O direito civil perante a dissolução das famílias multiespécies: a possibilidade de guarda compartilhada de animais ¹

 

Fuad Alexandre Silva ²

Vitória Frota ²

Anna Valéria Cabral³

 

RESUMO

 

O presente trabalho trata a respeito da possibilidade de guarda compartilhada no caso das famílias multiespécie, mostra-se a questão da superação do paradigma do patrimônio e a relevância do afeto para a constituição da família, essa análise é realizada em confronto com a legislação atual que é omissa em relação a este tipo familiar. Para a construção do trabalho além da doutrina, são usados posicionamentos jurisprudenciais, a Constituição Federal de 1988 e toda a legislação infraconstitucional necessária; com o uso destes o objetivo do trabalho é alcançado que é justamente a análise dessa viabilidade da guarda compartilhada para famílias multiespécie. Com o estudo a respeito é entendido que a legislação atual não é suficientemente expressa em relação a guarda compartilhada neste recorte e que apesar da Constituição já trazer o afeto como elemento fundamental não há o devido reconhecimento às famílias multiespecie e que é necessária uma legislação específica a respeito.

 

Palavras-chave: Afeto; Família; Guarda Compartilhada.

 

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................02

A SOCIEDADE ATUAL E A INFLUÊNCIA NA DEFINIÇÃO DE FAMÍLIA PARA O DIREITOCIVIL.................................................................................................................03

3 A FAMÍLIA MULTIESPÉCIE E OS REFLEXOS JURÍDICOS DA SUA DISSOLUÇÃO.......................................................................................................................05

4 A POSSIBILIDADE DE GUARDA COMPARTILHADA E A FAMÍLIA MULTIESPÉCIE ...................................................................................................................06

4.1 O INSTITUTO DA GUARDA COMPARTILHADA...................................................06

4.2 A JURISPRUDÊNCIA NA ADMISSÃO DA GUARDA COMPARTILHADA NAS FAMÍLIAS MULTIESPÉCIES.............................................................................................08

CONCLUSÃO .....................................................................................................................09

6 REFERÊNCIAS..................................................................................................................11

 

1 INTRODUÇÃO

A família sempre ocupou papel basilar na sociedade, mesmo quando se fala da antiguidade essa importância sempre foi grande, porém ao decurso do tempo mudanças na forma na qual esta se posiciona perante a sociedade são inegáveis. Ou seja, ao passo que as relações vão mudando a concepção de família vem se alargando e não mais preso a uma concepção tradicional oriunda de religião e assim é dado o contexto das famílias multiespécies que vai representar uma das tantas mudanças no entendimento a respeito de família.

Ocorre que o direito não pode se abster dessas mudanças na sociedade e deve desenvolver mecanismos capazes solucionar os conflitos de maneira uniforme e não estregue ao subjetivismo do judiciário para um mero julgamento de caso a caso. Assim na eventual dissolução de uma família multiespécie o direito deve estar pronto para regular de forma objetiva.

As famílias multiespécie são reflexo da grande importância de animais domésticos no convívio familiar, ou seja, não meramente coisa, mas sim um membro efetivo da família e titular de direitos. No caso de guarda compartilhada envolvendo crianças o Direito Civil tem mecanismos legais para estabelecer a melhor forma de resolver a situação e inclusive garantindo a decisão sempre benéfica para a criança até mesmo por conta da própria exigência constitucional para que assim seja feito. É questionável, assim, com a grande relevância de animais domésticos no lar da família se este também pode ter a guarda compartilhada, sendo decidida nos mesmos parâmetros de uma criança ou se admitindo a possibilidade de existir dispositivos legais específicos para resolver tal situação.

O tema abordado por este trabalho apresenta grande relevância social, pois o entendimento a respeito das formas variadas de família e inclusive a respeito da eventual dissolução são importantes ao passo que a família ocupa um papel basilar na nossa sociedade e que é necessário se ter ampla proteção e inclusive no caso das famílias multiespécie levando em consideração que animais são considerados membros da família  e assim é relevante que se trate a respeito de uma eventual guarda compartilhada deste, analisando os dispositivos legais vigentes e as possíveis soluções de conflitos.

