O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA A FALANTES DO PORTUGUÊS POPULAR DO BRASIL*

Juliano Ramos Santos**

RESUMO: Neste artigo, pretendemos analisar o ensino da língua portuguesa a falantes do português popular do Brasil, tendo como principal foco de interesse dissertar acerca da bipolarização sociolingüística brasileira, enfatizando a relação entre o português culto e o português popular, ressaltando o papel da escola no processo de ensino da língua portuguesa.

Palavras chaves: Ensino, Língua Portuguesa, Português Popular, Escola, 

INTRODUÇÃO

“(...) uma reduzida parcela da populaçao tem acesso ao “português”, isto é, a norma-padrao, enquanto a maioria da nossa população só dispõe de seu vernáculo materno – o português popular”. (Bagno, 2000:36) 

O ensino da língua portuguesa aos falantes do português popular do Brasil é fato de discursos entre os teóricos. Partindo do pressuposto que, toda e qualquer língua muda no tempo e no espaço, o que é fácil de comprovar se considerarmos as mudanças entre o português arcaico e o contemporâneo e os falares das diferentes regiões brasileiras, podemos concluir que a língua portuguesa, “trazida” pelos colonizadores, não é a mesma de hoje.

Um olhar desprentesioso à nossa volta é suficiente para nos levar a perceber que a língua falada pela maioria dos brasileiros difere, e muito, da descrita na gramática tradicional. Como se a “língua culta” ensinada nas instituições educacionais fosse uma língua estrangeira. Mas a verdade é que o português “culto” ensinado é um produto exterior implantado no Brasil como mecanismo ideológico.

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*artigo apresentado ao professor Gredson dos Santos, da disciplina Constituição Histórica do Português Brasileiro, do curso de Letras da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, campus XXI, como requisito para a complementação de nota.

** Discente do VI semestre, vespertino. *

Na nossa cultura o que predomina é uma divisão. De um lado existe o português “culto”, uma norma-padrão, um ideal de língua que é defendida pelas Gramáticas Tradicionais. Do outro lado um português popular, constituído de variedades lingüísticas, e falado pela maioria dos brasileiros, constitui o nosso vernáculo, nossa língua materna.

Sendo assim, se no Brasil já existe uma língua nacional, falada pela maioria da população, por que continuasse a ensinar a língua portuguesa aos falantes do português popular do Brasil?Percebemos uma incoerência no ensino do português. Daí a observância de compreender o papel da escola na disseminação do português culto.

 

1. Implantação e hegemonia da língua portuguesa no território brasileiro

 

“Com seu enorme território (mais de 8milhões e meio de quilômetros quadrados) e a sua população de120 milhões de habitantes o Brasil não está em proporção com Portugal (92.000 quilômetrosquadrados e nove milhões de habitantes). A língua desse imenso país é, no entanto, o português. Essa massa de lusófonos brasileiros contribui de uma forma decisiva, na altura do século XXI em que vivemos para fazer do português uma língua de importância internacional”. (Teyssier, 2001:93)

 

No século XVI o continente europeu expandiu-se e colonizou novos territórios. A colonização da América do Sul pelos portugueses e espanhóis acarretou na implementação de usas línguas nos paises conquistados.

A 22 de abril de 1500, Pedro Álvares Cabral chegou às costas do Brasil, de que toma posse em nome do rei D. Manuel de Portugal. A implantação da língua portuguesa no território brasileiro obedeceu ao fato supramencionado. Os portugueses, que no Brasil chegaram, realizaram um processo de colonização e evangelização, utilizando como instrumento para instrumento de dominação as línguas indígenas. “Os jesuítas eram os responsáveis pela expansão da fé e pela educação da colônia”. (Mattos e Silva, 1997:16). Para desempenhar essa função eles aprendiam a língua do povo a ser convertido, ou seja, a língua indígena foi sendo convertida, transfigurada e conquistada.

O território brasileiro foi sendo povoado por povos e, principalmente, por línguas. Com a colonização o português foi implantado no Brasil. Mas, esse não foi o único fator que contribuiu para a formação do português falado no hoje no nosso país. Inúmeros foram os processos sócio-históricos que interagiram na constituição do português que falamos. O português brasileiro nasceu da “linguagem adulterada dos negros e índios” (Silva Neto, 1960:21) e da língua portuguesa, além de outras línguas aqui chegadas, trazida pelos imigrantes.

