O ENSINO DE HISTÓRIA: DIRETRIZES, PERSPECTIVAS E DESAFIOS

Prof. Me. Ciro José Toaldo 

 

Primeiro agradeço por essa oportunidade de refletir a respeito do Ensino da História e suas perspectivas, bem com seus desafios. Desde que comecei a lecionar História, no início da década de oitenta, já trabalhava com os livros da saudosa professora Elza Nadai e, lembro-me que aquela extraordinária professora/escritora afirmava:  

“..Dificilmente encontraremos quem desconheça o papel da História para ajudá-lo na compreensão de si, dos outros e do lugar que ocupamos na sociedade e no dever histórico” .(Elza Nadai, 1993).

Essa afirmação de Nadai, afirmando ser difícil encontrar quem desconheça a importância da História para a compreensão de si, do outro e de nosso lugar e o papel na sociedade, na verdade, para muitos de nossos alunos, em especial os adolescentes, há um questionamento muito grande quanto à utilidade do conhecimento histórico em seu cotidiano que desconfiam da real serventia do estudo dessa ciência para vida. Portanto, caso não exista um preparo por parte do professor, estudar história torna-se um peso. Esta postura duvidosa dos discentes pode ser vista como reflexo do trabalho, geralmente, desenvolvido nas aulas de História do Ensino Fundamental e Médio. É perceptível, não só a falta de informação no que se refere à função dessa disciplina, como também há um grande desinteresse por parte dos alunos.

E se for buscar onde se encontra a causa dessa postura por parte de nossos alunos, veremos que o problema esta na forma como o professor vai lecionar essa disciplina, que infelizmente a trata nos moldes tradicionais, centralizando suas aulas em sua pessoa, empregam recursos apenas o quadro, o livro didático e a sua voz, além de não deixar explícitos quais os objetivos de suas aulas e o valor do conteúdo estudado. Sem deixar de dizer que ainda para muitos professores o estudo da História continua sendo associado a uma lista de datas, fatos, nomes de grandes personagens, quase que uma lista telefônica exclusiva de pessoas importantes.

Também não devo deixar de mencionar que quando se fala do Ensino de História, no contexto atual, não podemos esquecer da árdua luta existente contra preconceitos que em época da mundialização do capital, acabam fazendo emergir forças dentro e fora da escola. Portanto, quero dizer que uma das essências da disciplina da História, encontra-se na formação do ser humano - que com certeza devem estar acima dos anseios do mercado e do capital. E assim, fica um dos primeiros questionamentos: nesse tempo da era da informática, Internet, mundo globalizado que significado tem o PASSADO para nossa sociedade?

Será que estudar história, nesse resgate do passado consiste apenas em decorrer nomes, datas, saber de fatos, apenas par coloca-los nas provas?

Vivemos no século XXI, em meio a tantas discussões precisamos repensar como anda o Ensino da História.  Creio que devemos entender que é necessária uma verdadeira mudança na educação, uma revolução em suas estruturas e em seus conceitos. Não quero aqui afirmar que em nada avançamos. Muito já conseguimos. Temos muitos professores comprometidos e com vontade de fazer com que a forma de ensinar a História mude.

Lembro-me, aqui dos meus idos tempos de graduação e toda a trajetória para chegar ao  mestrado e, as cidades de Capinzal e Joaçaba (em Santa Catarina), bem como minha querida e amada Naviraí, foram locais fundamentais para a minha paixão que se chama HISTÓRIA, mas essa vontade de querer fazer algo, muitas vezes incompreendida por parte de alguns, foi furto da ação de alguns professores que encontrei em meu caminho que de forma destemida e corajosa (estudei história na época do regime militar), mas a vontade daqueles professores em ensinar a História de maneira entusiástica, fizeram-se  hoje estar atuante e exercendo minha profissão e, não partindo para outro ramo profissional. Aproveito homenagear alguns brilhantes professores, como: Terezinha Cubas (saudosa memória), Ernesto Casol, Paulo Cimó, Wilson Biasoto.

