O ESPÍRITO SANTO E OS IDOSOS -
Geraldo Barboza de Carvalho
O Espírito Santo é a fecundidade de Deus Mãe, que gera vida nova sem cessar na Trindade imanente e na Trindade econômica. Aqueles que Ela visita sofrerão mudança profunda: velhos rejuvenescem e sonham; jovens amadurecem e se tornam sábios, anciãos na fé. O Pentecostes concluiu a renovação de todas as coisas em, com, por Cristo. O Espírito Santo, Deus Mãe é coetâneo da criação de todas as coisas em, com, por Cristo antes da fundação do mundo, na Trindade imanente, quando somos gerados filhos e filhas de Deus no Filho Unigênito: juntamente com o Pai e o Filho, Ruah é Criadora de todas as coisas do céu e da terra, as invisíveis e as visíveis. Sendo a vida de Deus e de tudo que vive, Ruah é o DNA, a marca indelével, intransferível de Deus trino e uno, impressa no ser humano, imagem e semelhança do Criador, e em todo ser criado, antes da criação temporal em, por, com Jesus Cristo. O DNA divino é transmitido no momento da geração dos filhos humanos, quando o casal humano reproduz a ação criadora de Deus Trino, pois são imagem e semelhança do Criador, assim como a obra traz as marcas do autor. O DNA divino, a genética, a vida, a inspiração, o amor do Pai e do Filho se expressa nos carismas, dons, habilidades, aptidões naturais de cada ser humano que o fazem único no ser e no agir. Embora sejamos bilhões, cada ser humano é imagem e semelhança do Filho único, amado com o mesmo amor com que Deus Mãe e o Pai amam o Unigênito na Trindade imanente e o Primogênito de toda criatura na Trindade econômica. A presença de Ruah, do DNA divino no coração, no mais íntimo de cada ser humano sela a aliança eterna entre o Criador e cada ser humano antes da criação do mundo, parceria teândrica, com vistas à construção da história pelo homem, inspirada em Deus Trino. A aliança foi rompida com o pecado, mas refeita por Deus do Gn ao Ap, proclamada pelos profetas, anunciadores dos sonhos divinos pra humanidade, cujo mais maravilhoso é a aliança de amor do Deus uno e trino conosco. Assim fala Javé pela boca de Jeremias: "Eis que dias virão em que selarei com a casa de Israel uma aliança nova. Não como a aliança que selei com seus pais, no dia em que os tomei pela mão pra os fazer sair da terra do Egito, aliança que romperam, embora eu fosse o seu Senhor. Agora, porei a minha lei no seu seio e a escreverei em seu coração. Todos, os menores e maiores, me conhecerão, porque vou perdoar a sua culpa e não me lembrarei mais do seu pecado. Libertar-vos-ei de todas as vossas impurezas. Dar-vos-ei um coração novo, porei no vosso íntimo um espírito novo, tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Derramarei o meu espírito sobre toda a carne. Vossos filhos e filhas profetizarão, vossos anciãos terão sonhos. Sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus. Agora vós sois o povo de Deus, uma raça eleita, um sacerdócio régio, uma nação santa" Jr 31,31-34; Ez 36, 26-28; Jl 3,1; 1Pd 2,9-10. Na Escritura, o sonho é instrumento de revelação divina: sonho de Jacó, de José do Egito, de José, esposo de Maria. Mas, o sonho aqui é lugar teologal esperança messiânica, virtude, que faz o justo pela fé vislumbrar como realizado hoje algo que só se concretizará em plenitude no futuro. O sonho de Javé é refazer a criação decaída, que ódio de Satanás pelo Criador refletido na arrogância humana, tentou levar ao fracasso: "Eis que faço novas todas as coisas. Vou criar novo céu e nova terra. As coisas de outrora não serão mais lembradas, não tornarão a vir ao coração" Ap 21,5; Is 66,17. Idosos terão papel de vanguarda na recriação de todas as coisas. A obra prima da recriação é a mulher e o homem que, pela encarnação do Filho, se tornam filhos e filhas do Pai e Deus Mãe, no Filho Único, mediante a fé, que nos comunica o Espírito filial e nos faz chamar de Abba, Pai querido, o Pai de Jesus. O DNA da filiação