O DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

Por Evandro Antonio Vieira de Moura Filho | 30/06/2016 | Direito

O DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA: limites à disposição do próprio corpo[1]

Evandro Antonio V. de Moura Filho

Ricardo Albuquerque Ferro Alves[2]

Anna Valéria de Miranda A. C. Marques[3] 

RESUMO

Realizar-se-á uma análise dos direitos da personalidade com seu respectivo objeto erigidos pelo Código Civil de 2002 em consonância com princípios da Constituição Federal de 1988, visando os limites à liberdade da disposição do próprio, mas especificamente em relação aos transplantes e doações de órgãos humanos, destacando-se a intervenção do direito na esfera privada e na biomedicina.

Palavras-chave: Direitos da Personalidade. Transplantes e Doações de Órgãos Humanos. Biomedicina.

  • INTRODUÇÃO 

O Direito como produto sociocultural encontra-se em constante processo de evolução, devido às mudanças de contexto em que são realizadas as relações sociais e aos avanços tecnológicos e científicos observados no nosso dia-a-dia. Para tanto, há a necessidade de adequação da legislação brasileira para solucionar cada questão emergente, evitando assim, que a liberdade jurídica proporcione atitudes prejudiciais ao homem e à sociedade.

Fazendo uma análise, percebe-se o direito civil brasileiro já não deixa em segundo plano o ser humano, sendo que o discurso não era o mesmo ao se tratar do código de 1916, observando-se que a ênfase era maior no que se refere às questões relacionadas à propriedade e aos negócios jurídicos. Somente com o Código Civil de 2002, esses direitos passaram a ser tratados com mais “abrangência” na esfera do direito privado, tendo como base a Constituição de 1988, que possui com um de seus princípios axiológicos o direito à dignidade humana, princípio essencial dos direitos da personalidade.

Sendo assim, o presente trabalho tem por objetivo evidenciar a importância do Direito e da intervenção jurídica, frente aos casos de grande importância e repercussão na vida social, decorrentes ou não dos avanços científicos e tecnológicos, sendo decisivo na evidenciação, no surgimento e na permanência de direitos e deveres que nos conduzam a um bem-estar individual e coletivo.

Neste prisma, questionamos se há uma liberdade de disposição da pessoa sobre seu corpo para transplantes e doações de órgãos. E caso houvesse, quais seriam os limites desta.

2 ABORDAGEM CONSTITUCIONAL:

 

Com o advento do transplante de órgãos e tecidos do corpo humano verifica-se um avanço no campo da medicina, com progresso constante, principalmente no sentido de prolongar e ajudar a melhorar as condições de vida das pessoas que sofreram ou sofrem de enfermidades que causam danos irreversíveis aos órgãos e tecidos do corpo.  O transplante e a doação tornaram-se procedimentos essenciais na reabilitação dos pacientes, seja fisicamente ou socialmente.

Apesar de trazer progresso e bons resultados, o assunto tem trazido discussões de caráter ético, religioso, filosófico, científico e jurídico, fomentando um desafio à medicina, à ética e ao direito o uso do corpo humano, por envolver questões éticas e conflitos de interesses e de valores. No Brasil, o direito é chamado a resolver principalmente dilemas que envolvem a autorização do doador e da família, os limites dos transplantes, a necessidade terapêutica e a questão pecuniária.

Cabe ao Estado, através do direito conciliar as dicotomias existentes entre os interesses do indivíduo e da coletividade, visando ao utilitarismo e aos valores fundamentais.  Assim, embora o transplante e a doação tenham como objetivo maior o benefício social, os valores da pessoa não podem ser rejeitados, como a indisponibilidade da saúde e da vida humana. Como este tema envolve os direitos da personalidade, a sua base será a Constituição Federal de 1988, que traz princípios e direitos fundamentais referentes aos direitos da personalidade, integridade física e o poder de disposição do próprio corpo.

2.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Alguns princípios são tratados como fundamentais e de extrema valoração dentro do Estado de Direito, considerados como valores supremos de ordem político-constitucional, atuando como normas vinculantes. No Brasil, o Art. 1º, III, CF/88 nos traz um destes princípios; o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, considerado como o principal princípio para interpretação dos direitos e garantias inerentes à pessoa contidos no texto constitucional.