Ressaltamos que todas as línguas aqui chegadas ou as já existentes possuíram um papel importantíssimo na construção do português brasileiro. A língua brasileira é o fruto vivo da morte de outras línguas. Nossa língua é multilíngüe de origem devido à diversidade lingüística que foi transplantada com a ampliação dos horizontes lingüísticos, decorrentes da colonização. Pois essa acarretou na miscigenação em grande escala de homens europeus e mulheres indígenas, no cruzamento de negros e brancos e a chegada dos imigrantes.

Esses fatores supracitados tornaram esta área americana, multilíngüe de origem, ainda mais complexa linguisticamente. Pois, a língua brasileira é um “caldeirão” de mistura de outras línguas.

O português falado no Brasil é fruto do encontro da língua portuguesa, língua de dominação, com muitas línguas autóctones e as diversas línguas aqui chegadas. Mas, mesmo sendo influenciada por inúmeras línguas, na história do português do Brasil a língua que adquiriu hegemonia foi a língua portuguesa.

O fato de a língua lusitana possuir um grau maior de importância decorreu de fatos históricos. Em 1957, o Marquês de Pombal definiu o português como língua da colônia. Esse decreto de Pombal transforma as línguas gerais em línguas associadas como a barbárie e a língua portuguesa passa a ser vista como língua de civilização.

As línguas indígenas serviram ao colonizador quando seu domínio as dava através da fé cristã, enquanto que o uso da língua portuguesa se tornou parte dos padrões civilizados necessários para o domínio do colonizador por meio dos Estados Absolutistas.

A política lingüística de Pombal representa o genocídio das outras línguas, como por exemplos as indígenas que se encontra em perigo de extinção, agonizantes, pois não estão sendo mais usadas.           

A dominação da língua portuguesa explica-se pelo seu prestígio superior, que forçava os indivíduos o uso da língua que exprimia a melhor forma de civilização. Essa atitude foi o mecanismo social que permitiu a manifestação lingüística da vitalidade da língua portuguesa.

     

 

 

2.O papel da escola no ensino da língua

 

Partindo do pressuposto que é na escola que a língua portuguesa se legitima é importante definir seu papel no processo de disseminação da Língua Portuguesa.

Tendo em vista que, à escola pública brasileira chega, cada vez mais, uma grande quantidade de estudantes, de camadas populares, a língua prescritiva da escola está muito distanciada dos usos reais da maioria daqueles que alcançam à instituição escolar.

Em uma sociedade tão complexa quanto a nossa, a escola reveste-se de uma observância capital, pelo seu poder ideológico, pois é nesta instituição educacional que ocorre o ensino da língua, que é utilizada “como veículo de ideologias que transmite o pensamento de uma sociedade, e que dentro dela que a transformação histórica realiza progressos e desvios necessários”. (Murrie,2001:11)

As contradições do ensino do português são melhores especificadas quando lançamos um olhar sobre os métodos pedagógicos da escola. Pesquisas mostram o elevado número de evasão escolar, os jovens se desinteressam pelo estudo, com razão, pos aprender uma língua que não faz sentido nas suas vidas e que ainda é intitulada como Língua Portuguesa. Esse fato nos remete a concordar com o lingüista Marcos Bagno, que em seu artigo “Ensinar português ou estudar brasileiro?”, diz:

 

     “Eu não sou português, e se essa língua tem esse nome é porque ela pertence a um outro , não pertence a mim. Ora, quem mais poderia falar bem e certo uma língua chamada português se não um povo também chamado “português”? Não é óbvio e evidente(...)”

 

 O que acontece é que as pessoas vão à escola para “saber falar certo” e os professores se queixam que seus alunos “falam errado” e tornam-se frustrados , pois não conseguem “melhorar o português”. Mas, este método de ensino não é coerente, tendo em vista que ensinar deste modo é ratificar a noção de que milhões de brasileiros que falam variedades lingüísticas, falam errado ou não sabem o português e assim nasce o preconceito lingüístico.

Infelizmente, é no âmbito escolar que o preconceito lingüístico encontra sua maior aliada. É interessante a afirmação dos Parâmetros Curriculares Nacionais referente à Língua Portuguesa, citada por Bagno no seu artigo supramencionado, que diz:

 

Há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades lingüísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas. O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença. Para isso, e também para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma ‘certa’ de falar — a que se parece com a escrita — e o de que a escrita é o espelho da fala — e, sendo assim, seria preciso ‘consertar’ a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha em um dado momento histórico.  