Mas, voltemos a discutir a respeito do ensino de História, não seria muito traçar aqui uma breve trajetória desta ciência e perceber como ela foi enfocada no decorrer do processo histórico, para isso recomendo um livro gosto de trabalhar com meus alunos da História Econômica, para que tenham uma visão geral da História – O que é História – Vavy Pacheco Borges – Editora Brasilense – nº 17 da Coleção Primeiros Passos (na seqüência irei abordar mais a respeito desse livro e dessa autora):

* iniciando lá na  antiguidade, de modo especial entre os gregos, Heródoto que é conhecido como o Pai da História e também entre os  romanos, entretanto a História foi identificada com uma visão essencialmente voltada para ações heróicas, com uma grande valorização da classe dominante, entre os romanos, por exemplo, destacando a ação dos governantes, especialmente na época do Império com os Imperadores.

* Na Idade Média há uma estrutura intelectual, uma nova atitude em relação à história, afastando-se dos atos heróicos e centralizando-se no teocentrismo, sendo este distanciado dos estudos históricos irá se enaltecer o papel da Igreja;

* A partir do Renascimento século XVI e, sobretudo no século XVIII, quando o humanismo colocou o homem como centro do conhecimento – antropocentrismos - a História passou a ser aceita como disciplina e, temos na França, a grande luta da burguesia para introduzir uma educação pública, gratuita e leiga;

* No século XIX, o Estado tornou-se o grande objeto de estudo, correspondendo ao período de hegemonia da história política, balizada nas concepções positivistas (Comte), tendo como mais notável representante Leopold Von Ranke. Também no século XIX, com a efetivação da sociedade burguesa e a solidificação do capitalismo, este capitalismo passa a ser criticado como forma de organização da sociedade – destaque para Karl Marx e Engels, elaboram uma nova concepção filosófica de mundo (materialismo dialético) e aplicam esse método à História com o nome de materialismo histórico - para eles o que move a história é a luta de classes – entre dominantes e dominados – daí surgir o termo Teoria dos Modos de Produção - surge o socialismo que acabou sendo uma alternativa para a classe operária que passa a se organizar.

Obviamente que a história positivista vai se opor à visão marxista e será na França que vão ocorrer às primeiras transformações do ensino da história – a revisão desse ensino da História é feito pelos professores universitários da França na década de 30 e são trabalhos publicados na Revista Anaes de História Econômica e Social, cujo primeiro número foi publicado em 1929, esse grupo fica conhecido como escola francesa ou escola dos anaes, grandes iniciadores forma Marc Bloch (morre pela causa que abraçou, morreu fuzilado pelos nazista em 1944) e Lucien Febvre (falecido em 1956). Esse grupo dos de historiadores da escola dos Anaes ou A escola historiográfica Annales passa a lutar contra uma história que fosse somente política, narrativa e factual.... passam a estudar não só as mudanças, mas também as permanências na história: há uma preocupação com os detalhes do cotidiano dos homens, em seus diversos grupos sociais.  

* Surge a partir dos Annales a História Nova e a possibilidade de se ter uma outra prática da História, inclusive nas salas de aula com a diversidade dos documentos históricos que podem ser utilizados, a complexidade da abordagem, rompendo com a História de “vencidos e vencedores”, a possibilidade de interlocução com outras áreas do conhecimento: Economia, Antropologia, Geografia, Filosofia entre outros.

* Outro nome dentro do contexto da Escola dos Annales e da História Nova que não pode ser esquecido é FERNAND BRAUDEL que passa a inserir uma mudança na cronologia do estudo da História, estabelecendo uma divisão mais racional, que acompanha a “lentidão” das estruturas sociais, estabelecendo fatos da conjuntura, de uma síntese das conjunturas e da estrutura, facilita a compreensão de processo histórico, localizando as transformações das civilizações, não  o relato de conquista de determinado Império, decadência de outro.

A História Nova proporciona criatividade, mobilidade e pesquisa para a sala de aula, aquele conhecimento que seria “passado”, na História Nova é descoberto, problematizado, relacionado com outras situações semelhantes.

* Não posso deixar de mencionar outros dois grandes Historiadores Peter Burke  e Jacques Lê Goff que buscam demonstram que a história não pode se interessar apenas pelas questões políticas, relacionada ao relacionada ao Estado, mas dentro do contexto da nova história é preciso se interessar por toda a atividade humana. Estes historiadores afirmam que é preciso romper com os paradigmas tradicionais que estabelecem a história como essencialmente uma narrativa dos acontecimentos, mas precisamos repensar a história, tendo uma preocupação com a análise das estruturas.

