O dia em que Roberto Carlos não veio - Epilogo - "The Show Most Go On"

Amanhecer de 9 de maio de 2009, dia gostoso em que imaginei seria mais um dia de sábado. Para não dizer que seria a mesmice de sempre estava repleto de festas. Aniversário de um sobrinho, ou seja, perspectiva de churrasco dos bons, e uma festa de 15 anos, à noite, que me inspirou, insistente e chatamente, a passar o dia todo repetindo uma velha e desgastada piada: vou levar até umas malas. 15 anos demora muito.
Mas foi logo ao amanhecer que o dia me apresentou uma boa surpresa!
Com tanta festa, eu, mesmo com minha vasta calvície, considerei ser importante dar uma acertadinha em meus parcos cabelos. Ainda na cama, rouco de dormir, liguei para o salão de cabeleireiros de costume, suplicando uma horinha em sua agenda. Gentilmente me “encaixaram” para as 9:30,  hora na qual chegaria a minha cabeleireira preferida. Minha preferida, pois, por falta de cabelo, cuidava dos detalhes como sobrancelha, nariz, orelhas, os raros cabelos que insistem em crescer na minha testa; eu acredito que seja para compensar o valor pago para aparar tão escassa cabeleira.
Que injustiça a minha, naquele dia descobri que se tratava de um grande carinho que ela e todas naquele salão dedicavam a mim.
- “ O Luiz é muito alegre. Quando chega, todos curtem seu alto astral.” Bom saber disso. A gente sente que a vida vale à pena quando distribuímos alegria, otimismo. Por que não?
Entrei no salão. Cafezinho gostoso, sorrisos de bom dia e a dona do salão, curiosamente, me pergunta: “você ta tranquilo ou muitas namoradas?”. Eu? To “sussa”, respondi. Então quero te apresentar uma amiga, olha... E la foi ela derramando informações carinhosas a respeito de uma mulher “maravilhosa, recém separada, que ta sozinha, precisando de uma companhia prá passear, ir ao cinema....” - Opa! Péra aí, minha amiga! Eu disse que to “sussa”. Mulher recém separada, melhor não! – Ah! Mas podem ser amigos. Retrucou, sorrindo. Bom eu, na minha intuição e experiência de vida, já sabia que este tipo de encontro nunca fica na amizade. Ainda mais entre duas pessoas carentes.
Eu também estava carente. Confesso!
A cabeleireira preferida chega, ouve o papo e tenta entrar na conversa. Eu, meio desconcertado,  interrompo dizendo que precisava cortar o cabelo logo...
A conversa não mudou de rumo.  Tá, bom, vocês tem razão... acho que posso tentar ser amigo da moça. As duas sorriram – “Olha, nós gostamos muito de vocês dois.” Foi aí que me lembrei que havia ganhado dois convites para ver, de camarote, o Show do Roberto Carlos, em um Rodeio, na cidade de Jaguariúna, aqui, ao lado de Campinas. Cheio de imaginação, como sempre me acontece nessas horas, propus um convite à moça, através da minha insistente amiga. Bom, toma meu cartão, diga a ela que a estou convidando para irmos juntos ver o Show, na próxima sexta feira, dia 15 de maio. Nossa! Exclamaram! Um Show do Roberto Carlos!!! Que romântico! Ah! Estamos vendo que vocês vão se dar muito bem!
Mas... o que Roberto Carlos viria fazer em uma festa de Rodeio? Um ídolo como ele, 50 anos de carreira? Um mito que povoou minha imaginação com romantismo exacerbado, desde minha primeira paixão aos 10, 12 anos de idade. Isto não poderia dar certo.
Lembro-me que aos 14, tinha “gamado” – era assim que se dizia na época, quando se estava apaixonado - por uma menina muito linda. Fiquei frustrado ao saber que tinha outro garoto na “parada”. Só que o garoto gostava de dar uns beijinhos e mais nada. Ou seja, a pobre vivia infeliz com aquilo. Bom! Eu que já sabia alguns acordes no violão, fiz de tudo para criar uma oportunidade de cantar prá ela. Muito engraçado aquilo. Consegui entrar em uma roda de amigos onde ela estava, o tal cara também, e de pronto coloquei toda ternura possível em minha voz e cantei: “ Esqueça, se ele não te ama; esqueça se ele não te quer... não chores mais, vem prá mim, porque posso te dar amor sem fim...”. Sucesso! Ela olhou prá mim e eu não perdi a oportunidade. Emendei “Olha aqui, preste atenção! Esta é a nossa canção! Vou cantá-la seja aonde for, para nunca esquecer o nosso amor! Veja bem, foi você, a razão e o porquê, de nascer esta canção assim, pois você é o amor que existe em mim!”
Que lindo lembrar-me de tudo aquilo ali, sentado na cadeira da minha cabeleireira. Claro que nada disso eu falei em voz alta. Foram segundos de silêncio que logo foram interrompidos por minha amiga, ansiosa em ouvir a resposta, se eu queria ou não conhecer a “menina de 48 anos”. Claro, o show! Afinal, porque não recordar de momentos tão significativos em minha vida ao lado de uma... menina de 48 anos?
Bom, o fim de semana voou. Sábado, churrascão a tarde toda em uma linda chácara. À noite, festa de 15 anos. Claro que antes de sair do churrasco não hesitei em recontar a piadinha imbecil: adeus gente, só volto daqui a 15 anos. Oh vida boa! Bom poder contar com amigos felizes que até toleram ouvir isto e, ainda, riem. Domingo, almoço do dia das mães com uma deliciosa feijoada feita no capricho por meu filho Kadú.
A segunda feira chegou, abro meus e-mails e, surpreendentemente lá estava uma mensagem da menina de 48 anos: “ Oi, eu sou amiga da cabeleireira, ela fala muito bem de você e me deu o seu cartão. Confesso que achei divertido receber um convite para ir a um show, de alguém que não me conhece. Aceita o risco?! ....rsrsrs” Claro que, diante de comentário tão curiosamente descontraído eu considerei que Deus, e minha amiga, claro, estavam me dando a chance de conhecer alguém especial.
Pronto! Trocas de e-mails, telefonemas... a semana voa prazerosamente.
Chega, então, a véspera do tão aguardado show. Eu estava ansioso demais para esperar o dia seguinte e então, propus: que tal nos conhecermos hoje, assim amanhã iremos ao show já como bons conhecidos? Para minha alegria ela aceitou. “Claro, vamos tomar um café no final do dia.” E fomos.
Sem descrição; ficamos encantados na primeira troca de olhares. Lembrei-me de outra canção do Rei: “Nessa minha vida agitada já não tenho mais tempo prá nada, já nem posso mais pensar no amor! Mas vejam só que mesmo assim...”  Assim “sai do ar” por instantes. “Hei! Porque você fica me olhando assim? “, diz ela me tirando dos meus pensamentos. Eu estava admirando sua beleza e surpreso comigo mesmo. Cara! Você dançou. Agora é tarde... já era. Mas, graças a Deus, não fui somente eu, nós dois estávamos surpreendentemente felizes com o encontro.
Amanhece o dia 15, enfim o show!
Aí uma notícia desagradável tenta estragar nossos planos. Uma tempestade danificara parcialmente o recinto do Rodeio e o show foi adiado. Prá quando? Perguntei-me angustiado.  Ah! Não. Hoje preciso rever a menina de 48 anos.  Logo em seguida recebo um e-mail dela lamentando o acontecido. “Péra” aí, eu não vou deixar assim. Que tal trocarmos o show por um jantar? Claro, concordou ela, aceito.
Bom... Foi uma noite maravilhosa! Uma semana maravilhosa! Duas semanas divinas!
O show foi remarcado para o dia 24.
Porém, na noite do dia 22, antevéspera de tão aguardada data, uma catástrofe acontece no recinto do rodeio. Uma multidão provoca uma correria para chegar perto dos cantores que se apresentavam naquela noite de sexta feira. Uma tragédia anunciada pela falta de estrutura para atender a tanta gente com febre e paixão por seus ídolos. Dezenas foram terrivelmente pisoteados e quatro jovens, lindos em seus vinte e poucos anos, morreram.
As autoridades decretaram o fim da festa e interditaram o recinto.
O show do Rei... foi cancelado.
Eu que naqueles últimos dias tinha vivido em estado de êxtase, estava incrédulo. Caramba! Na noite anterior, embevecido pela beleza da minha menina de 48 anos, eu sussurrei aos seus ouvidos: “No teu corpo é que eu encontro depois do amor o descanso e esta paz infinita!...”. Eu queria ouvir isto tudo, ao vivo, juntinho com ela, cantado pelo ídolo! Já imaginava lágrimas de emoção quando ele irrompesse o palco com o clássico “Quando eu estou aqui, eu vivo este momento lindo, olhando prá você e as mesmas emoções sentindo.”