Segundo Alexandre Moraes, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é:

“[...] um valor espiritual  e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, entre outros, aparece como conseqüência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil”. (MORAES, 2002, P. 129)

Desta feita, o Estado obriga-se a preservar e proteger a dignidade humana, garantindo a proteção da pessoa contra toda a atividade que lese a saúde e a integridade física da pessoa humana. Assim, respeito e proteção da dignidade constituem diretrizes para toda a atividade estatal, utilizando-se de leis voltadas para as técnicas que envolvam os seres humanos, como o transplante e a doação de órgãos. Da mesma forma, na medicina, é reconhecido o respeito ao ser humano em todas as suas áreas de aplicação.

Inclusive, o Biodireito (um ramo novo do Direito que trata especialmente das relações jurídicas referentes à natureza jurídica do embrião, eutanásia, aborto, transplante de órgãos e tecidos entre seres vivos ou mortos, eugenia, genoma humano, manipulação e controle genético, com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana. ¹)  terá seu campo de atuação guiado pelo Princípio da Dignidade

 

1.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS LIGADOS AO TRANSPLANTE E DOAÇÃO DE ÓRGÃOS

 

Diante do avanço da medicina foram criados diplomas legais para tornar viável a realização de transplantes e doações de órgãos e impor limites aos procedimentos, de forma a assegurar o respeito à pessoa humana através da preservação da vida e da integridade do indivíduo.

 Essencial ao ser humano, o direito à vida engloba os demais direitos de personalidade. A Constituição Federal de 1988, no caput do Art. 5º assegura a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a integridade existencial, consequentemente, a vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde o nascimento da pessoa. (FABRIZ, 2003, P. 274)

Em consonância com a Constituição, por exemplo, um dos diplomas que trata deste tema só permite a doação (Art. 9º, § 3º da Lei 9434/97) quando se tratar de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora.

Assim, além de assegurar o direito das pessoas terem  acesso a  órgãos  que  sejam

_____________________

¹ http://www.direitonet.com.br/dicionáriojurídico.

necessários para integridade física da pessoa e à vida, a Constituição vai regular os métodos e os meios procedimentais, como forma de proteção a estes direitos fundamentais, independente da vontade e motivações da pessoa ao buscar este tipo de procedimento.

  • DIREITOS DA PERSONALIDADE:

 

 

Antes de explicar o que é direitos da personalidade e suas características, veremos primeiro o que é personalidade. Personalidade seria a capacidade do ser humano de vincular em um dos polos da relação jurídica (seja exigindo a prestação de uma conduta por parte da outra pessoa do polo, ou realizando uma conduta como sua obrigação advinda da relação que se firmou). Esta Personalidade é “limitada” até certa idade, é o que se chama de capacidade de direito, ou seja, todo o ser humano tem condições de realizar determinada conduta, de forma plena (agir individualmente) ou sendo representado por seu representante legal (pais, responsável, curador, tutor etc.). Quando uma pessoa tem menos de dezesseis anos de idade (não é necessário comentar os outros casos) ela é absolutamente incapaz, tendo que vincular em uma relação jurídica por meio de seu representante, é uma Personalidade “limitada”; quando atinge os dezesseis e logo mais os dezoito, a pessoa passa a poder agir pessoalmente em determinadas relações (dezesseis) e, aos dezoito, passa a poder vincular no polo de qualquer relação, sendo agora seu “próprio representante” (VENOSA, 2012, p. 139).

A Personalidade Jurídica escala vários de direitos que são chamados de Direitos da Personalidade, sendo muitos deles presentes no Artigo 5º da Constituição Federal. Tais direitos servem, principalmente, para proteger o “princípio” da dignidade humana (VENOSA, 2012, p. 175 e 178), em decorrência disto, tais direitos não podem ser renunciados pelo seu portador e nem transgredidos por outra pessoa, caso ocorra a pessoa lesada pode entra na Justiça para ter seu direito reparado, mas como esses direitos não tem valoração econômica, será avaliado um valor a ser pago para a pessoa lesada pela pessoa que lesou. Que fique bem claro que tais direitos não têm fins pecuniários, sendo valorados economicamente somente de forma mediata, para fins de danos, não podendo ser “negociados” (VENOSA, 2012, p. 176).