No ramo acadêmico, entende-se a importância do tema a partir da lógica de ampliação da concepção de família e inclusive a respeito do animal, analisando como este pode se comportar sem ser como coisa e assim discutindo a melhor forma de tratar a temática e produzindo informações na academia que sejam relevantes para a produção de um direito mais coerente, atual e justo com as partes que passam pelo processo de dissolução conjugal na família multiespécie.

Na esfera individual a importância se dá em primeira instância ao fato de compreender do que se trata a família multiespécie e assim poder pleitear direitos e exercer a função de operador do direito de uma melhor forma para uma eventual demanda que trate de dissolução conjugal de família multiespécie, tendo uma visão definida das possibilidades jurídicas aplicáveis ao caso e assim resolvendo conflitos da melhor forma.

O trabalho tem como objetivo geral analisar as possibilidades cabíveis de guarda compartilhada de animais no caso de dissolução conjugal de famílias multiespécies. Ademais, busca ao longo da discussão tratar de pontos específicos tais como entender os reflexos da mudança na sociedade com concepção atual de família, constatar o alcance jurídico das famílias multiespécies com os devidos direitos que lhe são aplicáveis e investigar possibilidade de guarda compartilhada no casso de dissolução conjugal desse tipo de família.

A pesquisa realizada no artigo utiliza-se do método de caráter exploratório, justificada por nossa aspiração em familiarizar a sociedade com o presente tema do ordenamento jurídico, além de visar nosso aprofundamento acadêmico. Utilizando-se de pesquisa bibliográfica através de livros, artigos científicos, entrevistas, documentos internacionais e de caráter constitucional e matérias da internet, retiramos tais contribuições de diversos autores que tratam sobre Direito de Família conjuntamente ao contexto social do Brasil, para que assim possamos formar, como pesquisadores, nossa contribuição acerca do tema das famílias multiespécies.

 

2 A SOCIEDADE ATUAL E A INFLUÊNCIA NA DEFINIÇÃO DE FAMÍLIA PARA O DIREITO CIVIL

A família é considerada a base da sociedade, sendo protegida pelo Estado, conforme consta em nossa Carta Maior. Sendo ela a primeira e mais antigas das instituições passou por diversas transformações, acompanhando as mutações sociais no decorrer do tempo. Tais ocorrências implicam também em constantes mudanças e reformulações em nosso ordenamento jurídico de modo a adequá-lo à concepção contemporânea de família.

A Constituição Federal de 1988 fala expressamente sobre a família, e assim fala em seu artigo 226 a respeito de três institutos, o casamento (e o religioso com efeito civil), a união estável e a entidade que é formada por qualquer dos pais e descendentes. É possível retirar deste artigo e principalmente de seu caput a importância que constituinte originário deu a família, pois reconhece a mesma como a base da sociedade e que esta goza de proteção do estado. (BRASIL, 2018)

Cabe ao artigo buscar as devidas considerações a respeito do artigo 226 da Constituição Federal de 1988 e isso através da doutrina pátria. O artigo trata do dever de proteção do Estado com a família e identifica três tipos, o casamento, a união estável e a família monoparental. Entretanto, prevalece o entendimento que estas possibilidades são meramente exemplificativas e não taxativas, desta forma outras possibilidades, como a família multiespécie, são plenamente reconhecíveis e ainda mais quando se observa as mudanças nas quais a sociedade vem sofrendo. Ou seja, todas as famílias nas suas mais diversas formas devem ter a proteção do Estado. (TARTUCE, 2018)

É importante destacar que após 1988 ocorre a superação da família apenas no aspecto patrimonial e eleva-se o seu caráter afetivo o que afeta diretamente a legislação infraconstitucional a respeito da matéria, como uma maior possibilidade de responsabilidade civil no âmbito familiar. Desta forma, sendo o rol exemplificativo e o afeto elemento determinante não há motivo para negar o pluralismo de famílias, que se formam das mais diversas formas, até mesmo as que se formam com a presença de um animal e unida pelo afeto. Adota-se o pressuposto que o ordenamento brasileiro não define um modelo de família, baseada em componentes determinados. (SEGUIN E NETO MIGUEL, 2006)

