RESUMO
 
O presente artigo versa a polêmica sobre o direito à retificação do nome e sexo civil dos transexuais, com o fulcro no tratamento jurisprudencial que é dado sob a luz dos princípios basilares constitucionais. O tema deste artigo tem o objetivo de estudar a validade do direito que os transexuais possuem de buscar a retificação de seus registros pessoais, sem que os mesmos sejam condicionados a alguma condição, bem como verificar as legislações que tem por finalidade proteger e garantir a aplicação dos direitos individuais da personalidade que são intrínsecos aos transexuais. O artigo irá ser seccionado em três partes, com a finalidade de expor a questão do gênero no Brasil, como também o direito a personalidade, e, por fim, a Lei dos Registros Públicos em prol da aquisição do direito à retificação do nome e sexo civil nos assentamentos públicos. Portanto, este estudo aponta que é necessária uma efetivação maior por parte do Estado no modo que deve acompanhar o cumprimento e a evolução da sociedade contemporânea, em busca do equilíbrio do tratamento entre os indivíduos, visto que ambos possuem direitos e deveres que devem ser respeitados de forma igualitária. 
Palavras-chave: Transexualidade; Retificação de gênero.
 
INTRODUÇÃO
                   A Constituição Federal do Brasil de 1988 consagra princípios fundamentais que devem ser apreciados como norma maior. Destarte, é preceito da máxima do Estado Democrático de Direito a obediência à dignidade da pessoa humana como valor pessoal e moral, bem como a proteção integral aos direitos de personalidade que são irrenunciáveis e intransmissíveis que fazem parte da construção da identidade de todo indivíduo.
                  O direito ao nome e a autodeterminação devidamente regulamentado no Código Civil Brasileiro de 2002, aduz que o corpo reúne um complexo de informações sobre uma pessoa, não só pessoais, mas de características intrínsecas da formação da personalidade, pois além de residir a exteriorização do âmago humano, há a incorporação de ser e estar em determinada localidade.
                   A transexualidade é caracterizada pela convicção de atribuições biológicas ao sexo oposto, o que leva o indivíduo a compreender sequência de modificações significativas, ou seja, uma construção de identidade social e corporal do gênero e sexo, objetivando o reconhecimento de sua condição atual na esfera social. Diante da incongruência de legislação no Brasil, o Poder Judiciário se utiliza de meios alternativos para se posicionar frente às demandas de alteração do nome civil, observando a não descriminalização e marginalização de uma minoria que necessita de amparo no arcabouço jurídico, visando a igualdade de tratamento perante todos.
                  Ao ferir o preceito da dignidade da pessoa humana e direitos relativos à personalidade, corolário da ordem constitucional, é notório que deverá haver uma reflexão acerca da banalização de conceitos basilares da formação do Estado. Desse modo, serão explanadas no âmbito jurídico as questões sobre a efetivação de um direito que deve ser dado de modo a assegurar a identidade e autonomia corporal.
 
