O DIREITO À IGUALDADE SUCESSÓRIA DOS FILHOS CONCEBIDOS POST MORTEM POR MEIO DO TESTAMENTO BIOLÓGICO.

Juliana Fernanda Mafra Soares

Thayna Macedo de Araújo

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo discutir o direito à igualdade sucessória dos filhos concebidos post mortem por meio do testamento biológico. Este assunto ainda é bastante atual e não encontra regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro. Discutiremos inicialmente aqui a titularidade do material genético do autor da herança a partir da análise de conceitos e opniões de diferentes doutrinadores, fazendo também a análise conjunta de artigos da Constituição Federal e do Código Civil. Abordaremos ainda o único caso em que tal conduta foi aceita pelo tribunal de Israel, fato que abriu precedentes para todo o mundo. Por fim, delinearemos a possibilidade jurídica da realização do testamento biológico bem como o direito sucessórios dos filhos concebidos post mortem e os limites jurídicos e éticos desse procedimento.

INTRODUÇÃO

O conceito de família tem se ajustado constantemente à própria dinâmica da sociedade, passando por transformações e evoluções no decorrer do tempo. Assim também deve ser o Direito, ele deve acompanhar os novos anseios sociais e novidades que surgem e exigem sua tutela.

O ordenamento jurídico do Brasil tutela a família e as novas formas de reprodução advindas da evolução da tecnologia, contudo, ainda se mantêm alheio quanto ao assunto testamento biológico.

O presente trabalho objetiva analisar a possibilidade jurídica do direito sucessório dos filhos concebidos post mortem por meio do testamento biológico no ordenamento jurídico brasileiro. No Brasil e em diversos outros países ainda não há a regulamentação jurídica para a utilização de material genético com o fim de reprodução após a morte do doador. É exatamente a isto que o trabalho se propõe, analisar como ficaria o direito sucessório do filho concebido após a morte do doador.

O tema em debate é novo e exige de nós uma visão crítica e análise minuciosa da CF/88 bem como do Código Civil. Dessa forma analisar-se-á inicialmente as noções gerais sobre sucessões e as bases jurídicas para a realização de um testamento biológico no Brasil, delineando posteriormente artigos que versem sobre o direito sucessório e por fim identificaremos os limites éticos e jurídicos sustentadores dos direitos sucessórios desses filhos gerados post mortem cujo nascimento/ concepção foi resultado da vontade do testador. 

1 Possibilidade jurídica do Testamento biológico para a utilização de óvulos e sêmen post mortem

Com o advento da tecnologia novas formas de reprodução humana surgiram e dentre elas a reprodução assistida, conhecida comumente por inseminação artificial. Conceitua-se como reprodução assistida “o conjunto heterogêneo de técnicas empregadas com o intuito de combater a esterilidade do ser humano ou de prevenir enfermidades genéticas e hereditárias (Madaleno Apud Montalbano, 2012, p.10). Contudo não é de hoje que esta técnica vem sendo utilizada. De acordo com o Professor José Goldim desde o final do século XVIII tentativas de reprodução assistida por médicos começaram a ser testadas, mas foi apenas com o nascimento do primeiro bebê gerado através deste método, Louise Brown, no ano de 1978, que este procedimento obteve real e significativa notoriedade.

No Brasil há um conjunto de normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida que estão compiladas na Resolução CFM 1358/92 do Conselho Federal de Medicina. José Goldin destaca os aspectos éticos mais relevantes desta Resolução:

Os aspectos éticos mais importantes que envolvem questões de reprodução humana são os relativos à utilização do consentimento informado; a seleção de sexo; a doação de espermatozóides, óvulos, pré-embriões e embriões; a seleção de embriões com base na evidencia de doenças ou problemas associados; a maternidade substitutiva; a redução embrionária; a clonagem; pesquisa e criopreservação (congelamento) de embriões (GOLDIN, p(?), 2013).