* Outro aspecto apresentado por Burke é que a história, ligada aos paradigmas tradicionais, oferece uma visão de cima, se concentrando nos grandes feitos dos homens, estadistas e generais. Ao restante da humanidade foi destinado um papel secundário no drama da história. Por outro lado, vários novos historiadores estão preocupados com  “a história vista de baixo”.

* A Historia Nova rompe com o paradigma tradicional que afirma que a história deveria ser baseada em documentos  e registros oficiais. O preço dessa contribuição foi a negligência de outros tipos de evidência. Entretanto, o movimento da “história vista de baixo”, demonstrou  como os  registros oficiais em geral expressam o ponto de vista oficial. 

* Vejo aqui, caros pedagogos e uma grande questão, pois devemos pensar, não apenas na questão da forma como estão sendo conduzidas as aulas de história, seja na Educação Básica, no Ensino Superior, mas deviríamos também pensar como estamos elaborando nossas pesquisas, sobretudo as nossas monografias, pois hoje, um dos grandes problemas que a apropria História Nova ergueu das fontes e dos métodos. Aqui daria também uma grande discussão. Especificamente no que diz respeito aos  historiadores, para romper os paradigmas tradicionais foi preciso começar a fazer novas perguntas sobre o passado, para escolher novos objetos de pesquisa e buscar novos tipos de fontes para contestar os documentos oficiais.

* Hoje podemos trabalhar com a História Oral, como Paul Thompson; ou a História das Imagens e até mesmo com a História das Mentalidades. 

*Lembro-me de meu professor no Mestrado, o Doutor Osvaldo Zorzato, que esteve na FINAV EM 2001 proferindo uma palestra sobre os índios em sua “Anotações sobre a História Oral”, assim se expressou ao encerrar suas Anotações: “Poderia dizer que os grandes modelos explicativos que buscam dar conta de uma história total estão em profunda crise. Vive-se, hoje,  aquilo que convencionou-se chamar a ‘crise dos paradigmas’ que tem afetado as ciências sociais como um todo. O fim de um certo ‘monoteísmo teórico’ resultou na perda de referência par muitos pensadores. Mas isto permitiu o afloramento e o desdobramento de um bom número de formas de pensar e repensar o rico universo das experiências humanas. No campo da história, a chamada história oral parece ser uma dessas formas.” (1992, p.7)

                        E como fazer nossos acadêmicos se apaixonar pela História, se temos uma trajetória em nosso país de não valorizar o passado? De dizer que quem estudo o passado estuda coisas mortas. Sem sombras de dúvidas precisamos entender a nossa realidade e ligar o passado com o presente e ajudar a transformar esse presente é como diz Fontana:

“Um dos grandes desafios que temos como historiadores é o de voltar a metermo-nos nos problemas do nosso tempo, como fizeram no passado aqueles nossos antecedentes que ajudaram melhorar as coisas com seu trabalho”

            Quem estuda a História não pode estar frente a um estudo pronto e acabado. Nosso estudo deve ajudar a construir o conhecimento e nosso conhecimento precisa sair da faculdade, ganhar o espaço junto as nossas escolas do Ensino Fundamental e Médio...

Meu recado aos professores do Ensino Fundamental que neste ano vão escolher seus livros didáticos de História: estabeleçam critérios na escolha desses livros; coordenadores pedagógicos ajudem seus professores nessa tarefa e muito cuidado quando substituímos as obras clássicas da História....

            Repensemos: O professor que recita acontecimentos “como um papagaio”, que faz de cada aula o desfile de 200 anos compartimentados, torna em que medida atraente o estudo da História?

“Só aprendemos aquelas coisas que nos dão prazer.” (Alves, 1994)

Penso que diante dessas considerações, faz-se necessário repensar as praticas docentes e acadêmicas a respeito do ensino da História. Para o século XXI é indispensável um trabalho mais aprofundado com visualidade, como também é necessária a incorporação de novos objetos, temas, linguagem e tecnologia. Com certeza, fazendo da teoria a prática, aproximando o fazer historiográfico do ensino e tornando o aluno sujeito atuante da história e de seu processo de aprendizagem, haveria menos alunos que odiassem a disciplina História e que desconhecesse o papel desta na sua vida social.

