Previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 – Lei Fundamental do país –, todos são iguais sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos fundamentais do ser humano: à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Ainda, essas normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais possuem aplicação imediata, isto é, cada um possui o direito de exigir plena efetivação do que lhe é próprio. Também, o artigo 6º da Constituição define os direitos sociais dos cidadãos brasileiros ou estrangeiros residentes, sendo eles, o direito a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, bem como a assistência aos desamparados (todo individuo que se encontrar em situação de extrema vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar). 

No entanto, ainda que expresso no texto constitucional, a eficácia da norma acaba por ser limitada, mostrando-se insuficiente no que concerne aos direitos das crianças migrantes. Assim, é necessário a discussão à respeito do acesso à educação e a manutenção do menor estrangeiro nos espaços escolares, a fim de buscar soluções para eventuais problemas de modo a garantir o desenvolvimento pleno destas.

Introdução

A intensificação do fluxo de migrantes no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX não foi escoltada pela garantia do direito à educação. De primeiro momento, já se encontra certa dificuldade em certificar direitos que hoje são fundamentais inatos ao indivíduo.

            Nesse contexto, os estrangeiros residentes no país tiveram o consenso por parte do Estado brasileiro para estabelecer novas escolas, próprias ao seu desenvolvimento integral, denominadas escolas de imigração ou escolas étnicas. Estas visavam garantir o acesso à educação àqueles que viessem do exterior no sentido de que pudessem sentirem-se pertencidos. Isso, sobretudo, não era algo exclusivo somente aos imigrantes europeus ou asiáticos, logo, os africanos conservavam escolas específicas.

Não obstante, o sistema de ensino já se mostrava falho, mas, não bastasse, o conflito entre brasileiros natos e aqueles que possuíam nacionalidade diferente daquela do país era ainda um desafio a ser combatido. A imigração é um fenômeno que sempre ocorreu em diferentes épocas e lugares, e ela se dá por motivações econômicas, políticas, culturais e naturais. No geral, os imigrantes buscam por meio de tal processo melhores condições de vida, e acreditam que, transitando de um território para o outro, encontrarão.

Porém, esse cenário começa a se transformar após a primeira Guerra Mundial, com o início da política de nacionalização e limitação das escolas de imigração. O ensino no Brasil, por sua vez, tentava abranger os imigrantes de modo a aproximar as disciplinas às étnicas. Logo, no ano de 1938, a nacionalização tornou-se compulsória, ou seja, obrigatória a cada um, e, neste mesmo ano, decretos extinguiram aquilo que acabara por ser conquistado aos menores estrangeiros – as escolas de imigração exigia o uso do português em todos os materiais de ensino e proibia o ensino da língua mãe aos menores de 14 anos. Isso, notoriamente, foi um retrocesso ante aos direitos alcançados.

Frente a isso, surgiu a preocupação de inserir os imigrantes no sistema público de ensino sob a imposição do idioma nacional e a propagação a respeito da diversidade cultural. Porém, outro desafio era imposto: a capacitação de profissionais que atendessem a demanda de cada aluno estrangeiro e agasalhasse suas necessidades em particular. Em 1980, a situação se agravou absurdamente com a promulgação do Estatuto do Estrangeiro, que estabelecida que a matrícula escolar só poderia ser feita se o imigrante estivesse devidamente registrado e possuísse o documento de identidade do Brasil, ou seja, que este poderia ser considerado cidadão brasileiro de acordo com os dispositivos legislativo. Logo, as crianças migrantes passaram a ser barradas na rede estadual de ensino, o que mobilizou as organizações ligadas à causa migratória, que se articularam com os movimentos de educação e direitos humanos.  

  1. O Estatuto do Estrangeiro 

No que diz respeito a garantia de direitos fundamentais de crianças e adolescentes estrangeiras no Brasil, pode-se destacar o tema da educação escolar de imigrantes, em especial daqueles em situação indocumentada, como um exemplo elucidativo da inadequação e descontextualização da legislação de referência no tema das migrações no Brasil. A redação do Estatuto do Estrangeiro é clara ao afirmar que não serão admitidos estrangeiros não registrados (ou seja, em situação migratória irregular) em estabelecimento de ensino de qualquer grau (ESTATUTO DO ESTRANGEIRO, art. 48). O que significa afirmar a exclusão de toda criança e adolescente imigrante indocumentado do acesso à educação escolar no Brasil.

O dispositivo acima mencionado não foi recepcionado pela Constituição Federal brasileira de 1988 que garante, em território nacional, o acesso universal ao direito fundamental à educação. Ademais, como encontra-se em sentido contrário ao conteúdo estabelecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948, que em suas considerações iniciais reconhece que os direitos humanos fundamentais não se fundam na qualidade de ser o sujeito cidadão de determinado Estado, mas se referem ao fato de que tais direitos têm como essência os atributos da pessoa humana, afirmando a educação como direito e dever de todos os seres humanos; em sentido contrário a Carta Magna de 88, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, além dos tratados internacionais recepcionados pelo Brasil, assegurarem o direito à educação escolar para todas as pessoas residentes no país, independente de regularização migratória.

Por conseguinte, o Estatuto do Estrangeiro foi revogado em 1995, isto é, deixou de ter vigência e eficácia social, consequentemente, deixando de produzir efeitos na sociedade. Apesar disso, hoje muitas crianças ainda sofrem com essa limitação. Atualmente, muitos brasileiros manifestam-se contra à imigração, seja pelo etnocentrismo, por motivos de emprego e/ou desemprego, seja por motivações de crenças etc., negando a matrícula para migrantes sem documentação.

Dessa forma, não basta apenas garantir o acesso à educação dos menores estrangeiros, tem de reconhecer e valorizar as múltiplas identidades e culturas existentes em sala de aula – e fora dela –, representando um desafio histórico para as instituições de ensino no território brasileiro.

Portanto, é necessário que o acesso à educação seja efetivo, por meio da disponibilidade de vagas e estabelecimentos, em outras palavras, que haja instituições e programas de ensino suficientes, de modo a garantir o ingresso do aluno de maneira adequada; por meio da acessibilidade, sem que fatores econômicos, legais ou discriminatórios impeça a inserção e a manutenção do aluno estrangeiro nos ambientes escolares; por meio da aceitabilidade, com padrões mínimos de qualidade; e adaptabilidade, que seja flexível o olhar para a diversidade dos alunos, no sentido de que todos – não somente os imigrantes – se sintam pertencidos, acolhidos e entendidos, pela escola, pelo Estado e pela sociedade. Posto isto, embora ainda sejam poucas as escolas que desenvolvam projetos interculturais, é de extrema importância que essas experiências sejam compartilhadas e visibilizadas como modelo para novos projetos em outras escolas, e em outros lugares. Além disso, é preciso incidir sobre o poder público, de forma a ocupar todos os espaços de discussão em que as políticas são construídas, com a finalidade de fortalecer uma sociedade civil repleta de imigrantes adentro no poder público local. Neste sentido, o Brasil deve se questionar se efetivamente está cumprindo seu dever de garantir, com igualdade, os direitos da população imigrante residente no país, proporcionando, de maneira especial, uma interpretação ampla e protetora dos direitos dos meninos e meninas migrantes residentes em seu território. Com isso, somente, pode-se reforçar a ideia de que todos são iguais sem distinção de qualquer natureza.

 

  1. Adriana Peres de Barros: Graduada em Pedagogia com Especialização em Educação Infantil e Alfabetização; Psicopedagogia Institucional.
  2. Jane Gomes de Castro: Graduada em Ciências Biológicas e Pedagogia com Especialização em Eco Turismo e Educação Ambiental.