O congelamento de esperma, óvulos e embriões foi um passo importante rumo ao progresso da reprodução assistida, o que permitiu a criação de bancos de esperma, óvulos e de embriões e, mais modernamente, a reprodução assistida post mortem (REIS, 2010, p.4) que consiste na “fecundação ocorrida fora do corpo da mulher, ocorrida in vitro, na proveta ou por meio da técnica ZIFT ( TARTUCE, SIMÃO, 2011, p.344).”

A reprodução assistida é consagrada pelo Código Civil no artigo 1.597, inciso IV que prevê que quando se tratar de embriões excedentários decorrentes também de concepção artificial homóloga, haverá a presunção de paternidade dos filhos havidos a qualquer tempo. Cabe aqui destacar que até mesmo quando não se tratar de reprodução assistida mas ainda de fecundação artificial homóloga, ou seja, aquela efetuada com o material genético dos próprios cônjuges, haverá também a presunção de paternidade, mesmo que o marido já tenha falecido (TATUCE, SIMÃO, 2011, p. 345).

Contudo, a discussão e consequentes divergências decorrem do fato dessa fecundação ocorrer apenas enquanto vivo o marido ou se também quando este já houver falecido (fecundEação post mortem ). Acerca do questionamento acima apresentado, Montalbano entende que:

A Resolução nº. 1.358/92 do Conselho Federal de Medi­cina não dispõe acerca da fecundação post mortem, porém, como permite a inseminação de mulheres solteiras com o sêmen de um doador, demonstra que não é ilícito o uso do sêmen do marido falecido (DE LUCA Apud. Montalbano 2012, p. 21).

 

Entretanto, já solucionada a questão sobre até qual momento pode ocorrer a fecundação, é hora de lançar o questionamento de como ficará o direito sucessório do filho concebido post mortem por meio da inseminação artificial.

Pois bem, tal questionamento será respondido no decorrer dos capítulos seguintes, pois por ora é necessário primeiramente delinear as informações acerca do que se trata o testamento biológico.

O Testamento em si, segundo análise da doutrinadora Maria Helena Diniz, consiste em:

“Ato personalíssimo e revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, não só dispõe, para depois de sua morte, no todo ou em parte (CC, art. 1.857) do seu patrimônio, mas também fez estipulações: a) extrapatrimoniais tais como reconhecimento de filhos não matrimoniais (CC, art. 1.609, III); nomeação de tutor para o filho menor (...) o de testamenteiro; disposição do próprio corpo para fins altruísticos ou científicos (CC, art. 14); determinação sobre funeral; ou  b)patrimoniais (...). São, portanto, admitidas as disposições extrapatrimonais de caráter pessoal e familiar, que podem vir juntamente com as patrimoniais sob forma de cláusula, ou esgotar inteiramente a declaração do testador, hipótese em que o testamento terá apenas essa finalidade. Logo, serão  também válidas as disposições testamentárias  de caráter não patrimonial, mesmo que o testador apenas a elas tenha se limitado grifo nosso . (CC, art. 1857, § 2°) (DINIZ, 2013, p. 209).”

Diante deste conceito, pode-se depreender que há sim, certo respaldo e possibilidade jurídica para que os óvulos ou sêmens sejam deixados por meio de testamento - testamento biológico seria, a nosso ver, a nomenclatura mais apropriada visto que não se trata de bens patrimoniais, mas sim de bens extrapatrimoniais, mais precisamente bem genético (biológico), daí o nome testamento biológico – visto que este material genético (sêmen ou óvulos) serão utilizados post mortem , isto é, após a morte do doador testador.

Poderíamos analisar ainda como possibilidade jurídica para a utilização desse material genético/biológico o que dispõe o artigo 14 do Código Civil abordado no conceito acima, qual seja a possibilidade de no testamento ser feita a disposição do próprio corpo para fins altruísticos ou científicos, não obstante, pode-se ainda enquadrá-la também como possibilidade de disposições extrapatrimonais de caráter pessoal e familiar, ponto destacado por Maria Helena Diniz.

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