A família faz parte da existência do homem, valores como a solidariedade, ética e reciprocidade e estes são demonstrações do que realmente faz a família ter esse papel tão importante na felicidade do homem. Essas diversas formas são advindas da própria Constituição Federal vigente que não estabelece padrões fixos e por conta disso o direito deve estar atento para ser capaz de proteger as famílias nas suas mais diversas formas de existir. (RODRIGUES, 2009)

As diversas modificações na constituição da família vão fragilizando os componentes ao passo que o direito é lento diante das mudanças. A realidade multicultural exige políticas realmente eficazes para regular situações diversas. As mudanças nos arranjos familiares não exigem julgamentos se certos ou errados, mas devem estar abarcadas por um direito que se adequa ao contexto, aquele atento as mudanças da sociedade. (MEIRA, OLIVEIRA, SANTANA, 2013).

A discussão se amplia ao passo que a preocupação não deve se limitar no que se considera a respeito de família e sim os reflexos jurídicos como a dissolução conjugal. No caso em questão é de valorosa importância entender a respeito da família multiespécie que numa situação de dissolução envolve questões de direito como a guarda compartilhada, levando em consideração que há uma relação de afeto e também de dependência econômica pelo animal. . (MEIRA, OLIVEIRA, SANTANA, 2013).

Observa-se que as relações sociais são mutáveis, isto é, estão em constante transformação. Para que as regras que regem a vida em comunidade tenham efetividade estas devem acompanhar as transições pelas quais a coletividade passa, uma vez que, as normas não estando em concordância com a realidade fática perdem o sentido ou significado, padecendo de efetividade. Conforme a lógica lasseleana, deve-se adequar o texto ao contexto, já que a dissonância destes torna aquele uma mera folha de papel.

 

3 A FAMÍLIA MULTIESPÉCIE E OS REFLEXOS JURÍDICOS DA SUA DISSOLUÇÃO

Como já visto a família passou da esfera patrimonial para a afetiva e assim abrem-se novas possibilidades em relação ao direito de família. Desta forma, dando enfoque na família multiespécie, ocorre não somente a interação afetiva entre humanos, mas sim de humanos e animais, sendo este segundo elemento também concedido pela noção familiar de afeto. É uma forma direta de mostrar que (SEGUIN E NETO MIGUEL, 2006).

A formação familiar em questão não se funda em algo subjetivo que impossibilitaria uma regulação específica do direito, pelo contrário, é possível estabelecer critérios objetivos capazes de determinar o que seria a família multiespécie e assim o autor somando ao presente trabalho elenca que nestas famílias em relação ao animal são presentes os requisitos de  “reconhecimento familiar, consideração moral, apego, convivência íntima e inclusão em rituais” quando em conjunto vão construir essa família. (LIMA, 2017)

Por  conta disso é necessário reforçar a importância do afeto nas famílias multiespécies considerando este é o fator determinante para a sua formação. E assim é dito que neste tipo de família não há, por óbvio, ligação sanguínea ou de direito sendo o afeto o elemento presente e suficiente para entendimento da formação de família. Então, o direito se depara com um confronto, pois originalmente os animais são tratados como bem móveis, mas como visto a noção de família se ampliou  – mundaça do paradigma patrimonial para o afetivo - e se torna plenamente compreensível que animais como cães e gatos sejam considerados da família e regulados pelo direito de família sem qualquer problema (GONÇALVES, 2016)

É sabido que a dissolução conjugal é uma das possibilidades em relação as famílias e assim deve-se deixar claro que mesmo havendo ligação de afeto entre um homem e um cachorro, não é plenamente seguro que se equipare por completo os direitos destes animais como se humanos fossem. Um exemplo é que estes não possuem capacidade para a vida civil e muito menos para a administração de uma possível herança. Observa-se, assim, que os padrões de proporcionalidade e razoabilidade devem ser usados para que o operador do direito possa decidir da forma mais adequada e correta possível. (SEGUIN E NETO MIGUEL, 2006)