Os Direitos da Personalidade são originam-se com o nascimento com vida, por isso são chamados de inatos, pois não precisam, também, de que ninguém que os “validem” (a não ser o Estado, óbvio); são também vitalícios, pois prolongam sua existência até a morte (e mesmo depois da morte ainda existem, não todos claro) e há direitos que surgem depois da morte (como o de doar órgãos); são também inalienáveis, pois não possuem valor econômico imediato, não podendo, por isso, ser “doado” ou “vendido” a outrem; por último, eles são erga omnes (para todos), pois devem ser respeitados por todos, sendo por isso chamados também de absolutos (VENOSA, 2012, p. 177). Para concluir nada melhor que pesquisar na fonte. No Artigo 11º do Código Civil é dito: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária” (apud VENOSA, 2012, p. 177).

  • DILEMAS RELACIONADOS AOS TRANSPLANTES E DOAÇÕES

 

Transplantes e doações são ações muito importantes tanto para quem doa, como uma satisfação própria, saber que fez o bem; quanto para quem recebe, pois pode salvar sua vida. Nos dias de hoje os transplantes de órgãos e doação de sangue salva muitas pessoas. Muitas campanhas, patrocinadas pelo Estado para incentivar a doação de sangue ou de órgãos, são de grande importância para a conscientização e mobilização das pessoas para esse fim. Mas até que ponto é possível doar? Quais as exigências impostas pelo Estado para o doador? A “lei” responde. A pessoa, por mais que o destinatário possa ser uma pessoa muito importante para o doador não pode doar se tal ato causar perda permanente da integridade física ou for contrário aos costumes, como dita o Código Civil (VENOSA, 2012, p. 185). Assim, um médico não pode se deixar “persuadir” pela pessoa que doa, para que esta possa doar para seu pai que está morrendo, ou seu marido; se esta doação lhe prejudicar permanentemente. Apenas partes renováveis (tecidos, espermatozoides, óvulos, sangue etc.) ou órgãos (ou partes de órgãos) que, como já se foi repetido, não causem perda permanente da integridade física ou mental, como um rim, que não causa perda permanente (VENOSA, 2012, p. 186). O nosso Código Civil também assevera que a pessoa não pode ser submetida ou constrangida e realizar uma cirurgia ou outro processo medico que envolva risco de vida; assim, os pais ou parentes etc. Não podem forçar, nem fisicamente nem psicologicamente, uma pessoa a fazer uma doação (em hipótese alguma, muito menos com risco de vida), mesmo que seja pra salvar alguém muito importante na vida da pessoa (VENOSA, 2012, p. 187).

Quanto às questões referentes a doações de órgãos de pessoas mortas, ou doações post mortem; o nosso Código Civil assevera que é facultado à pessoa deixar um testamento ou documento semelhante em que ela explicita sua vontade de doar seus órgãos ou não; sendo este um direito potestativo, ou seja, a pessoa que fica responsável (seus parentes colaterais, primos, tios, irmãos; parentes “verticais”, pais, avós, filhos; ou cônjuge) pode deixar de doar quando bem entender (VENOSA, 2012, p. 186). Para que a doação post mortem possa ser realizada, a pessoa deve ter morrido por causa encefálica, tendo sido constatado por dois médicos que não sejam responsáveis pela doação dos órgãos (“de fora” da equipe que realizará o transplante) e os seus parentes ou cônjuge deverá assinar documente diante de duas testemunhas, onde deixará claro que autoriza a doação (VENOSA, 2012, p. 186). A doação somente pode ser realizada quando para fins altruísticos ou científicos, ou seja, doar, por exemplo, para faculdades de medicina ou outro curso que trabalhe com corpos humanos, ou para ajudar pessoas que precisam; não podendo ser utilizados para fins comerciais, sendo qualquer fim pecuniário afastado do assunto da doação. Bom, a doação de órgãos ou tecidos etc (VENOSA, 2012, p. 186). É muito importante na sociedade, muitas vezes não causa nenhum dano colateral ou quase nenhum (doar sangue) e pode ajudar muitas vidas, pois você pode ter um tipo sanguíneo muito raro e que há pessoas necessitando deste sangue; doar salva vidas e tal ação deve ser incentivada, pois saber que é possível salvar uma vida com um pouquinho de sangue é doado de “tempos em tempos” é algo muito gratificante (ou deveria ser).

