Por mais que os números sejam representativos de exatidões, não podemos negar que eles abrem possibilidades de interpretações divergentes. Não queremos, com isso, desprestigiar as ciências exatas, mas dizer que também em seus resultados se podem colocar duvidas, ou seja, dizer que mesmo aqui não se pode falar em algo definitivamente exato.

Vejamos um exemplo: digamos que uma determinada pessoa tenha dito que comprou um carro usado por vinte mil reais. Trata-se de uma afirmação, aparentemente, exata, sobre a qual não paira dúvida, uma vez que confiamos na pessoa que falou. Mas o que temos de exato nessa afirmação? E, ao lado disso, quais as dúvidas que essa afirmação produz?

Neste ponto é que entra o emaranhado de interpretações e dúvidas que esse tipo de afirmação produz. Continuemos com nossa situação hipotética. Porque comprar um carro usado? Com esse valor em dinheiro, não seria melhor comprar um novo? Ou haveria a possibilidade de adquirir, com esse montante, dois veículos? O que leva alguém a adquirir um veículo usado? Essa pessoa, ao comprar um automóvel, comprou um veículo ou deixou de comprar várias outras coisas? Pagou vinte mil ou deixou de ter vinte mil? E se um tempo depois desejar revender o automóvel, vendê-lo-á pelos mesmos vinte ou não. E se conseguir os mesmos vinte, serão os mesmos, uma vez que já realizado despesas de combustível e outras de manutenção? Tendo havido essas despesas mesmo que seja revendido por vinte, serão os mesmos vinte pagos? De onde sairá o pagamento das outras despesas?...

Essas são só algumas indagações e observação que se podem fazer a respeito dessa situação. Vejamos, agora, o que poderiam significar outros números em outras situações, também específicas:

De modo geral as instituições de ensino superior realizam vestibular para receber novos acadêmicos. E o que se constata é que poucos inscritos não comparecem para as provas. Outra situação é o fato de cerca de 30% dos eleitores deixarem de comparecer para votar nas eleições. Podemos constatar que aqueles que deixaram de comparecer às provas do vestibular, em geral tem justificativas a partir de situações e contingências externas, como, por exemplo, algum imprevisto que impediu de chegar no horário, doença... são poucas as abstenções não justificáveis. Por seu lado o eleitor tem todas as condições, inclusive com veículos da justiça eleitoral para transportá-lo. Mesmo assim muitos não comparecem para a votação. Como explicar essas diferenças de comportamentos?

Uma primeira justificativa seria dizer que o estudante deseja passar pelo vestibular porque acredita ser esse um dos caminhos mais curtos para o sucesso profissional. Portanto o vestibular é um investimento pessoal. Por seu lado o eleitor sabe que os destinos do país não dependem dele nem dos resultados das eleições.

Outra situação ocorreu em relação ao ENEM (exame nacional do ensino médio). Mais de quatro milhões de inscritos para as provas dos dias 5 e 6 de dezembro de 2009. Entretanto, os dados oficiais falam de quase 40% de não comparecimento. Neste caso, para conseguir os números exatos bastariam alguns cálculos. Mas o que teríamos de exato nessa exatidão? Esse número, por exato que seja, não explica: por que esse havia sido um dos exames do ENEM com maior numero de inscritos? Também não explica porque cerca de um milhão e meio dos mais de quatro milhões de inscritos não compareceu às provas. Como explicar que em 2008 as abstenções tenham sido de menos de 30% e agora tenha chegado às portas dos 40%?

A justificativa do MEC é que por conta do adiamento na data das provas – em virtude da fraude ocorrida nas vésperas da primeira data – várias universidades abriram mão da nota do ENEM como critério de acesso. Isso teria sido uma das causas do desencanto com o ENEM. Mas seria só isso?

Como explicar que nos outros anos a adesão e participação das provas também não tenha sido alto? O que o estudante realmente pretende com o ENEM? O que o MEC pretende com esse exame? Se, por parte do MEC a intenção e usar os resultados para traçar linhas de melhorias do sistema escolar, porque isso não tem ocorrido? Como explicar que nas provas do ENEM, se exija capacidade de reflexão e de redação e a preocupação nas escolas e a partir das secretarias de educação seja a aprovação em massa, mesmo quando o aluno não domina os requisitos mínimos de conhecimentos gerais, análise e redação? Esse quadro contraditório e paradoxal, não poderia ser um elemento elucidante do desencanto dos estudantes em relação ao ENEM? Além disso, o não comparecimento dos alunos às provas, não poderia ser interpretado, também, como um recado dos estudantes aos professores e sistema escolar? Qual seria esse recado: desencanto com a escola devido à desvinculação entre o que se faz nas escolas e o que se exige na vida real; desencanto com o descompasso entre o que é cobrado no ENEM, o que é oferecido nas escolas e o que é necessário no dia-a-dia do mundo do trabalho.

Os números embora possam expressar exatidão, permitem interpretações diferentes e divergentes... e alimentam dúvidas. No caso do ENEM talvez a interpretação mais adequada seja a expressão do desencanto que freqüenta as expectativas dos estudantes, que se perguntam: estudar, pra quê? Sem perceber que a pergunta a ser respondida é sobre o porquê de estudar!

E, sem dúvida existe um porquê!

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

Leia mais: <http://falaescrita.blogspot.com/>; <http://ideiasefatos.spaces.live.com>;

<http://www.webartigosos.com/authors/1189/Neri-de-Paula-Carneiro>; <http://www.artigonal.com/authors_51301.html>; <www.brasilescola.com.br>