divina nos é comunicado na encarnação de Jesus, que nos permite usufruir da ternura do Pai e consolação de Deus Mãe. Maravilhado, exclama João Evangelista, testemunha ocular fidedigno da nova criação: "Caríssimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e nossas mãos apalparam do Verbo da vida, vo-lo anunciamos, pra que estejais em comunhão conosco e completa nossa alegria seja: o Pai vos ama: desde já somos filhos de Deus, mas o que seremos não se manifestou ainda" plenamente 1 Jo 3,2. A filiação divina é dom gratuito mediado por Jesus Cristo, que assumiu a natureza humana na plenitude do tempo para fazer-nos partícipes da natureza divina: O Unigênito fez-se homem para divinizar o ser humano. Com isto, Jesus realizou todas as esperanças e promessas do AT, iniciando a nova de Deus Mãe, a mais importante promessa de Javé. O espírito da Lei se realiza em, por, com Cristo. "A Lei foi dada por meio de Moisés; a graça e a verdade, por Jesus Cristo", portador de Ruah pra recriar todas as coisas Jo 1,17. Ora, o contexto da nova criação (gravidez de Isabel, Maria, o nascimento de João Batista e o de Jesus, incluindo a apresentação no Templo) é dominado por figuras de idosos cheios de Deus Mãe, mostrando que o Pentecostes aconteceu desde a encarnação do Verbo. O Pentecostes propriamente dito desdobra e ratifica o Pentecostes encarnatório. Zacarias, Isabel, Simeão, Ana eram idosos cheios do Espírito Santo, que os fazia sonhar, ver o futuro presente na Pessoa do menino Jesus. Os idosos Zacarias e Isabel geraram João Batista, que "ficará cheio do Espírito Santo inda no seio da sua mãe" Lc 1,15. Dito e feito: recém-grávida de Jesus, Portador de Deus Mãe pra todos os povos, Maria foi visitar Isabel, grávida de seis meses de João. "Ora, quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança estremeceu no seu ventre, ela ficou repleta do Espírito Santo e exclamou: ?Bendita és entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me vem que me visite a mãe do meu Senhor? Feliz é aquela que creu, pois será realizado o que lhe foi dito da parte do Senhor" Lc 1,40-45. Então Maria, com o Salvador no ventre, o coração cheio de alegria, cantou o Magnificat, onde aparecem figuras de idosos famosos, como Abraão e demais patriarcas, as primeiras testemunhas e depositários fiéis das promessas do AT, que se realizam no NT. Depois, Zacarias, "repleto do Espírito Santo, profetizou" o futuro "profeta do Altíssimo", João Batista, lembrou a figura emblemática do rei Davi, a quem Javé prometeu "desde os tempos remotos pela boca de seus santos profetas um poderoso Salvador, que libertará seu povo de seus pecados, herdará o trono de Davi, seu pai, e reinará para sempre na casa de Jacó e o seu Reino não terá fim, lembrado da aliança sagrada, juramento que fez ao nosso pai Abraão de nos libertar dos nossos inimigos e o servirmos em santidade e justiça em sua presença, todos os nossos dias" Lc 1,46.68 s. Quando José e Maria apresentaram Jesus no Templo para cumprirem a Lei de Moisés, "Simeão, que era justo e piedoso e esperava a consolação de Israel, o Espírito Santo estava nele e fora-lhe revelado por Deus Mãe que não veria a morte antes de ver o Cristo Senhor. Movido por Ruah, veio ao Templo, tomou o Menino Jesus nos braços e bendisse a Deus, dizendo: Agora, Senhor, podes despedir teu servo em paz, porque meus olhos viram a salvação?. Simeão abençoou os pais de Jesus e disse à mãe, Maria: Eis que esse Menino foi posto para a queda e soerguimento de muitos em Israel e como um sinal de contradição ? e uma espada traspassará tua alma ? pra que se revelem os pensamentos íntimos de muitos corações. Também a profetisa Ana, avançada em idade, agradecia a Deus e falava do Menino a todos que em Jerusalém esperavam a redenção" Lc 2,25-38. Todos os idosos presentes no contexto da chegada do Filho de Deus ao mundo pertencem ao AT, mas já estão visitados