CONCLUSÃO

 A Constituição e os Códigos asseguram para todo o cidadão residente no país, direitos que ,como já vimos, são “invioláveis” e fazem parte dos direitos que “compõe” o princípio da dignidade humana, pois toda pessoa, para que possa viver com o mínimo de dignidade, deve ter assegurado seu direito à privacidade, liberdade de expressão, imagem etc. Sendo tais direitos inseridos dentro do rol das cláusulas pétreas como direitos individuais, não podendo ser modificados de forma que altere sua essência (Isto na Constituição, não no Código). O Código Civil, principalmente, detalha mais esses direitos individuais para que possa ser compreendido melhor e trabalhado de forma mais específica. Assim, o direito à doação é um direito individual da pessoa e deve ser respeitado, dentro dos limites e exigências do Constituinte na forma do Código; uma pessoa não pode ser forçada a se submeter a tratamento médico nem deve a doação de seus órgãos e tecidos ter fim comercial. Os direitos da personalidade não admitem valoração pecuniária, ou seja, não pode ser utilizado em transação comercial (exemplo, vender a liberdade, a vida etc.) sendo valorado desta forma mediatamente, ou seja, quando tais direitos são violados por outrem, cabe ação de danos morais e que é “taxado” um valor diante do caso concreto; desta forma os direitos não fazem parte do patrimônio da pessoa, mas são assegurados pelo constituinte originário para que uma vida digna e em sociedade possa existir da melhor forma possível.

REFERÊNCIAS:

 

FABRIZ, Daury César. Bioética e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.

 

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 16.ed. São Paulo: Atlas, 2002.p. 129.

SILVA, Andiara Roberta; SPENGLER NETO, Theobaldo. Transplantes de órgãos e tecidos: uma abordagem constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 855, 5 nov. 2005 . Disponível em: <ano 10, n. 855, 5 nov. 2005 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7541>. Acesso em: 19 maio 2012.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2012.

 

Http://www.direitonet.com.br/dicionáriojurídico. Acesso em: 19/05/12.

O DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA: limites à disposição do próprio corpo[1]

 

 

 

Evandro Antonio V. de Moura Filho

Ricardo Albuquerque Ferro Alves[2]

Anna Valéria de Miranda A. C. Marques[3]

 

 

RESUMO

Realizar-se-á uma análise dos direitos da personalidade com seu respectivo objeto erigidos pelo Código Civil de 2002 em consonância com princípios da Constituição Federal de 1988, visando os limites à liberdade da disposição do próprio, mas especificamente em relação aos transplantes e doações de órgãos humanos, destacando-se a intervenção do direito na esfera privada e na biomedicina.

Palavras-chave: Direitos da Personalidade. Transplantes e Doações de Órgãos Humanos. Biomedicina.

 

 

 

  • INTRODUÇÃO

 

O Direito como produto sociocultural encontra-se em constante processo de evolução, devido às mudanças de contexto em que são realizadas as relações sociais e aos avanços tecnológicos e científicos observados no nosso dia-a-dia. Para tanto, há a necessidade de adequação da legislação brasileira para solucionar cada questão emergente, evitando assim, que a liberdade jurídica proporcione atitudes prejudiciais ao homem e à sociedade.

Fazendo uma análise, percebe-se o direito civil brasileiro já não deixa em segundo plano o ser humano, sendo que o discurso não era o mesmo ao se tratar do código de 1916, observando-se que a ênfase era maior no que se refere às questões relacionadas à propriedade e aos negócios jurídicos. Somente com o Código Civil de 2002, esses direitos passaram a ser tratados com mais “abrangência” na esfera do direito privado, tendo como base a Constituição de 1988, que possui com um de seus princípios axiológicos o direito à dignidade humana, princípio essencial dos direitos da personalidade.

Sendo assim, o presente trabalho tem por objetivo evidenciar a importância do Direito e da intervenção jurídica, frente aos casos de grande importância e repercussão na vida social, decorrentes ou não dos avanços científicos e tecnológicos, sendo decisivo na evidenciação, no surgimento e na permanência de direitos e deveres que nos conduzam a um bem-estar individual e coletivo.

Neste prisma, questionamos se há uma liberdade de disposição da pessoa sobre seu corpo para transplantes e doações de órgãos. E caso houvesse, quais seriam os limites desta.