O ensino de história não pode reduzir-se a memorização de fatos, a informação detalhada dos eventos, ao acúmulo de dados sobre as circunstâncias nas quais ocorreram. A história não é simplesmente um relato de fatos periféricos, não é o elogio de figuras ilustres. Ela não é um campo neutro, é um lugar de debate, às vezes de conflitos. É um campo de pesquisa e produção do saber que está longe de apontar para o consenso.

O importante não é só o acervo de conhecimentos que se deve selecionar para instruir o ensino, igualmente importante é a maneira como se deve realizar este ensino, o modo como o ensino é trabalhado. Ou seja, a metodologia de trabalho na escola. Alfabetizar, por exemplo, pode ser feito por diversos métodos: alfabetizar a partir da vivência, da realidade dos alfabetizados, fazendo com que eles ampliem o conhecimento de sua realidade e incorporem outros conhecimentos, exige um determinado método, não qualquer método.

Se vamos ensinar história do Brasil, sob qualquer método estudaremos o Descobrimento, Capitanias Hereditárias, Colonização, Império e República. O modo como vamos tratar estas questões é que pode alterar o significado do conteúdo. Podemos estar ensinando para que a criança saiba responder a uma série de perguntas, mas podemos ensiná-la a compreender a história e a importância das relações históricas deste país. As histórias individuais são partes das histórias coletivas. Os fatos históricos não se explicam por si só, eles se tornam compreensíveis, deixam de ser mudos, quando colocados em relação a outros fatos dentro de um conjunto maior.

Que tipo de ser humanos queremos formar? Agente transformador na construção de um novo mundo, posicionando de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais?

Vamos nos convencer que precisamos:

  • LEVAR NOSSO ALUNO A PARTICIPAR DO PROCESSO DA APREENDIZAGEM;
  • DEVEMOS CRIAR SITUAÇÕES DE APRENDIZAGEM ESTABELECENDO RELAÇÃO ENTRE PRESENTE E PASSADO;
  • QUE O MELHOR CAMINHO É O DA PROBLEMATIZAÇÃO – DE NADA VALE ENTREGAR TUDO PRONTO AO ALUNO – AMBOS CAMINHAM JUNTOS;
  • DEVEMOS TRABALHAR COM DOCUMENTOS – FONTES DIVERSAS DE INFORMAÇÃO: CARTAS, LIVROS, RELATÓRIOS, PINTURAS, ESCULTURAS, FOTOS, FILMES, MÚSICAS, LENDAS, FALAS, CONSTRUÇÕES, VESTIMENTOS, ..
  • TRABALHO C/ LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE FONTES BIBLIOGRÁFICAS – PROFº PRECISA ENSINAR O ALUNO A FAZER LEITURA CRÍTICA E SABER DIALOGAR COM O TEXTO;
  • O TEMPO NO ESTUDO DA HISTÓRIA – É UMA PRODUÇÃO CULTURAL; TRABALHAR COM DIFERENTES PERSPECTIVAS DE TEMPO, COMO: TEMPO CRONOLÓGICO – CALENDÁRIO; TEMPO DA DURAÇÃO (CURTO, MÉDIO E LONGO); RITMOS DE TEMPO – NATUREZA, FÁBRICA, ESCOLA... ;
  • ESTUDOS DO MEIO – QUE PRIORIZAR A SAÍDA DA SALA DE AULA, MAS TUDO DENTRO DE UMA GRANDE ORGANIZAÇÃO METODOLÓGICA.

 

A postura dos professores deve ser aberta o suficiente para perceber que, embora o planejamento do programa do curso seja indispensável, é necessária flexibilidade para mudar alguns temas ou aspectos no transcorrer do período letivo.

É papel do professor, ampliar os conhecimentos de seus alunos, estabelecendo a referência com a realidade em que eles interagem, em todos os sentidos.

Oxalá, o ensino da História possa contribuir efetivar a educação que tanto sonhamos e que possamos nos  mobilizar para transformar o processo de ensino e aprendizagem em momento de crescimento e de resgate do prazer em se conhecer e compreender o mundo e a sociedade em que vivemos, buscando ativamente alternativas individuais e coletivas de melhoria das condições sociais.

Tenho consciência que faltou elencar um pouco da evolução do ensino de História no Brasil.. mas deixaremos essa argumentação para outra oportunidade.