O desvio linguístico e o seu impacto no Processo de Ensino-Aprendizagem da Língua Portuguesa

Uma abordagem crítico - reflexiva entre o português padrão e a variante moçambicana

Sélio Cussumo Jacinto Joaquim  [email protected]

Tomás António Gomes             [email protected]

                

Universiade Pedagógica Moçambique

Resumo

Com o presente artigo pretende-se reflectir em torno do impacto do desvio linguístico no ensino e aprendizagem da língua portuguesa em Moçambique, um contexto linguisticamente heterogéneo em que se destacam dois aspectos fundamentais, designadamente: por um lado, o facto de a língua oficial (o português), igualmente adoptada como a língua de ensino, constituir, fora algumas experiências embrionárias, a principal língua de ensino, o que se consubstancia numa inutilização institucional das línguas nativas e, por outro, o facto de a língua de ensino não constituir a (L1) de grosso modo dos alunos, o que faz com que esta seja aprendida pela maioria dos alunos moçambicanos como uma (L2). Quanto à metodologia, é uma pesquisa bibliográfica. Através desta pesquisa espera-se que o leitor amplie o seu conhecimento em relação a este fenómeno linguístico em Moçambique.

Palavras-chave: Ensino, Aprendizagem, Desvio Linguístico, Variação Linguística e Língua Padrão.

 

ABSTRACT

This article is aimed at reflecting on the impact of the linguistic deviation in Portuguese Language Learning and Teaching in Mozambique, a linguistic heterogenic context in which two fundamental aspects outstand, namely: on the one hand, the fact that the official language (Portuguese), equally adopted as the instruction language, constitutes, except some embryonic experiences, the main instruction language, which leads to institutional marginalization of native languages.On the other hand, for the majority of Mozambican students, the instruction language is not their (L1), therefore, they learn it as (L2). Concerning methodology, this is a bibliographic research. It’s hoped this research will expand readers’ knowledge on the described linguistic phenomenon in Mozambique.

Key-words: Learning, Teaching, Linguistic Deviation, Language variation and Standard Language.

 

 

1.Introdução

A língua, independente de qual seja, está sujeita à variação, que pode ser intralinguística, quando se manifesta nos usos e nas estruturas de um mesmo sistema, ou pode também ser interlinguística, que é a existente entre os próprios sistemas linguísticos.

A presente pesquisa surge da necessidade de se reflectir em torno do desvio linguístico no contexto moçambicano em que se elege a variante europeia como língua padrão e para o uso na escola, todavia no quotidiano da comunicação moçambicana, nos mídias, nas universidades, usa-se uma variante moçambicana do português, (PM), caracterizado por apresentar desvios em relação à norma padrão (PE), e ainda pelo recurso aos neologismos de forma e semânticos, (integração de novas palavras que não existem no dicionário do português padrão, caso de palavras como machimbombo, machamba, chapa, etc., ou ainda a integração de algumas palavras provenientes das Línguas Bantu, caso de Timbila, phahlar, etc).

Esta situação concorre, de alguma forma, para o insucesso dos alunos, na medida em que não conseguem falar a norma padrão europeia, apesar de os curricula preconizarem que se ensine a norma padrão.

Nesta pesquisa sugere-se a padronização da variante moçambicana, bem como a elaboração de dicionários e de gramáticas que ilustram a realidade sociolinguística de Moçambique para a melhoria da qualidade de ensino e também para a auto-estima dos moçambicanos em geral, eliminado assim o preconceito de que os moçambicanos não sabem falar português.

 Neste sentido, no desenvolvimento do trabalho destacam-se dois aspectos fundamentais, designadamente: a apresentação de algumas estruturas produzidas pelos alunos e falantes do Português Moçambicano, consideradas atípicas em relação a norma padrão e por fim, algumas propostas de mudança linguística na escola moçambicana.

2.

Desvio linguístico e o seu impacto no Processo de Ensino-Aprendizagem da Língua Portuguesa

Em Moçambique, para a maioria dos alunos, a aquisição do Português, em contexto natural ou institucional, ocorre num ambiente multilingue, em que as línguas bantu constituem a língua materna da maioria dos alunos, facto que os leva a revelar muitas dificuldades no manuseamento da língua portuguesa, concretamente no que diz respeito à selecção lexical bem como produção de um discurso lógico e coeso.   