pelo Espírito Santo que transborda do Salvador, pois traziam no coração a fé e a esperança de Abraão de verem realizadas as promessas de Javé ao povo. Em virtude de sua esperança messiânica, já pertencem à nova aliança e pela graça de Jesus Cristo são justificados mediante a fé, antes da encarnação do Verbo. Foi nessa fé e esperança que "Abraão viu o Dia de Jesus e se alegrou" Jo 8,56. Os judeus se indignavam com o aparente e zombeteiro anacronismo de Jesus: "Não tens ainda 50 anos e viste Abraão? Em verdade, em verdade, vos digo: Antes que Abraão fosse, Eu sou" Jo 8,57-58. Jesus é da genealogia da fé de Abraão. Por isto, a fé de Abraão é a mesma que os cristãos temos em Jesus Cristo. Jesus diz que seu Pai é o Deus de Abraão, Isaac e Jacó, Deus dos Patriarcas. Paulo de Tarso vê igualmente a fé dos cristãos em linha direta com a fé de Abraão: "Prevendo Javé que justificaria os gentios pela fé, disse a Abraão: Em ti serão abençoadas todas as nações. Pois o justo vive pela fé. As promessas de benção são feitas a Abraão e à sua descendência, que é Cristo. Abraão creu em Deus e isto lhe foi levado em conta de justiça. De modo que os que são pela fé (em Jesus Cristo) são filhos de Abraão e abençoados junto com Abraão, que teve fé" Gl 3,6-11.16. De Abraão à "profetisa Ana, da tribo de Aser" Lc1,36, todos os idosos presentes no contexto da salvação trazida por Jesus são protagonistas do seu projeto salvífico, não personagens de segunda linha. A fé e esperança em Jesus os põem na linha de frente do projeto salvífico naquele que vem. O segredo desses protagonistas idosos é que os projetos de Deus só se realizam mediante a fé, sejam as pessoas idosas ou jovens como Maria e José. Todos esses idosos e jovens são pessoas de fé comprovada e Deus pode contar com elas. Sobretudo os idosos sabem dos seus limites, mas sabem também que a idade não é obstáculo intransponível ao poder de Deus, que, paradoxalmente, revela seu força na fraqueza: tira a vida da morte, cria do nada e faz uma mulher idosa estéril (biologicamente impotente) parir muitos filhos. Esterilidade e fragilidade são paradigmas da postura de fé, em vez de óbices pra ela. Para Deus agir por meio de nós, não precisamos apresentar-nos diante dele com poder e força: basta apenas dispor-nos a levar a sério a aliança com Deus, com garantia de sucesso, ainda que nos apresentemos diante dele com a fraqueza das mãos vazias de prestígio ou que trabalhemos contra a aliança. Quem tem fé sabe que para Deus nada é impossível: mulheres, homens de passado podem ser escolhidos por Deus para realizar grandes obras. Pedro mentiroso e covarde foi escolhido para ser o líder da nova comunidade de fé criada por Jesus. Saulo, perseguidor dos irmãos de Jesus, foi escolhido para ser o Apóstolo das gentes, que fez a fé cristã sair de Jerusalém e ganhar o mundo. Agostinho de Hipona, que levou vida errada até os 30 anos, tornou-se o maior teólogo da Igreja. É nesta linha da fraqueza que toma força o Magnificat: "Minha alma exalta o Senhor, meu espírito exulta em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua pobre serva, fez em mim maravilhas Aquele que é santo. Por isso, doravante todas as gerações bem-aventurada me proclamarão, conforme prometera aos nossos pais, em favor de Abraão e sua descendência pra sempre" Lc 1,46. A descendência de Abraão é mesma da Mulher: Jesus Cristo.