Porém é importante remeter a uma possível insegurança jurídica que a situação da dissolução das famílias multiespécie podem causar para o caso de aplicação da legislação já existente no Código Civil. Pois, mesmo com toda a demonstração de afeto e a fundamentação de os animais domésticos ocupam na sociedade atual um papel de grande relevância, pela demora do direito os reflexos jurídicos são incertos, os efeitos jurídicos que uma demanda judicial pode gerar podem ser diversos e isso pelo fato de que o que é feito é uma mera adaptação da norma para as famílias multiespécie, quando um instituto exclusivo retiraria esta insegurança. (LIMA, 2017)

Assim mostra-se que a família multiespécie é titular da proteção estatal e justamente pelo caráter constitucional a norma deve ter incidência no âmbito infraconstitucional. Justamente por conta disso surge a necessidade de legislação específica, sob pena de causar insegurança jurídica no caso de somente adequação com as normas do Código Civil como acima citado.

 

4 A POSSIBILIDADE DE GUARDA COMPARTILHADA E A FAMÍLIA MULTIESPÉCIE 

 

4.1 O instituto da guarda compartilhada

 O Código Civil inicia a sua regulamentação a respeito do instituto da guarda  nos artigos 1583 e 1584 e assim contribui para o entendimento a respeito da matéria e assim tonar possível a avaliação da possível aplicabilidade deste instituto no caso de dissolução conjugal nas famílias multiespécie e assim o artigo faz a diferenciação entre a guarda compartilhada e a guarda unilateral. E o legislador estabelece critérios como a segurança e saúde, além do afeto e equilíbrio entre as partes para definir como vai resolver a guarda. O que deixa a aparência da possibilidade de aplicação desse instituto aos animais integrantes da família ao passo que estes necessitam de saúde e também possuem dependência financeira de seus donos. Assim é dito:  

 

“Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 2o Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos: (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

- afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;


Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).

- requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

II - decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe” (BRASIL, 2002)

 

 

Somada a previsão legal a doutrina contribui ao artigo ao passo que define o que seria a guarda, explanando qual sua lógica de existência e da necessidade de proteção daquele que tem a sua guarda compartilhada. E assim é dito que a guarda é o direito de cuidado que a prole possui dada a autoridade parental, ou seja, em mão inversa os pais tem a obrigação de zelar pela melhor criação de seus dependentes, dado que seus dependentes são incapazes em várias esferas, como economicamente e psicologicamente, de se manterem sem uma autoridade superior capaz de fornecer o melhor a ele. (MADALENO, 2015)

Após a primeira contribuição com a conceituação da guarda, é importante falar do dever do poder familiar no caso de dissolução conjugal. Assim o autor apregoa que mesmo nos casos de separação e divórcio não há afetação em relação ao dever do poder familiar, ou seja, aquele que é submetido ao poder familiar não deve em aspecto nenhum, ao menos em regra, pela dissolução. Desta forma, mais uma vez remete-se ao caso das famílias multiespécies que não fogem da lógica afetiva de formação e assim o animal membro da família não deve sofrer com o processo de desfazimento devendo ser reconhecido que o mesmo é titular da exigência da guarda de seus donos. (MADALENO, 2015)

Complementando a análise a respeito da guarda compartilhada é possível a análise da aplicabilidade do critério do melhor interesse do menor nos casos das famílias multiespécie, neste caso em especial a análise da aplicabilidade do critério de melhor interesse para o animal. Assim, é compreensível a aplicação do critério do melhor interesse do animal, entretanto, dada a situação, o juiz deve no caso em concreto observar como a saúde física e mental do animal melhor se comporta para o caso da guarda compartilhada. (CHAVES, 2015)

Nota-se que a guarda compartilhada nessa concepção do Código Civil tem como objeto jurídico a tutelar uma criança e assim para os casos de multiespécie o que pode ocorrer é uma adequação o que provavelmente incide em uma insegurança jurídica, o que não é interessante.

