O Ensino da Língua Portuguesa

O Ensino da Língua Portuguesa é o tema desta resenha. Mário Alberto Perini, autor de Para uma Nova Gramática do Português, publicado em São Paulo, 1985, Editora Ática, 96 p., ISBN: 8508016603, apresenta uma proposta de renovação do ensino gramatical nas escolas, a partir de uma crítica, com exemplificação, das bases teóricas da gramática tradicional.

Muitos são os linguistas que criticam a gramática tradicional, considerada inadequada, ultrapassada, simplista e sem conexão com a realidade. Três são as falhas principais desta gramática: inconsistência teórica e falta de coerência interna; caráter predominantemente normativo; enfoque centrado no dialeto padrão escrito. A pergunta que o autor levanta, então, é: o que colocar em seu lugar? Seu objetivo é estimular a discussão dos grandes traços de uma nova gramática, pedagógica, que sirva de apoio à renovação do ensino.

Perini estrutura seu trabalho da seguinte forma:

Prefácio – no qual o autor apresenta o objetivo a que se propôs para escrever a obra

Capítulo 1 - Introdução – inicia a discussão da problemática de como descrever a língua em novos moldes, discutindo a questão da escolha do arcabouço teórico que deve ser adotado. O autor defende uma proposta diferente, uma “solução de compromisso”: a inclusão de uma dupla descrição na gramática – uma, superficial, da estrutura sintática e outra, da interpretação semântica. No dizer de Perini, a semântica será uma “espécie de antologia de apêndices à descrição gramatical” (p.11).

Capítulo 2Doutrina explícita e implícita – com base na definição de “sujeito”, na gramática tradicional (GT), o autor demonstra como a GT traz uma outra definição subjacente, implícita, que faz com que a aprendizagem da gramática envolva duas tarefas aparentemente não-relacionadas. O resultado da presença dessas duas definições – a implícita e a explícita – é um discurso incoerente, que leva o professor a assumir, por vezes, posições autoritárias, de “dono da verdade”. Para Perini, a forma de mudar essa prática é assumir uma atitude intelectual crítica, que exija um nível de rigor e coerência em todos os conceitos e estudos de gramática.

Capítulo 3Os três problemas básicos – Este é um dos capítulos mais densos do livro, destinado a dissecar a tríade de pontos relevantes, que devem ser compreendidos antes de buscar uma renovação da gramática. São eles: a relação entre o aspecto semântico e o formal da linguagem; o que é “paradigma gramatical”; a distinção entre classes e funções.

O autor observa o quão complexa é a relação entre forma e conteúdo, e como essa complexidade deve ser considerada ao se propor a formação de uma nova gramática, a qual deve ser embasada em uma teoria semântica muito mais rica e complexa do que a tradicionalmente utilizada. O conceito de paradigma gramatical é estabelecido como uma noção que permita a formulação de definições morfológicas e que possibilite a apresentação compacta de grupos de palavras flexionalmente relacionadas. Além disso, os paradigmas serão importantes como apoio à descrição da estrutura semântica da língua, visto que estabelecem um relacionamento semântico sistemático entre os seus membros.

Por fim, a questão das Classes e Funções, cuja distinção na gramática tradicional é pouco satisfatória. O autor aponta que a inexistência de termos para acomodar certas classes (como, por exemplo, o sintagma nominal), faz com que o comportamento dessas classes seja descrito de maneira não-sistemática, o que prejudica a compreensão e deixa escapar uma importante generalização da língua. Uma classe é um conjunto de formas lingüísticas, enquanto a função é um princípio organizacional da linguagem. A classe, pois, representa a relação paradigmática entre as diversas formas que podem desempenhar uma – ou várias – funções, em um determinado contexto. Em outras palavras, é preciso que se saiba que uma função é ocupada por uma classe particular de formas, e que essa classe particular pode ocupar outras funções, em outros contextos. Como destaca o autor, uma boa gramática deveria descrever as formas (fonologia, morfologia e sintaxe) da língua e explicitar o relacionamento dessas formas com o significado que veiculam.