Na Escritura, idade avançada significa, pois, firme fé, vida santa, justa, cheia da vida de Deus, no plano do tempo divino (kairós), não do tempo humano (chrônos) dos longos anos de vida biológica. Vida biológica só tem valor se posta a serviço da vida eterna em forma de doação, de morte a si mesmo, como fizeram todos esses idosos e jovens de fé, além de Jesus, o mais jovem de todos, e também o mais velho, pois sempre existiu junto de Deus e é Deus com o Pai e Deus Mãe de toda a eternidade. A pessoa inda é uma criança diante da eternidade de Deus, pra quem mil anos valem por um ano. Por isso, sendo a fonte da vida, apesar da idade inumerável, Deus é o ser mais jovem. Por isto, um jovem de firme fé é um ancião, por participar da eternidade de Deus pela fé. Embora jovem, é maduro na fé, pois está envolto no Espírito, na vida de Deus. Matusalém morreu aos setecentos anos. Não é possível, biologicamente, alguém viver 700 anos. "A idade máxima do homem na terra é 80 anos", diz a Escritura. Diz ainda: Para Deus, "velhice não é longevidade, nem é medida pelo número de anos; as cãs do homem é a inteligência, a velhice, uma vida santa" Sb 4,8-9. Com certeza Matusalém era ancião (presbítero) na fé, participava da juventude eterna de Deus. É dessas pessoas, idosas ou jovens, anciãs por participarem da eternidade de Deus pela fé: "Aquele que crê em mim já tem a vida eterna", e jovens por viverem no kairós, na presença de Deus, plenos da vida de Deus que não fenece, por beberem da água da Fonte da vida que não acaba, que faz Deus o eternamente jovem, é do tronco virente das pessoas de fé que Javé costuma começar algo de novo na história da salvação. Da fé de Abraão, ele iniciou a geração de um povo santo, embora pecador, mas justificado pela fé em Jesus, a legítima descendência de Abraão, homem de fé, do qual se reclama a fé de Maria, Mãe de Jesus, o Descendente da mulher. Da fé de Maria, herdeira da fé de Abraão, Javé iniciou o povo da nova aliança, herdeiro direto da bênção de Abraão através de Jesus Cristo, pela fé. Disse Isabel a Maria: "Feliz aquela que creu, porque o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido". Para ser filho de Deus, basta acionar a fé de Abraão e Maria, concretizada em plenitude em e com, por Jesus. Os que o rejeitam estão fora da fé de Abraão: "ele veio pra o que era seu e os seus não o receberam. Mas todos que o receberam, creram no seu Nome, deu-lhes o poder de tornarem-se filhos de Deus, os quais não nasceram do sangue, da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas (da fecundidade) de Deus. Desde já somos filhos de Deus, mas o que seremos ainda não se manifestou. E porque sois filhos, o Pai derramou em vossos corações o Espírito do seu Filho, que clama Abba! Pai querido. Deixai-vos conduzir por Deus Mãe. Todos que são conduzidos pelo Espírito do Pai e do Filho são filhos de Deus" Lc 1,45; Jo 1,12; Gl 3,15-16; 4,4-5; 5,18; Rm 8,14; 1 Jo 3,2.
Ruah foi derramada nos corações de muitos idosos ao longo do AT, pela fé e esperança deles no Salvador. Deus realizou maravilhas por seu povo a partir das obras de fé desses idosos e idosas. Por isso, de Abraão a Simeão, idosos, estéreis, virgens são protagonistas da ação salvadora da SS Trindade, não agentes secundários, mostrando que a ação criadora de Deus se dá no nada absoluto: tudo que é criado origina-se em Deus, não em outros seres ou materiais pré-existentes. Idosos, estéreis, virgens são biologicamente incapazes de gerar vida nova do ponto de vista da geração natural. Virgens só geram vida nova com relação sexual ou fecundação de células genitais. Mas Deus intervém e quebra o ciclo da biologia, rompe os obstáculos da esterilidade e da idade e faz casais de idosos serem fecundos como se fossem jovens, e moças virgens gerarem filhos em seus ventres sem relação sexual com homem, porque para o Criador de todas as coisas nada é impossível, por mais estranho e absurdo que pareça aos olhos sem fé. Para escândalo da louca sabedoria do mundo, idosos e estéreis geram filhos por ação de Deus nos corpos delas e se tornam personagens centrais da história da salvação. A partir de Abraão e Sara, passando pelos pais de Sanção, Samuel e João Batista, numerosos homens e mulheres idosos estão no fulcro da ação salvadora de Javé. "Entoa alegre canto, ó estéril, que não deste à luz; ergue gritos de alegrias, exulta, tu que não sentiste as dores do parto, porque mais numerosos