2 ABORDAGEM CONSTITUCIONAL:

 

Com o advento do transplante de órgãos e tecidos do corpo humano verifica-se um avanço no campo da medicina, com progresso constante, principalmente no sentido de prolongar e ajudar a melhorar as condições de vida das pessoas que sofreram ou sofrem de enfermidades que causam danos irreversíveis aos órgãos e tecidos do corpo.  O transplante e a doação tornaram-se procedimentos essenciais na reabilitação dos pacientes, seja fisicamente ou socialmente.

Apesar de trazer progresso e bons resultados, o assunto tem trazido discussões de caráter ético, religioso, filosófico, científico e jurídico, fomentando um desafio à medicina, à ética e ao direito o uso do corpo humano, por envolver questões éticas e conflitos de interesses e de valores. No Brasil, o direito é chamado a resolver principalmente dilemas que envolvem a autorização do doador e da família, os limites dos transplantes, a necessidade terapêutica e a questão pecuniária.

Cabe ao Estado, através do direito conciliar as dicotomias existentes entre os interesses do indivíduo e da coletividade, visando ao utilitarismo e aos valores fundamentais.  Assim, embora o transplante e a doação tenham como objetivo maior o benefício social, os valores da pessoa não podem ser rejeitados, como a indisponibilidade da saúde e da vida humana. Como este tema envolve os direitos da personalidade, a sua base será a Constituição Federal de 1988, que traz princípios e direitos fundamentais referentes aos direitos da personalidade, integridade física e o poder de disposição do próprio corpo.

2.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Alguns princípios são tratados como fundamentais e de extrema valoração dentro do Estado de Direito, considerados como valores supremos de ordem político-constitucional, atuando como normas vinculantes. No Brasil, o Art. 1º, III, CF/88 nos traz um destes princípios; o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, considerado como o principal princípio para interpretação dos direitos e garantias inerentes à pessoa contidos no texto constitucional.

Segundo Alexandre Moraes, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é:

“[...] um valor espiritual  e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, entre outros, aparece como conseqüência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil”. (MORAES, 2002, P. 129)

Desta feita, o Estado obriga-se a preservar e proteger a dignidade humana, garantindo a proteção da pessoa contra toda a atividade que lese a saúde e a integridade física da pessoa humana. Assim, respeito e proteção da dignidade constituem diretrizes para toda a atividade estatal, utilizando-se de leis voltadas para as técnicas que envolvam os seres humanos, como o transplante e a doação de órgãos. Da mesma forma, na medicina, é reconhecido o respeito ao ser humano em todas as suas áreas de aplicação.

Inclusive, o Biodireito (um ramo novo do Direito que trata especialmente das relações jurídicas referentes à natureza jurídica do embrião, eutanásia, aborto, transplante de órgãos e tecidos entre seres vivos ou mortos, eugenia, genoma humano, manipulação e controle genético, com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana. ¹)  terá seu campo de atuação guiado pelo Princípio da Dignidade

 

1.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS LIGADOS AO TRANSPLANTE E DOAÇÃO DE ÓRGÃOS

 

Diante do avanço da medicina foram criados diplomas legais para tornar viável a realização de transplantes e doações de órgãos e impor limites aos procedimentos, de forma a assegurar o respeito à pessoa humana através da preservação da vida e da integridade do indivíduo.

 Essencial ao ser humano, o direito à vida engloba os demais direitos de personalidade. A Constituição Federal de 1988, no caput do Art. 5º assegura a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a integridade existencial, consequentemente, a vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde o nascimento da pessoa. (FABRIZ, 2003, P. 274)

Em consonância com a Constituição, por exemplo, um dos diplomas que trata deste tema só permite a doação (Art. 9º, § 3º da Lei 9434/97) quando se tratar de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora.

Assim, além de assegurar o direito das pessoas terem  acesso a  órgãos  que  sejam

_____________________

¹ http://www.direitonet.com.br/dicionáriojurídico.

necessários para integridade física da pessoa e à vida, a Constituição vai regular os métodos e os meios procedimentais, como forma de proteção a estes direitos fundamentais, independente da vontade e motivações da pessoa ao buscar este tipo de procedimento.