Isto se deve, por um lado, ao facto de o nosso currículo eleger como língua de ensino, o Português do ex-colonizador, tido ate então como língua padrão, pouco usada no quotidiano até mesmo no contexto formal; mas que os nossos alunos assim como os próprios professores se encontram familiarizados com a variante moçambicana, com muitas estruturas linguísticas consideradas desviantes em relação ao Português padrão. Por outro lado, nos contextos em que a língua materna do aluno é uma língua bantu, que é mais usada na comunicação caseira, isto faz com que o aluno tenha dificuldades ao aprender o português pela primeira vez na escola.

 A título de exemplo, o estudo apresenta-se a seguir algumas frases produzidas pelos alunos e falantes do Português Moçambicano. São estruturas consideradas polémicas, desviantes ou não aceitáveis tendo em conta a norma europeia.

  1.  Desvios lexicais
  1.  PM:  “Só queria parabenizar o grupo pelo trabalho apresentado.”

PE: Só queria felicitar o grupo pelo trabalho apresentado.

Para o caso da frase em a), GONÇALVES (2010:27), considera o uso desta entre outras palavras como: machamba, machongos, matabicho, chapeiro, como desvio à norma padrão, considera-os neologismos de forma, pois são palavras usadas no PM mas que não se encontram registadas no dicionário do português europeu.

Ademais, o caso de “chapeiro” denota ainda o caso da ma aplicação dos afixos, pois resulta da união de um neologismo semântico[1] chapa e o sufixo eiro para designar o condutor do autocarro.

  1. PM: Estanhosamente, o grupo nem se quer apresentou as referências bibliográficas.
  2.  

Neste caso da frase em b, GONÇALVES (op.cit), classifica-a como erro ou desvio lexical, derivado da má aplicação dos afixos, o que revela que os falantes do PM conhecem as regras gramaticais mas não as restrições ou contextos de aplicação. Ainda sobre este caso,

VILLALVA (2008), avança que o sufixo mente selecciona sufixos (-masculinos).

  1. Concordância verbal
  1. PM: Queres ter um emprego já? Vá já ao Instituto de Formação Profissional.

PE: Quer ter um emprego já? Vá já ao Instituto de Formação Profissional.

Neste caso, a violação da concordância verbal incide sobre a confusão nas formas de tratamento (uso de tu e você). Os alunos, bem como os demais falantes têm revelado dificuldades na uniformização das formas de tratamento nas frases.

  1. Selecção de artigos e preposições
  1. PM: Saiu em invés de entrar.

PE: Saiu ao invés de entrar.

  1. PM: Recebeu telefonema.
  2.  

            O artigo definido (o, a, os e as) e indefinido (um, uma, uns, umas), são palavras que se antepõem aos substantivos.” Estes denotam conhecimento prévio do ser ou objecto referido pelo substantivo, e que os artigos indefinidos apresentam o ser ou objecto designado pelo substantivo de forma imprecisa ou indeterminada”.( Gonçalves & Stroud , 1998:39).

            Na frase em e), o falante do PM confunde a semântica das duas expressões, sendo que em geral, a primeira (em vês de) é usada em contextos de substituição e a segunda (ao invés de) em contextos de contraste.

Há uma razão que é tida como fundamental para se ensinar a norma padrão, que  é, precisamente, o facto de ser esta, uma forma valorizada da língua, sem o conhecimento e domínio desta gramática nenhuma criança será capaz de se integrar na sociedade. Gonçalves & Stroud (op.cit.:17).

           Esta posição diverge com a visão de Programa de Português para o Ensino Básico - III° ciclo, pois este defende que se espera que o ensino acomode e potencie a vivência cultural e, no caso específico da língua, a experiência linguística que a criança traz de casa. Deste modo, a aula de língua deve ser um espaço em que, com o auxílio do professor, a criança adquire ferramentas que lhe permitam organizar e manipular a língua, de acordo com as suas necessidades comunicativas.

A norma padrão, como qualquer forma da língua, têm as suas raízes, e representa contextos específicos e posições de interesse político e social. Uma implicação notável na promoção de uma forma padrão aceite de uma língua prende-se com o facto de que aqueles que não a dominam estarem excluídos da participação comunitária. A abordagem normativa serve, em última instância, para perpetuar uma abordagem social específica baseada na relação poder -conhecimento. Apenas aqueles que dominam a norma – que falam correctamente – constituem membros legítimos da comunidade e é lhes dado “ o direito de falar”. (Bordieu, 1991 apud Gonçalves & Stroud, 1998:15).