Capítulo 4As bases da nova gramática – O capítulo-núcleo da obra, que traz as questões que o autor considera fundamentais para a construção de uma nova gramática. Os temas foram selecionados arbitrariamente e, como alerta o autor, é um convite à pesquisa de mais e mais temas que possam ser investigados, no amplo espectro do ensino da Língua Portuguesa.

Com relação ao estudo do significado literal (semântica) e o que modifica esse significado (o aspecto pragmático), Perini apresenta duas maneiras de se encarar essa associação e opta por uma - admite a existência de significados literais que podem ser diferentes dos significados finais de uma sentença e propõe a separação entre semântica e pragmática como uma forma de simplificar o trabalho de elaboração a gramática, por dispensar a consideração do contexto extralingüístico e sua complexidade na descrição do significado.

O autor é defensor da descrição do significado na gramática, mas com a ressalva de que essa descrição deve obedecer “categorias”: os aspectos semânticos devem ser apresentados em termos de propriedades semânticas de estruturas lingüísticas; os aspectos pragmáticos, em termos de interpretações semânticas aliadas ao contexto; os aspectos funcionais, em termos de análise do discurso. Este último item é outro tópico abordado, e Perini entende que a gramática não pode escapar de levar em conta certos aspectos concernentes a essa análise do discurso, ainda que não haja uma teoria coerente que guie a investigação nesse tema.

Um outro item tratado neste capítulo é a análise da elipse e dos constituintes vazios. O autor lança mão de entidades “abstratas” para realizar uma análise sintática, todas as vezes em que esse emprego traga vantagens de interpretação semântica, de coordenação a estruturas paralelas e enquadramento em estruturas típicas da língua, dentre outras. No caso da inclusão de constituintes vazios (não-realizados fonologicamente), Perini admite que não há uma resposta aceita universalmente à questão da delimitação dos casos em que se pode permitir a introdução desses elementos para a análise sintática. No entanto, registra que deve haver uma seleção criteriosa das propostas, quando da elaboração de uma nova gramática.

Classes de palavras é o último tema do Capítulo 4, e nele o autor inicia a discussão com um questionamento da conveniência de se considerar a palavra como unidade básica de análise. É preciso rever fundamentalmente a idéia de classe de palavras defendida do ponto de vista da gramática tradicional pois, a partir do momento em que se admite a definição de classes de acordo com o comportamento sintático das palavras, nos deparamos com o problema insolúvel das classificações contraditórias – palavras que ficariam em uma classe segundo um critério, mas em outra, segundo outro critério. É preciso, ainda, averiguar se os fatos da língua revelam as coincidências entre os traços definidos por meio de critérios sintáticos e, por fim, como hierarquizar esses traços, segundo sua importância para a análise. O sistema de classificação por traços, afirma Perini, permitirá o tratamento de casos que não podem ser analisados convenientemente pela gramática tradicional. Em resumo, deve-se buscar criar uma classificação realmente funcional das palavras da Língua Portuguesa, observando-se toda a sua riqueza e complexidade.

Capítulo 5Os dados da análise – este é um capítulo que permeia a doutrina da gramática – onde encontrar textos que reflitam o “português-padrão” do Brasil? Perini sugere a adoção de textos de linguagem técnica e jornalística, por serem exemplos de uniformidade gramatical e, portanto, material adequado para elaborar-se a descrição gramatical com maior coerência. Ademais, o texto não-literário não tem, em sua essência, a construção de um estilo próprio e, o mais importante, o texto não-literário é o instrumento diário de compreensão e aquisição de conhecimentos a partir de textos escritos.

Capítulo 6 Vocabulário crítico – parte importante para esclarecer alguns termos menos usuais, ajudando o leitor menos imerso no universo da terminologia da Língua Portuguesa.

Capítulo 7Bibliografia comentada –o tradicional guia para quem deseja aprofundar-se no assunto.

Para uma Nova Gramática do Português é um livro instigante para o professor e para o interessado no estudo da Língua Portuguesa como instrumento prático de compreensão da realidade e expressão dessa compreensão, tanto na forma falada quanto na escrita.