A QUESTÃO DO GÊNERO NO BRASIL
 
                 A história do sistema patriarcalista é capaz de evidenciar a formação do Brasil e seus reflexos até os dias atuais. Diante de estrutura familiar patriarcal e papeis sexuais eram bem delineados: o homem tinha o poder indiscutível de decisão e proteger, como também, prover o sustento da família; a mulher cuidava do lar, marido e dos filhos. A conjuntura social tradicionalista enaltecia a figura masculina como o centro de obediência e submissão as ordens postas pela supremacia masculina, com raízes ostensivamente na construção da permanência de tal legado com vias históricas.
                  O alicerce da violência simbólica está presente nas estruturas que enaltecem o homem como ser superior, ocupando notório posicionamento na sociedade, política e família. A violência simbólica se traduz sem a utilização da força física, mas usa outros meios de imposição de normas, conceitos e padrões que de forma persuasiva, atinge psicologicamente tais vítimas. Como é o caso dos transexuais que são coagidos a se manterem disfarçados, para que a sociedade não os discrimine em razão da sua condição de trans.
                  A conceituação de gênero, observado pelo viés da proporção sociocultural, permite diferenciar homens e mulheres, com reflexo na relação com os processos de socialização, tornando nítido que ambos são produtos de realidade social adversa, que foi construída a partir de processos culturais e históricos diferenciados. Ademais, foi no bojo dos movimentos feministas e da crescente reivindicação, que provocou o movimento a fim de aflorar o desejo de aprofundar-se nos estudos no que tange o gênero.
               A transexualidade é caracterizada pela convicção de atribuições biológicas ao sexo oposto, o que leva o indivíduo a compreender sequência de modificações significativas, ou seja, uma construção de identidade social e corporal do gênero e sexo, objetivando o reconhecimento de sua condição atual na esfera social. A legislação brasileira por mais que tenha evoluído em aspectos de abranger a matéria de gênero, ainda se faz omissa em certos casos, principalmente no que concerne o direito de assegurar o transexual quanto a retificação no nome e sexo no registro civil, diante da ausência de lei especifica que trate sobre a questão e até mesmo, a diversidade de decisões favoráveis e desfavoráveis que assolam os tribunais brasileiros.
 
DIREITO DE PERSONALIDADE
                A necessidade do homem de unir-se em busca de melhoria no meio social é algo despertado desde os primórdios da humanidade. O ser humano tem a inevitabilidade da busca de associar-se uns aos outros, com a finalidade de melhorar o sustento guiado pelo extinto de sobrevivência. A individualização do nome é fator que garante a satisfação e a individualização do sujeito diante do grupo, mesmo após a morte, no qual o identifica na esfera pública e privada.
              A eminência da dignidade da pessoa humana é tutelada com a finalidade de garantir os demais direitos que são produto de garantias dispostas em tratados e convenções nas quais no Brasil é signatário. Nesse sentido, a paridade entre mulheres e homens no que tange a postulação maior que ressalta a não discriminação, contempla correlação com o que há disposto no Pacto de São José da Costa Rica de 1969, assim como elenca o artigo:
 
Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos:
1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
 
              A Constituição Federal de 1988 prevê em seu texto legal artigos que asseguram os direitos fundamentais de toda pessoa independentemente de cor, raça, credo, sexo, religião, etc. A carta magna em seu Título I, dos princípios fundamentais, no inciso III, art. 1º da Constituição, elenca o primeiro direito inerente a todo ser humano, que é a dignidade da pessoa humana, em forma de princípio constitucional que ademais será mais explanado, que diz (BRASIL, 1988):
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
 
                    A Constituição Federal do Brasil de 1988 consagra princípios fundamentais que devem ser apreciados como norma maior. Destarte, é preceito da máxima do Estado Democrático de Direito a obediência à dignidade da pessoa humana como valor pessoal e moral, bem como a proteção integral aos direitos de personalidade que abrange o arcabouço sui generis do indivíduo, em concordância com o artigo 5º, inciso X da Carta Magna.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 1988).
 
                O direito de possuir um nome é resultado da inserção da pessoa humana na esfera jurídica, razão no qual todo ser que nasce, aufere um nome para que possa ser distinguido diante dos outros. Via de regra, o nome é imutável, contudo há exceções no arcabouço jurídico que permite a retificação de nomes que possam ser jocosos à pessoa. Na visão de Gonçalves (2007, p. 120):
 
O aspecto individual consiste no direito ao nome, no poder reconhecido ao seu possuidor de por ele designar-se de reprimir abusos cometidos por terceiros. Preceitua, com efeito, o art. 16 do Código Civil que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”. Esse direito abrange o de usá-lo e de defendê-lo contra usurpação, como no caso de direito autoral, e contra exposição ao ridículo. O uso desses direitos é protegido mediante ações, que podem ser propostas independentemente da ocorrência de dano material, bastando haja interesse moral.
                 O corpo é capaz de transcender a autodeterminação do indivíduo no tocante ao próprio corpo, legitimando assim a não violação e hostilização ao que atende a preservação da incolumidade física. Assim, o disposto no artigo 14 do Código Civil Brasileiro de 2002 dispõe:
 
Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.
 