Esta é então, uma razão muito forte para se ensinar às crianças a norma padrão do Português e encontra fundamento na questão de violência simbólica referida por Bourdieu & Passeron (1992:77), ao afirmarem que “toda a acção pedagógica é uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário de uma arbitrariedade”.

A outra razão para se ensinar a norma padrão do Português é que a abordagem normativa da língua constitui a linguagem que as instituições de educação promovem. O pensamento pedagógico em geral considera o desenvolvimento de uma língua padrão extremamente rigoroso, claro e explícito. Entende-se que esta está representada de uma forma mais consistente na linguagem escrita, e está a mais desligada possível das invenções linguísticas que caracterizam a língua oral.

Sendo a língua, o instrumento de inter-relações que se estabelecem entre as pessoas, (relações sociais, culturais, históricas, académicas, etc.), ela está sujeita a variações e mudanças, proporcionadas pelo contacto que esta estabelece com as outras línguas.

Parte-se do princípio de que qualquer língua que entra em contacto com outras, a sua forma inicial sofre influências, quer extra, quer intra-linguísticas, logo, no contacto que o Português Europeu tem com as línguas moçambicanas, que reconhecidamente são de origem bantu, constatam-se variações e mudanças a nível lexical, sintáctico, semântico e pragmático, tal como sustentam Mateus et al (2003:33), ao referir que

Qualquer língua varia ao longo do tempo e do espaço da sua utilização, em função de contacto com outras línguas, em função das pertenças sociais e culturais dos seus falantes e em função das próprias situações em que é utilizada, sendo o contacto entre as línguas um dos factores que mais contribuem para desencadear a mudança linguística.

A preocupação com o ensino de um padrão normativo encontra fundamento teórico na controvérsia sobre conceitos tais como padrão e norma, e as suas implicações para os falantes. O contexto moçambicano proporciona novas variedades do Português como base para contestar e desenvolver muitos aspectos da subjectividade (padrão europeu/pós-colonial).  

Falar Português liga os falantes a redes globais ou transnacionais com o que a língua está associada, ao mesmo tempo que transforma a língua em várias formas de expressar os seus próprios significados. Muitos aspectos de como os moçambicanos modernos estão a gerir processos transnacionais de formação de identidade aprecem na actual nativização/indigenização do Português.( Gonçalves & Stroud, 1998:15).

A noção sociolinguística de palavra de identidade encontrada na apropriação do português é a de que:

A palavra numa língua é a metade de outro alguém. Torna-se “propriedade nossa” apenas quando o falante a povoa com a sua própria intenção, o seu próprio sotaque, quando se apropria da palavra, adaptando-a à sua própria semântica e intenção expressiva. Antes deste momento de apropriação, a palavra não existe numa língua neutra e impessoal… mas apenas existe na boca das outras pessoas e nos contextos de outras pessoas, servindo as intenções de outras pessoas: é a partir dai que se deve tomar a palavra, e torná-la sua propriedade. (Bakhtin, 1981 apud Gonçalves & Stroud, 1998:16).

Num outro prisma de reflexão, percebe-se que o estudo do desvio linguístico deve começar com algumas perguntas: desvio para quem? De que proporção? Em que contexto? De facto, não existe desvio absoluto, unânime, líquido, pois o que é desvio para um falante não o é para outro; o que causa estranheza a um falante, não causa ao outro; o que é reprovado por um grupo não o é, por outro.

Assim, o que constitui desvio, erro ou ruído linguístico para os falantes da variante Europeia, não constitui nada de estranho aos falantes da variante Moçambicana, ademais, a existência de duas ou mais variedades da mesma língua num determinado espaço geográfico não constitui nenhum problema e que os próprios curricula devem ser claros quanto a este aspecto, pois por um lado preconizam o ensino da língua padrão mas, em contrapartida usa-se nalguns manuais de ensino exemplos na variedade moçambicana.

3. Propostas de Mudança Linguística na Escola Moçambicana

Em Moçambique, a língua portuguesa é considerada língua oficial, língua segunda, língua de unidade nacional e partilha o mesmo espaço geográfico com mais de vinte línguas bantu faladas pela maioria da população. A norma-padrão perde espaço dando lugar ao Português moçambicano que tem características próprias do contexto sociolinguístico do país.