  • DIREITOS DA PERSONALIDADE:

 

 

Antes de explicar o que é direitos da personalidade e suas características, veremos primeiro o que é personalidade. Personalidade seria a capacidade do ser humano de vincular em um dos polos da relação jurídica (seja exigindo a prestação de uma conduta por parte da outra pessoa do polo, ou realizando uma conduta como sua obrigação advinda da relação que se firmou). Esta Personalidade é “limitada” até certa idade, é o que se chama de capacidade de direito, ou seja, todo o ser humano tem condições de realizar determinada conduta, de forma plena (agir individualmente) ou sendo representado por seu representante legal (pais, responsável, curador, tutor etc.). Quando uma pessoa tem menos de dezesseis anos de idade (não é necessário comentar os outros casos) ela é absolutamente incapaz, tendo que vincular em uma relação jurídica por meio de seu representante, é uma Personalidade “limitada”; quando atinge os dezesseis e logo mais os dezoito, a pessoa passa a poder agir pessoalmente em determinadas relações (dezesseis) e, aos dezoito, passa a poder vincular no polo de qualquer relação, sendo agora seu “próprio representante” (VENOSA, 2012, p. 139).

A Personalidade Jurídica escala vários de direitos que são chamados de Direitos da Personalidade, sendo muitos deles presentes no Artigo 5º da Constituição Federal. Tais direitos servem, principalmente, para proteger o “princípio” da dignidade humana (VENOSA, 2012, p. 175 e 178), em decorrência disto, tais direitos não podem ser renunciados pelo seu portador e nem transgredidos por outra pessoa, caso ocorra a pessoa lesada pode entra na Justiça para ter seu direito reparado, mas como esses direitos não tem valoração econômica, será avaliado um valor a ser pago para a pessoa lesada pela pessoa que lesou. Que fique bem claro que tais direitos não têm fins pecuniários, sendo valorados economicamente somente de forma mediata, para fins de danos, não podendo ser “negociados” (VENOSA, 2012, p. 176).

Os Direitos da Personalidade são originam-se com o nascimento com vida, por isso são chamados de inatos, pois não precisam, também, de que ninguém que os “validem” (a não ser o Estado, óbvio); são também vitalícios, pois prolongam sua existência até a morte (e mesmo depois da morte ainda existem, não todos claro) e há direitos que surgem depois da morte (como o de doar órgãos); são também inalienáveis, pois não possuem valor econômico imediato, não podendo, por isso, ser “doado” ou “vendido” a outrem; por último, eles são erga omnes (para todos), pois devem ser respeitados por todos, sendo por isso chamados também de absolutos (VENOSA, 2012, p. 177). Para concluir nada melhor que pesquisar na fonte. No Artigo 11º do Código Civil é dito: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária” (apud VENOSA, 2012, p. 177).

  • DILEMAS RELACIONADOS AOS TRANSPLANTES E DOAÇÕES

 

Transplantes e doações são ações muito importantes tanto para quem doa, como uma satisfação própria, saber que fez o bem; quanto para quem recebe, pois pode salvar sua vida. Nos dias de hoje os transplantes de órgãos e doação de sangue salva muitas pessoas. Muitas campanhas, patrocinadas pelo Estado para incentivar a doação de sangue ou de órgãos, são de grande importância para a conscientização e mobilização das pessoas para esse fim. Mas até que ponto é possível doar? Quais as exigências impostas pelo Estado para o doador? A “lei” responde. A pessoa, por mais que o destinatário possa ser uma pessoa muito importante para o doador não pode doar se tal ato causar perda permanente da integridade física ou for contrário aos costumes, como dita o Código Civil (VENOSA, 2012, p. 185). Assim, um médico não pode se deixar “persuadir” pela pessoa que doa, para que esta possa doar para seu pai que está morrendo, ou seu marido; se esta doação lhe prejudicar permanentemente. Apenas partes renováveis (tecidos, espermatozoides, óvulos, sangue etc.) ou órgãos (ou partes de órgãos) que, como já se foi repetido, não causem perda permanente da integridade física ou mental, como um rim, que não causa perda permanente (VENOSA, 2012, p. 186). O nosso Código Civil também assevera que a pessoa não pode ser submetida ou constrangida e realizar uma cirurgia ou outro processo medico que envolva risco de vida; assim, os pais ou parentes etc. Não podem forçar, nem fisicamente nem psicologicamente, uma pessoa a fazer uma doação (em hipótese alguma, muito menos com risco de vida), mesmo que seja pra salvar alguém muito importante na vida da pessoa (VENOSA, 2012, p. 187).