Que nada! O Show não aconteceu! Tentaram convencer o empresário a remarcar a data, mesmo fora do evento. Roberto Carlos, que eu soube depois, havia sido convencido por colegas artistas, a não encerrar sua “tournée” comemorativa dos 50 anos de carreira, sem antes se apresentar em um rodeio, foi implacável. Não! Não temos mais data.
Afinal, prá que arriscar a imagem de tão especial personalidade?
E Roberto Carlos não viria mais!
Na semana seguinte, uma reviravolta na vida da menina de 48...,  não, na vida da menina de 49 anos. Eu ainda consegui comemorar junto com ela seu aniversário. Um dos últimos momentos que passamos juntos. Havíamos planejado participar de um evento na próxima semana, mas... ela também não veio.
A então menina de 49 anos, talvez não pudesse mais vir. Sua vida continuava atrelada ao passado e eu, desencantado pelo destino que me apresentou tão encantadora mulher, sentia que deveria começar o exercício de me desencantar e juntar às minhas memórias uma linda história que teve princípio, meio e... fim, enquanto aguardávamos o Rei.

Os ingressos para o show que não aconteceu nós guardamos. Ela ficou com um e eu com o outro. Uma lembrança gostosa que prometemos, um ao outro, preservar.
Foi uma linda experiência que, mais uma vez, me fez ter certeza de que devemos estar abertos à felicidade, pois o que aquece e dá sentido às nossas vidas são estas chamas de paixão, até que aconteça aquela especial, que perdure eternamente! E, se “não for imortal, posto que é chama, que seja infinito enquanto dure!”

Afinal, no final das contas,... “se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi!”

The Show must go on!... and... a life... too!