   

A escola não pode mais furta-se – como fez durante muitos séculos – ao tratamento dos fenômenos da variação lingüística. O que predomina nas instituições educacionais é o antagonismo entra a língua falada pelo aluno versus a língua que a escola quer.

As instituições de ensino devem compreender a diversidade lingüística como fenômeno natural da comunicação e investigar/construir propostas pedagógicas que favoreçam a coexistência entre essas várias expressões lingüísticas nas atividades curriculares do ensino da Língua Portuguesa, passando a visualizar a língua não só como instrumento social de comunicação, mas também como componente cultural de um grupo social, refletindo, conseqüentemente a diversidade e variabilidade no tempo e no espaço.

 

O professor de língua portuguesa vive hoje um grande dilema: continuar a prática do ensino da gramática normativa ou modificar sua prática a partir da contribuição da lingüística. (Mattos e Silva, 2002:45)

 

O professor tem que saber reconhecer os fenômenos lingüísticos que acontecem em sala de aula, identificar a característica sociolingüística de seus alunos, para, junto com eles, executar uma educação em língua materna que considere os conhecimentos lingüísticos dos docentes e que acarrete na ampliação infinita do seu repertório verbal e de sua competência comunicativa, construindo assim relações sociais permeadas pela linguagem cada vez mais democrática, sem descriminações.

O ensino do português no Brasil deverá ser enriquecido com a possibilidade da aquisição da norma-padrão que a escola não deve esconder de seus alunos, por razões sociais evidentes. Não pretendemos aqui traçar novos objetivo para o ensino da Língua Portuguesa. Trata-se, na verdade, de indicar, pela reflexão, como melhorar o desempenho lingüístico dos escolarizados.

O papel da escola encontrasse definido nas palavras do lingüista João Wanderley Geraldi que diz: “... ela poderia diminuir o fosso que sapara a cultura popular da cultura erudita e, com o tempo, instruídas pala escola, uma e outra seriam uma coisa só, com evidente erradicação da primeira e entronização da segunda. E aí está a função da escola: distribuir a cultura pela transmissão de conhecimento.” (2002:33).

 

 

3.O embate entre a Língua Portuguesa e o Português Popular do Brasil

 

   Aula de Português *
Carlos Drummond de Andrade 

 

 A linguagem na ponta da língua
tão fácil de falar e de entender.

A linguagem na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia, em que pedia para ir lá fora, em que levava e dava pontapé, a língua, breve língua entrecortada do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.

* in "Poesia Completa", Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 2002, pág. 10089

Carlos Drummond de Andradeem sua Aulade português dá um testemunho do outro da língua, de sua duplicidade. Ao falar que o português são dois, o poeta parece, ao mesmo tempo em que clama pelo retorno à materna língua - que lhe pertencia, que lhe era familiar;língua fácil de falar e de entender, língua de viver, íntima língua da qual foi arrancado -, revelar - aturdido, atropelado, seqüestrado – o desconfortável encontro com essa outra língua, estranha.

Sabemos que em 1757, com o Marquês de Pombal é que o português é definido como língua da colônia, consequentemente obriga seu uso na documentação oficial. A partir desse momento um padrão de linguagem é instituído no Brasil, acarretando na visão das outras línguas como incorretas.

A realidade sociolingüística brasileira é bipolarizada, pois existe a língua portuguesa, ou seja, o português culto, e o português popular, que seria a língua falada pelos milhões de brasileiros que falam variedades lingüísticas consideradas não-padrão.

Segundo Geraldi (2002) no estudo e no ensino de uma língua as diferentes instâncias sociais, não podem deixar de serem consideradas, pois os processos interlocutivos ocorrem no interior das diversas e complexas instituições de uma dada formação social. Sendo assim, a língua caracterizada enquanto produto da história vem marcada pelos seus espaços sociais deste uso.

Tendo em vista, as diferentes instâncias sociais, é possível afirmar que a língua falada no Brasil é fruto da diversidade e convive com ela, tanto regional como social. Partindo desse pressuposto, é possível afirmar que não existe no território brasileiro uma homogeneidade da língua, sendo assim não existe a expressão “falar errado”.