Quanto às questões referentes a doações de órgãos de pessoas mortas, ou doações post mortem; o nosso Código Civil assevera que é facultado à pessoa deixar um testamento ou documento semelhante em que ela explicita sua vontade de doar seus órgãos ou não; sendo este um direito potestativo, ou seja, a pessoa que fica responsável (seus parentes colaterais, primos, tios, irmãos; parentes “verticais”, pais, avós, filhos; ou cônjuge) pode deixar de doar quando bem entender (VENOSA, 2012, p. 186). Para que a doação post mortem possa ser realizada, a pessoa deve ter morrido por causa encefálica, tendo sido constatado por dois médicos que não sejam responsáveis pela doação dos órgãos (“de fora” da equipe que realizará o transplante) e os seus parentes ou cônjuge deverá assinar documente diante de duas testemunhas, onde deixará claro que autoriza a doação (VENOSA, 2012, p. 186). A doação somente pode ser realizada quando para fins altruísticos ou científicos, ou seja, doar, por exemplo, para faculdades de medicina ou outro curso que trabalhe com corpos humanos, ou para ajudar pessoas que precisam; não podendo ser utilizados para fins comerciais, sendo qualquer fim pecuniário afastado do assunto da doação. Bom, a doação de órgãos ou tecidos etc (VENOSA, 2012, p. 186). É muito importante na sociedade, muitas vezes não causa nenhum dano colateral ou quase nenhum (doar sangue) e pode ajudar muitas vidas, pois você pode ter um tipo sanguíneo muito raro e que há pessoas necessitando deste sangue; doar salva vidas e tal ação deve ser incentivada, pois saber que é possível salvar uma vida com um pouquinho de sangue é doado de “tempos em tempos” é algo muito gratificante (ou deveria ser).

CONCLUSÃO

 A Constituição e os Códigos asseguram para todo o cidadão residente no país, direitos que ,como já vimos, são “invioláveis” e fazem parte dos direitos que “compõe” o princípio da dignidade humana, pois toda pessoa, para que possa viver com o mínimo de dignidade, deve ter assegurado seu direito à privacidade, liberdade de expressão, imagem etc. Sendo tais direitos inseridos dentro do rol das cláusulas pétreas como direitos individuais, não podendo ser modificados de forma que altere sua essência (Isto na Constituição, não no Código). O Código Civil, principalmente, detalha mais esses direitos individuais para que possa ser compreendido melhor e trabalhado de forma mais específica. Assim, o direito à doação é um direito individual da pessoa e deve ser respeitado, dentro dos limites e exigências do Constituinte na forma do Código; uma pessoa não pode ser forçada a se submeter a tratamento médico nem deve a doação de seus órgãos e tecidos ter fim comercial. Os direitos da personalidade não admitem valoração pecuniária, ou seja, não pode ser utilizado em transação comercial (exemplo, vender a liberdade, a vida etc.) sendo valorado desta forma mediatamente, ou seja, quando tais direitos são violados por outrem, cabe ação de danos morais e que é “taxado” um valor diante do caso concreto; desta forma os direitos não fazem parte do patrimônio da pessoa, mas são assegurados pelo constituinte originário para que uma vida digna e em sociedade possa existir da melhor forma possível.

REFERÊNCIAS:

 

FABRIZ, Daury César. Bioética e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.

 

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 16.ed. São Paulo: Atlas, 2002.p. 129.

SILVA, Andiara Roberta; SPENGLER NETO, Theobaldo. Transplantes de órgãos e tecidos: uma abordagem constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 855, 5 nov. 2005 . Disponível em: <ano 10, n. 855, 5 nov. 2005 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7541>. Acesso em: 19 maio 2012.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2012.

 

Http://www.direitonet.com.br/dicionáriojurídico. Acesso em: 19/05/12.

 

[1]  Paper apresentado à disciplina Teoria Geral do Direito Privado, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunos do 2° período do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professora Mestra, orientadora.

 

[1]  Paper apresentado à disciplina Teoria Geral do Direito Privado, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunos do 2° período do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professora Mestra, orientadora.