 

4.2 A jurisprudência na admissão da guarda compartilhada nas famílias multiespécies

A jurisprudência pátria inclusive já reconheceu a possibilidade da guarda compartilhada nos casos de família multiespecie e isso se mostra de grande relevância ao artigo ao passo que demonstra que a pluralidade de famílias já repercute no campo das decisões judiciais e usando das próprias noções de guarda e melhor interesse do animal, deixando claro que as diretrizes trazidas pelo Direito Civil não só tratam de relação puramente humana, mas também da relação humana com animais. No caso em questão como fundamento foi usado que  a guarda do animal ficaria com a autora pelo fato desta dar os cuidados e que a outra parte ainda não havia comprovado em juízo a propriedade exclusiva do animal. Resta clara a preocupação com ao animal para além de coisa e sim como um titular de direitos que deve ter a sua guarda concedida, seja compartilhada ou não, baseada em critérios que objetivem o melhor para o seu bem estar. Assim foi decidido:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO. BUSCA E APREENSÃO DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. Mantém-se o cachorro com a mulher quando não comprovada a propriedade exclusiva do varão e demonstrado que os cuidados com o animal ficavam a cargo da convivente. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70064744048, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 12/05/2015).

(TJ-RS - AI: 70064744048 RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Data de Julgamento: 12/05/2015, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 15/05/2015)”

Nessa decisão mais uma vez a jurisprudência pátria tratou a respeito do compartilhamento dos cuidados do animal, entretanto, nessa decisão em específico foi usada o termo “posse compartilhada” demostrando a clara insegurança jurídica em relação ao assunto. Mas reconhecendo que há uma clara preocupação com a saúde física e mental do animal, mas não deixa de ser preocupante a ausência de uniformidade no tratamento da questão, pois ainda há uma margem legislativa para que o tratamento inverso seja dado, ou seja, entender o animal como mera coisa e ignorar a sua saúde mental e física para os fins decisórios.

Novamente o artigo soma ao presente trabalho ao identificar que esse reconhecimento da titularidade de direitos pelo animal advém do princípio da pluralidade familiar. Assim observa-se que os animais de forma inegável estão ocupando um espaço maior na sociedade  e com papéis definidos dentro da família e assim é dado pelo artigo a necessidade da criação de mecanismos próprios para os animais como forma de dar segurança para as partes, pois mesmo que a adaptação de normas vigentes seja possível a insegurança é latente ao passo que o juiz pode decidir não pela lógica da guarda, mas sim da posse o que não é interessante para o Direito de Família pátrio. (CHAVES, 2015)

Essa manifestação da jurisprudência é possibilitada pela mudança de paradigma já acima citada que é a questão do afeto. Sendo este o núcleo para a formação da família situações como a da multiespécie são plenamente possíveis e ainda mais quando se entende ter sua família reconhecida como legítima é nada mais do que ter a sua dignidade respeitada pelo próprio direito, mas também perante a sociedade. E como reflexo disso a questão da guarda compartilhada que vem a ser um direito no caso da dissolução familiar.

 

5 CONCLUSÃO

A família sempre ocupou papel basilar na sociedade, mesmo quando se fala da antiguidade essa importância sempre foi grande, porém ao decurso do tempo mudanças na forma na qual esta se posiciona perante a sociedade são inegáveis. As famílias multiespécie são reflexo da ampliação da concepção de família e da grande importância de animais domésticos no convívio familiar, ou seja, não meramente coisa, mas sim um membro efetivo da família e titular de direitos.

Sendo evidente que não deve existir nenhuma barreira legal para admitir a legitimidade da família multiespécie aspectos como a guarda compartilhada devem ser observados. Isso pelo fato de que a dissolução familiar é sempre possível e gera reflexos afetivos, sociais e patrimoniais. O que mais uma vez mostra a importância da discussão deste artigo ao passo que acrescenta análises e resultados sobre o assunto.

