O difícil exercício do amor para o adolescente

Por Central Press | 03/06/2013 | Sociedade

Juliana Radaelli*

No mês que se comemora o Dia dos Namorados, nos dedicamos a falar do amor e das condições necessárias para que ele surja em sua forma mais definitiva, na fase adulta. Essa afirmação nos faz pensar que o amor não é um fenômeno exclusivo dos adultos, mas dependente de um processo que inicia na infância e se desenvolve até a fase adulta - onde pode se estabelecer, ou não.

Mas é na juventude que o exercício do amor se impõe, seja ele imaginário ou factual. A adolescência é definida como um período de reelaboração da complexa relação amorosa vivida entre a criança e seus pais - chamada de complexo de Édipo. Ou seja, é a retomada da investigação sexual que a criança exercitou na infância e permaneceu adormecida, mas não completamente, por alguns anos até o seu despertar na puberdade.

O período de latência antecede o encontro com a sexualidade, que acontece após a puberdade, e se caracteriza por um período de preparação, como descreve o psicanalista Jacques Lacan, no livro “Os complexos familiares” (Ed. Jorge Zahar). O complexo de Édipo, bem como a fase de latência, se assemelham a uma puberdade psicológica vivida precocemente pela criança.  Assim, as paixões dos adolescentes, cuja causa muito facilmente atribuímos à emergência dos hormônios, já estava sendo gestada desde a infância.

Todas as famílias, de algum modo, entendem esse processo a partir do que vivenciam no dia a dia de negociações com os pequenos. Possivelmente, muitos pais experimentaram o quanto é boa a latência, porque, passado o tormento dos primeiros anos, vem a calmaria.

Na latência, as crianças não precisam tanto do olhar de seus pais que lhes assegurava o amor - por isso elas se dedicam a muitas atividades solitárias, passam mais horas em seus quartos, isoladas dos familiares e estão mais dispostas que no período anterior ao aprendizado. É uma fase de absorver informações. As famílias gostam muito da latência.

Esses comportamentos se opõem aos que são exercitados pelas crianças na fase anterior. Os pais sabem o quanto é difícil negociar com os pequenos porque na maioria das vezes eles perdem a batalha. Não é raro vermos as crianças disputando com seus pais e impondo suas vontades muitas vezes absurdas, sendo birrentas e agindo com comportamentos agressivos.

Não por acaso, meninos e meninas respondem aos pais com comportamentos diferentes, essa diferença ocorre devido à própria estruturação psíquica, que é decorrente do reconhecimento da diferença dos sexos e, consequentemente, do complexo de castração. No início da vida, meninos e meninas vivem uma relação afetiva de amor com a mãe, que sofre um abalo quando lhes é imposto o reconhecimento da diferença sexual anatômica e junto à representação de incompletude se inscreve. A partir desse momento, meninos e meninas terão destinos subjetivos distintos. Ele renunciará à relação amorosa com a mãe e internalizará a lei paterna, enquanto ela fará uma separação da relação com a mãe mais conflituosa, passando a reivindicar uma potência imaginária.

Mas, ao chegar a latência, as tendências sexuais da infância tornam-se em parte dessexualizadas. Esse fenômeno é o que garante um período de descanso aos pais e ao próprio sujeito, até a chegada da puberdade. Nessa fase, se dá uma inversão em relação ao desejo - a criança que até agora vivera a sua sexualidade na relação com os pais, terá de enfrentar o surgimento de desejo nela mesmo. E isso não será muito fácil.

O adolescente vai tentar se convencer do seu ideal, que diz respeito ao seu crescimento - ele quer parecer mais velho do que pode suportar. Nas meninas, esse comportamento é facilmente observável quando, ao vestir a fantasia, querem saber o que isso desperta no outro. Se ninguém as reconhece como adultas, ficam irritadas, mas se o seu desejo for reconhecido, elas entram em pânico. Isso aponta para uma condição ainda frágil da jovem em relação ao seu desejo e sua condição para amar.

A marca da adolescência que assusta a todos diz respeito ao sujeito se ver muito mais desejante do que desejado, como acontecia na infância. Na adolescência, ocorre uma inversão do desejo da infância, passando do “desejo da mãe” para o “ser desejado por ela” e então para o “fazer-se desejar”. Por isso, a adolescência sempre causa incômodo: aos jovens que lutam para assumir o seu desejo, sempre desproporcional, e aos pais que sofrem ao constatar a sua efemeridade.

 

* Juliana Radaelli é psicanalista, professora de Psicologia da UniBrasil e doutora em Educação (USP).