que os filhos da esposa são os filhos da abandonada. Não temas, porque não tornarás a ficar envergonhada, não te sintas envergonhada, porque não serás confundida, tu não te lembrarás o opróbrio de tua viuvez, pois teu esposo será teu Criador. Por isso, eu mesmo vou seduzi-la e conduzi-la ao deserto e lhe falar ao coração. Desposar-te-ei a mim para sempre na justiça e no direito, no amor e na ternura, na fidelidade, e tu conhecerás Javé. Dirás em teu coração: quem me deu todos esses filhos à luz? Pois que eu estava sem filhos e estéril, exilada, rejeitada! Quem criou estes? Assim diz Javé: Aqueles que esperam em mim não ficarão confundidos" Is 54, 1.4-5; 49,21.23; Os 2,16.21-22. Eis revelado o mistério da fecundidade dos estéreis e idosos: Jávé, o Senhor da vida, é o esposo apaixonado, que ama, fecunda seu povo, esposa estéril, morta pela incredulidade, mas feita viva, fecunda pela fé e esperança reavivadas. Simeão é o porta-voz desses idosos e estéreis, mortos biologicamente, mas vivos pela fé e esperança, quando diz: "Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo, porque meus olhos viram a salvação". Viram à luz da fé e da esperança, como Abraão o viu primeiro. A esperança deles num futuro feliz se realiza no Menino Jesus, o catalisador e realizador das promessas e esperança do AT. Realiza-as sem destruí-las. "Não penseis que vim revogar os Profetas e a Lei. Não os vim revogar, mas dar-lhe pleno cumprimento". Jesus não veio destruir a Lei e toda a economia salvífica antiga, nem consagrá-la como intangível, mas dar-lhe, pelo seu ensinamento e pelo dom da vida, uma forma nova e definitiva, na qual se realiza, afinal, plenamente aquilo a que a Lei se encaminhava? Mt 5,17; Dt 4,8. Jesus realiza o espírito da Lei, que estava morto, porque a Lei foi reduzida ao formalismo da letra. ?Isso é verdade, sobretudo, a respeito da justiça. "Ouviste o que foi dito (AT); porém, eu vos digo" (NT). Realizando o espírito da Lei e Profetas, Jesus faz o preceito legal tornar-se interior, atingir o desejo e os motivos secretos dos nossos atos. O amor fraterno, que já era exigido pela Lei (Lv 19, 19) torna-se o mandamento novo de Jesus (Jo 13,34) e o cumprimento de toda a Lei? (Rm 13,8). A nova lei está no coração do ser humano: chama-se Ruah, geradora da vida e santidade em nós. A prova máxima do amor é o dom da vida como Jesus ao assumir corpo semelhante ao nosso corpo de pecado e dar a vida, imolando-se voluntariamente por nós na cruz (não pelas mãos de outros), para lavar nossas imundícies com seu sangue. Para perpetuar o dom da vida, Jesus instituiu o memorial da eucaristia, a transição mais radical do AT pra o NT: o antigo sacrifício de animais caducou com a auto-imolação do Cordeiro santo por nós uma vez por todas. A imolação do Primogênito é o ponto culminante de sua missão na terra. Quando comeu da última ceia com os Doze, Jesus diz: "Ardentemente desejei comer esta ceia convosco até que se realize no Reino de Deus". Trata-se da ceia da antiga aliança, que ele costumava comer todo ano com os familiares, cujo fim aproxima-se com a decisão de Jesus de se imolar por nós e se nos dar em alimento. Jesus não comeu da ceia da nova aliança, porque Ele é o alimento da nova ceia. A instituição do memorial da vida, morte, ressurreição e envio do Espírito do Ressuscitado aos nossos corações significa o ponto chave da chegada do Reino de Deus entre nós. A eucaristia é o sinal que o poder de Deus domina entre nós para sempre. Todos os inimigos do povo - a Lei morta, a culpa patológica, a baixa auto-estima, o pecado, a morte - foram derrotados pela entrega de Jesus por nós na cruz. Com a ressurreição de Jesus, iniciada na encarnação do Verbo, foi selada a morte do pecado do mundo (social e psicológico sofrido) e do pessoal (praticado), morte consumada com o sacrifício de Jesus na cruz, como o novo Cordeiro pascal, feito pecado, maldição em