Desta forma, entendendo a grande importância de animais domésticos no lar da família e que estes geram gastos, possuem ligação afetiva e são em boa parte conscientes de da situação que vivem, devem sim ter a possibilidade de guarda compartilhada como forma de proteção a sua saúde e também sustento. Os mecanismos de guarda compartilhada que o Código Civil dispõe, apesar de já aplicados aos casos de família multiespécie não são a melhor escolha.

Este entendimento surge ao passo que só são aplicáveis as normas de guarda compartilhada nos moldes direcionados a família somente com humanos para a família multiespécie de maneira análoga, ou em palavras mais cotidianas, de maneira adaptada. Isso causa uma certa insegurança jurídica, pois é forçoso entender que animais e crianças para os fins de guarda são plenamente iguais.

Trata-se da necessidade uma legislação específica que trate dessa guarda compartilhada no caso de famílias multiespécie, com previsões realmente adequadas que tratem do assunto sem gerar uma insegurança jurídica, sem uma ampla margem de decisão de juízes e assim evitando disparidades de decisões no caso de situações semelhantes.

Justamente essa ausência de legislação específica e também de doutrinas que falem abertamente do tema dificultam o desenvolvimento deste assunto. Os meios para encontrar resultados são escassos e nascem de previsões mais gerais como a questão do novo paradigma familiar que é o afeto e também da necessidade de segurança jurídica para os casos de dissolução familiar.

Assim é grande valia a contribuição deste trabalho ao acrescentar ao meio acadêmico resultados que tratem da guarda compartilhada no caso de famílias multiespecie. E contribuem para análises futuras que podem inclusive elencar como deve ser uma legislação específica que trate sobre a guarda compartilhada no modelo família abordado.

 

 REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 1a edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

 

BRASIL. Apelação n° 0019757-79.2013.8.19.0208, 22ª CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, Relator: MARCELO LIMA BUHATEM, Julgado em 04/02/2015. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/diarios/documentos/164994749/andamento-do-processo-n-0019757-7920138190208-do-dia-04-02-2015-do-djrj. Acesso em 22 de mar. De 2018.

 

BRASIL. Agravo de Instrumentp Nº 70064744048. Sétima Câmara Cível, TJ-RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, julgado em 12/05/2015. Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/188897781/agravo-de-instrumento-ai-70064744048-rs. Acesso em 21/03/2018

 

CHAVES, Marianna. Disputa de guarda de animais de companhia em sede de divórcio e dissolução de união estável. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41414/disputa-de-guarda-de-animais-de-companhia-em-sede-de-divorcio-e-dissolucao-de-uniao-estavel. Acesso em 22/03/2018

 

GONÇALVES, Thales Branco. Senciência, guarda e pensão alimentícia: a proteção dos animais de estimação após o término do relacionamento dos respectivos donos. Disponível em: https://thbrancs.jusbrasil.com.br/artigos/381423990/senciencia-guarda-e-pensao-alimenticia-a-protecao-dos-animais-de-estimacao-apos-o-termino-do-relacionamento-dos-respectivos-donos. Acesso em 21/03/2018

 

LIMA, Maria Helena Costa Carvalho de Araújo. Considerações sobre a família multiespécie.

http://eventos.livera.com.br/trabalho/98-1020766_01_07_2015_11-07-22_5164.PDF, acesso em 22/03/2018.

 

MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: forense. 6ºed.

{O autor contribui por meio da definição de guarda e guarda compartilhada, bem como a importância do dever poder familiar no caso de dissolução conjugal}

 

RODRIGUES, Patrícia Matos Amatto. A nova concepção de família no ordenamento jurídico brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 69, out 2009. Disponível em: <

http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6792 >. Acesso em 21/02/2018

 

SEGUIN Élida, ARAÚJO Luciane Martins de e NETO MIGUEL dos Reis Cordeiro. Uma nova família: a multiespécie. < http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDAmb_n.82.12.PDF >, acesso em 21/03/2018

 

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, volume único. São Paulo: Método. 7ºed.