma filosofia sem filósofos como afirma o ilustre Fabien Eboussi Boulaga.

            Será que em Angola podemos falar da existência de uma filosofia ou se ensina História da Filosofia? Se de facto se ensina filosofia onde andam estes filósofos? Pois, a existência de filósofos depende em grande medida da existência da filosofia. O nosso estado actual é bastante frutífero, surgindo várias propostas aos diversos problemas filosóficos. Para o nosso agora penso ser necessário criarmos um momento propriamente angolano, como nos fala Alain Badiou, ao afirmar que existe um momento filosófico francês na segunda metade do seculo XX, comparável em dignidade ao momento grego clássico ou do idealismo alemão. Este momento filosófico francês iria de Sartre, a Deleuze, passando por Badiou, Bachelard, Levy-Strauss, Merleau-Ponty, Lacan, Altusser, Foucault, Derrida.

            Então o momento angolano passa pelos trabalhos de Imbamba, Muanamossi, Mambu, Arminda Filipe e tantos outros que vão surgindo, os trabalhos de Imbambe e Muanamossi tratam de uma filosofia auxiliadora, uma filosofia que se centra na reconstrução do homem angolano. Aquela que poderá corar e sarar as feridas do homem angolano e as duas últimas, estão mais voltadas ao trabalho hermenêutico. A outra tendência é a filosofia de caris libertária que tem sido insistentemente apresentada por Filipe Cahungo[3], é a continuidade da proposta do filósofo moçambicano Severino Ngoenha.

Influências da Filosofia em Angola 

            Temos que admitir honestamente que a filosofia em Angola sofreu forte influências da tradição filosófica ocidental, pois é com o assumir da tradição ocidental que seremos capazes de nos auto -definirmos quem somos e o que realmente seremos. A outra marca da filosofia em Angola é a do substrato escolástico, este é ensinada nos seminários, a de caris mas fortemente revestida de aspectos pedagógica, que é ministrada nos ISCED e a de linha propriamente epistemológico e histórica que se ensina na faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto.

O que a Filosofia ou filósofo tem a dizer para o país?

            O primeiro requisito que penso ser indispensável para um eventual papel da filosofia no debate político angolano, ou o que os filósofos poderão dizer ao País, “depende necessariamente da existência de uma filosofia Angolana. Mas como demonstrou a corrente crítica da filosofia africana (P. Hountondji, Eboussi Boulaga, M. Towa) no âmbito do seu distanciamento da negritude (Senghor, Damas e Césaire) e sobretudo da etnofilosofia (Placide Tempels, Kagame), a existência de uma suposta filosofia, neste caso, angolana, depende da existência de filósofos angolanos legitimados não só pelos diplomas universitários, mas pelo facto de escreverem o que Hountondji chamou de arquivo e, através dele, instaurarem no país uma tradição crítica.”(NGOENHA, 2004. p. 2).

            Pessoalmente para o país o filósofo tem que fazer o esforço de dizer e contribuir para a construção da identidade angolana que contínua num devir, ou seja, precisamos definir sem equívocos o que é a nossa angolanidade e em que consiste a mesma. Mas para isso, portanto, precisa-se por parte do filósofo um diálogo com o resto da comunidade.“Atenção” não defendo um diálogo entre filósofos, até pode ser, mas a minha preocupação é que esse diálogo seja feito com a comunidade. O filósofo tem que falar da fome, do VHI sida, de problemas ecológicos, de problemas políticos e problemas religiosos como já havia afirmado num dos meus artigos publicado no Portal electrónico Webartigos,ao tratar destes assuntos o filósofo deve fazê-los revestido de categorias filosófica, ou seja, como filósofo.Dar a estes conteúdos aspectos filosófico e não como um sociólogo, politólogo, um padre ou pastor e nem menos como um psicólogo como é a moda.Ainda, filósofo, pode dizer que a corrupção é um mal que desestrutura a sociedade, pode ainda dizer que para se ser cidadão não é necessário ser ou estar num Partido político, que a cidadania é superior a militância, embora a militância seja uma maneira de viver a cidadania. “ (…) a filosofia(angolana) tem o dever de continuar a interrogar-se quanto ao melhor regime e às formas institucionais que deve tomar para adequar-se à nossa situação histórica específica.” (NGOENHA,2004. p. 25).

            A filosofia não pode não deixar de questionar e ir ao encontro das causas últimas, pois, “Talvez seja útil recordar que, apesar da sua longa história destituída de uniformidades, a filosofia, no seu procedimento metodológico, continua a fazer apelo àquilo a que o velho Aristóteles chamou de “causas últimas”. Por isso, quando digo que quem faz apelo à filosofia deveria, de modo prévio, clarificar a causa ou as causas que quer defender, trata-se de saber quais são as razões últimas do seu engajamento intelectual: ambições individuais ou sociais? Servir ou servir-se da comunidade?” (NGOENHA, 2004, p. 2)

Recomendações…

            Para o país e as pessoas que estão avidas de um saber filosófico, concomitantemente a sua intervenção tenho a dizer com Ngoenha que “A filosofia necessita de mais tempo. Com isso não quero dizer que ela seja uma arte mais fácil.nem os economistas, ou empresários se podem permitir um tal luxo. As respostas que eles têm que dar são hic et nunc, aqui e agora. É por isso que os objetivos dos filósofos e dos políticos divergem. O político pensa nos mecanismos para aceder ao poder, ele mesmo, o seu partido, a sua família política. O filósofo pensa nos mecanismos susceptíveis de permitir um melhor acesso de um número sempre maior de indivíduos à vida pública. A isto vão estar ligados os seus respectivos modos de acção e intervenção. A política utiliza a «propaganda», os slogans, as intervenções espectaculares; a filosofia é mais discreta, mais reservada.” (NGOEHA, 2004. p. 22).

 

 

[1]Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Angola, pesquisa Filosofia africana nas seguintes áreas: Filosofia politica africana, hermenêutica, filosofia da história africana, filosofia da Arte. Email: [email protected][email protected]

[3]Nesta lista de filósofos e filósofas, consta o nome de Filipe M. M. Cahungo, embora sem nenhuma obra publicada, mas na sua monografia de licenciatura em filosofia, cujo tema é Filosofia africana como um projecto para o Futuro na Perspectiva de Ngoenha e alguns artigos publicados, fala constante mente da necessidade de um engajamento do filósofo aos problemas do seu tempo e da sua cidade. Uma filosofia conciliadora entre o passado e a modernidade.

Obs: Este ensaio é fruto de um café filosófico realizado por um turma de estudantes do 4.ª Ano da Universidade Católica de Angola no ano 2019.