nosso lugar, para destruir a maldição, expiar o pecado, livrar-nos da a morte em definitivo. Por isto, o sacrifício de Jesus não é uma morte comum, mas dom consentido e livre da vida, que explode pujante na ressurreição, derrotando pra sempre a morte eterna, o inimigo maior. A ressurreição de Jesus, seguida do Pentecostes, selou em definitivo a chegada do Reino de Deus no mundo. "Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. Por um homem veio a morte e também por um homem veio a ressurreição dos mortos. Como em Adão todos morrem, em Cristo todos serão vivificados. A seguir, será o fim, quando Jesus entregar a realeza a seu Deus e Pai, após destruir todo principado, autoridade e poder. Pois é preciso que ele reine, até que Deus ponha todos seus inimigos debaixo dos seus pés. O último inimigo a ser destruído será a morte" 1 Cor 15,20-26. Era para isso que Jesus desejou ardentemente comer a última ceia da antiga aliança e instituir a nova ceia, que anularia a validade da antiga aliança. Em conseqüência, é instalado o Reino de Deus e a vida divina ficará em definitivo ao alcance de todo que, pela fé, quiser aderir à vida de nova criatura. A nova aliança não é mais na Lei, mas no amor de Deus, derramado feito água vivificante nos corações, comunicando a vida de Deus ao ser humano, mediante a fé. Esta esperança veio pelos idosos desde o tempo de Abraão. Todos sonhavam com a chegada do Dia de Javé, que derrotaria todos os inimigos do povo e restabeleceria o Reino de Davi. Os discípulos conviveram 3 anos com Jesus e esperavam que ele restabelecesse o Reino tão esperado. Até no dia da ascensão, ainda perguntaram a Jesus: "Senhor, é agora o tempo em que irás restabelecer a realeza de Israel? Não vos compete conhecer os tempos e os momentos que o Pai fixou com sua autoridade, respondeu ele. Mas recebereis a força de Ruah, que descerá sobre vós e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, até os confins da terra". A chegada de Deus Mãe confirmará e dará visibilidade ao Reino de Deus instaurado por Jesus como semente. Pentecostes é o coroamento do Dia de Javé, a partir do qual, não mais Jesus, mas os discípulos assumirão a gestão do Reino de Deus, impulsionado pelo Espírito Paráclito, que é a memória de tudo que Jesus disse e fez. O profeta Joel retrata os efeitos de Pentecostes, já ensaiado pelos idosos acima: "Naquele Dia derramarei o meu espírito sobre toda a carne. Vossos filhos e filhas profetizarão e os anciãos terão sonhos". Jovens ficarão adultos, idosos rejuvenescerão, porque a presença do Espírito de Deus entre nós renova todas as coisas, deixando para trás tudo que é velharia e lixo. O poder de Ruah inverte a lógica dos sábios do mundo e instala nos corações a lógica paradoxal do direito e da justiça de Deus, segundo a qual pra nascer é preciso morrer, para subir é preciso descer, para ser grande é preciso fazer-se pequeno, para governar é preciso servir não ser servido, para ser senhor, é preciso ser servo. Revolução sócio-cosmológica nunca vista. "Envias teu Espírito e renovas a face da terra; farei novas todas as coisas; as coisas antigas passaram", foram substituídas pelas novíssimas, criadas pelo poder de Ruah atuante no Ressuscitado. Todos que aderem a Jesus pela fé são encarnados, crucificados, mortos com ele na cruz, onde destruiu o homem velho e a velha mulher, com seus corpos e membros de pecado, produtores das obras mortas dos descendentes da Serpente, seguida da ressurreição dentre os mortos com Cristo, ?feitos criaturas novas?, pedras vivas do novo Templo de Deus Trino, ramos vivos da videira, membros do Corpo de Cristo, nosso Rei e Profeta, sumo e eterno Sacerdote a interceder por nós dia e noite junto ao Pai, e vivemos a vida nova dos filhos e filhas de Deus, guiados por Deus Mãe, o Espírito do Pai e do Filho, o Primogênito de toda criatura na ordem da graça divina no mundo Sl 103 (104),31.