“Saber português” é, geralmente, considerado privilegio de poucos. Os grupos dominantes, detentores dos bens políticos, econômicos e culturais de uma sociedade acreditam também serem os detentores de uma língua mais correta, do que a falada pela classe pobre da sociedade. Mas, esses brasileiros que se consideram “cultos”, não só descriminam o modo de falar da maioria da população que é analfabeta, pobre e excluída, como também, descriminam sua própria variedade lingüística. Existe na mentalidade dessas camadas cultas, a idéia de que no Brasil ninguém fala bem o português, nem eles mesmos.

E nesse ponto eles estão certos. “Brasileiro não sabe português, e nunca vai saber, porque somente o português conhece bem a língua, que é deles.” (Bagno, 2000). O que a sociedade ainda não consegue discernir é que no Brasil existe um português popular, que é um grande conjunto das nossas variedades lingüísticas, que constituem nosso vernáculo, nossa língua materna.

Existe uma distância grande entre a língua falada pelos brasileiros que se consideram cultos e o padrão de língua que aparece nos compêndios gramaticais, escrito nos jornais, nos livros didáticos, utilizados nos telejornais, cobrados nos concursos públicos e vestibulares.

Para conhecer o português do Brasil e sua dinâmica gramatical, é preciso reconhecer, antes de tudo, que a língua falada no Brasil é estruturalmente diferente da língua faladaem Portugal. Anossa gramática não pode ser a mesma dos portugueses. Por isso, não é justificável ensinar uma língua portuguesa a uma população que já possui seu português popular.          

Considerações finais

            O que pretendemos demonstrar neste artigo não é que a língua portuguesa seja descartável, muito pelo contrário, a sua observância na constituição do português popular do Brasil é evidente. Mas, como uma nação independente politicamente já chegou o momento de deixarmos de viver como no Brasil colonial, utilizando à língua do colonizador.

            Não é mais justificável o ensino de uma língua portuguesa que difere, em muito, da nossa língua materna. O português e o vernáculo são línguas muito parecidas. Mas não são em absoluto idênticas. Mario Perini, em seu livro Sofrendo a Gramática, ressalta sobre a questão supracitada:

Continuamos a escrever em português e a considerar o vernáculo uma maneira errada de falar. Pessoalmente, não tenho grandes objeções quanto a se escrever português; mas acho importante que se entenda que ele é (pelo menos no Brasil) apenas uma língua escrita. Nossa língua materna não é o português, é o vernáculo brasileiro – isso não é um slogan, nem uma posição política; é o simples reconhecimento de um fato.(Perini,2002:32) 

È importante refletir a cerca do porque o uso de uma “língua estrangeira”, tendo em vista que o nosso português popular existe, e refleti de forma precisa nossas reais necessidades lingüísticas.

“(...) agora, uma observação: o vernáculo é a língua materna de mais de cento e cinqüenta milhões de pessoas, que o utilizam constantemente e não conhecem outra língua. Mas não se escreve a não ser em ocasiões particulares, não aparece na grande imprensa e não tem grande tradição literária; além disso, não é reconhecido como língua oficial. (...)” (2002:32) 

Referências

BAGNO, Marcos; STUBBS, Michael, Cagné, Gilles. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola, 2002.

BAGNO, Marcos. Português ou brasileiro?; um convite à pesquisa.4 ed. São Paulo: Parábola Editorial,2004.

GERALDI, João Wanderley. Linguagem e ensino. 4 ed.Campinas,SP: Mercado de Letras,2002.

                                                   (org). O texto na sala de aula. São Paulo: 2002.

MURRIE, Zuleika de Felice(org).O ensino de português.5ed.São Paulo: Contexto,2001.

PERINI, Mário. Sofrendo a gramática. São Paulo: Ática, 2002:31 a 38.

SILVA, Rosa Virginia Mattos e. Contradições no ensino de português:a língua que se fala x a língua que se ensina.5 ed.São Paulo: Contexto,2002

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 2002.

STORIG, Hans Joachim. A aventura da línguas:uma história dos idiomas do mundo.São Paulo:Melhoramentos,2002:116 a 118.

TEYSSIER, P. História da língua portuguesa. 2 ed.São Paulo:Martins Fontes,2001:93 a 116.