               Pelo exposto, a conexão do indivíduo com o seu corpo é componente essencial no que tange a personificação do direito fundamental a intimidade, não sobrando espaço para hesitações, mas o respeito por decisão alheia.  Por ser um privilégio do rol da personalidade, no modo em que não representa apenas o reflexo da particularidade humana, entretanto é capaz de fazer parte dela.
 
 
LEI DOS REGISTROS PÚBLICOS
 
                O direito do nome por ser um elemento crucial na construção da identidade do indivíduo, analisando sob uma perspectiva fática é a identidade que representa o elo entre a autoafirmação da singularidade. No ordenamento jurídico brasileiro, a Lei de número 6.015 de 1973 versa sobre os Registros Públicos, e por ser uma lei primitiva, a mesma é capaz de recepcionar as alterações de acordo com a evolução da sociedade, na tentativa de se adequar ao tempo moderno frente às questões sociais vigentes.
Por se tratar da imutabilidade do nome, o mesmo enseja causa relativa, pois na circunstância que a legislação e as jurisprudências promovem a justificativa de que pode haver a alteração em casos peculiares. A motivação que é utilizada para que se possa dar propriedade no que tange ao pedido de retificação do nome, está calcada no artigo 55 da Lei dos Registros Públicos, qual seja:
 
Art. 55. Quando o declarante não indicar o nome completo, o oficial lançará adiante do prenome escolhido o nome do pai, e na falta, o da mãe, se forem conhecidos e não o impedir a condição de ilegitimidade, salvo reconhecimento no ato. (Renumerado do art. 56, pela Lei nº 6.216, de 1975).
Parágrafo único. Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente.
                  Diante da relativização do direito civil, a característica da imutabilidade perde força frente ao caso concreto e que no qual, o direito é tutelado e previsto na Lei dos Registros Públicos. De fato, no que tange a mutabilidade do nome pode encontra respaldo em decorrência da maioridade, a legitimação de apelido publicamente conhecido, o uso de nome comercial, bem como a adaptação do nome em razão do sexo.
 
 
               Em suma, a dignidade da pessoa humana está intimamente ligada ao perfil da própria identidade. Se o indivíduo é capaz de se autoconhecer e concomitantemente a sociedade enxergá-lo como o mesmo quer que seja visto, ou no mínimo respeitado. A mutação do nome encontra subsidio nos princípios basilares constitucionais da dignidade da pessoa humana, bem como a isonomia de tratamento social. Por motivo destes princípios, é possível vislumbrar a intervenção do Estado na vida privada da pessoa, no entanto, tal intervenção tem apenas o objetivo de formalizar e averbar a atual situação do indivíduo, conforme as previsões legais.
 
 
METODOLOGIA
 
               Para a elaboração do presente artigo, utilizamos informações inerentes sobre a temática abordada, como também fizemos uso de pesquisas e leituras de livros e sites que relatam melhor sobre o assunto exposto.
 
CONCLUSÃO
 
                Conclui-se que, a partir do que foi explanado, apesar da evolução constante do Judiciário brasileiro no que se refere a leis que protegem os direitos dos indivíduos, ainda há resquícios de resistência em proporcional tratamento igualitário e digno a todas as pessoas que compõe o meio social somado a suas diversas especificidades. Para que esta problemática chegue ao fim, é necessário que haja um efetivo cumprimento dos preceitos que estão dispostos na própria Constituição Federal de 1988, sendo necessário e justo ao transexual o poder de ajustar seu nome a sua atual realidade fática, protegendo assim o direito à vida e a bem estar social.
 
 
REFERÊNCIAS
 
BRASIL. Lei Nº 6.015, de 31 de Dezembro de 1973.Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2018.
 
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9708.htm>.  Acesso em: 15 set. 2018.
 
BRASIL. Lei Nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2018.
 
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro – Parte geral. 4 ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p.120.
 
MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.129.
 
Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Tratado Internacional. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 14 out.2018.