 A escola esforça-se mas não consegue ensinar essa norma europeia devido ao multilinguismo e ao contacto do português com as línguas africanas, fato que se reflecte nos mídias e na literatura oral e escrita

Através desta pesquisa sugere-se a padronização da variante moçambicana, bem como a elaboração de dicionários e de gramáticas que ilustram a realidade sociolinguística de Moçambique para a melhoria da qualidade de ensino e também para a auto-estima dos moçambicanos.

Actualmente, o Português de Moçambique é regulado por uma Norma europeia adaptada à realidade deste país. Estudos realizados por Dias sobre o fracasso escolar no ensino e aprendizagem do Português concluíram que os alunos (monolingues e bilingues) fracassavam na aprendizagem do Português por usarem uma variedade diferente da escolar. A essa desigualdade, a autora chama de conflito político-linguístico:

 

…o grande conflito político-linguístico que se coloca na escola moçambicana, em relação ao ensino da LP é que, por um lado, é necessário manter uma língua de instrução (Português) e uma Norma padrão (variante europeia) comum dessa língua e, por outro lado, é grande o impacto e a influência das Normas não - padronizadas da variedade moçambicana na fala dos alunos. A escola não aceita e desvaloriza os usos linguísticos não padronizados que os alunos fazem da LP. (Dias, 2004: 3).

Apesar de a escola desvalorizar e recusar o emprego da língua não padronizada (moçambicana), ela vê-se confrontada com a influência dessa variedade. Há evidências de que professores e alunos utilizam na sala de aulas o Português não padrão, pois constatações tidas no âmbito do Estágio Pedagógico (assistência de aulas), ditaram que durante a interacção entre os professores e alunos há dificuldade de se falar o português padrão.

 Se considerar-se que os alunos olham para o como modelo de bom falante do Português, então, a consequência disso é que eles vão reproduzir as estruturas linguísticas dos enunciados ouvidos, porque eles supõem que as construções estão gramaticalmente correctas.

Parece que estes desvios atingiram um estado de estandardização, isto é, enunciados que deveriam ser considerados “erros” gramaticais atingiram a dimensão normativa devido ao seu frequente uso na sala e na comunidade dado que muitos falantes já não têm memória da norma padrão. Esta situação pode ser particularmente grave para o professor, pois ele é considerado e confiado pela escola, o principal responsável pela direcção e monitorização do saber linguístico.

Neste sentido, o domínio da língua seria indispensável para que ele transmitisse aos alunos a consciência da estrutura funcional. Por extensão, esse conhecimento reflectir-se-ia na formação linguística da sociedade.

A necessidade da elaboração da norma do Português de Moçambique tem suscitado vários estudos e discussões na sociedade moçambicana. Estudos realizados por Firmino, Gonçalves, et al. , Gonçalves e Stroud e Dias, referem que o Português falado em Moçambique é uma variedade distinta da europeia.

Neste contexto, a discussão sobre a aprendizagem da LP leva-nos a compreender que o sistema educativo moçambicano enfrenta problemas de natureza linguística e normativa. Este problema poderá estar na origem da segregação dos usuários do Português em três principais grupos: os pró - europeus, os pró - brasileiros e os pró – moçambicanos (aqueles que defendem a emergência de uma Norma do Português de Moçambique), o que poderá agravar o preconceito em relação à variedade moçambicana do Português, considerada língua “marginal”.

O contexto moçambicano revela que a variação linguística, em relação à norma padronizada europeia, exige uma tomada de medidas rápidas ao nível da aplicação de uma política linguística que adopte as estruturas gramaticais emergentes. Assim deverá ser pois os falantes têm uma determinada forma de organizar e estruturar o seu discurso e isto varia conforme o contexto sociocultural dos usuários. Se a organização discursiva dos falantes não convergir no sentido da norma-padrão, desencadeia-se uma situação conflituosa entre o político e o linguístico, entre o usuário e o político - linguístico.

Portanto, entende-se que o conflito político linguístico, no sistema educativo, existe pelos seguintes motivos:

  1. A representação conceitual do discurso que os usuários armazenaram na memória: como assinalámos no primeiro capítulo, os falantes organizam o seu conhecimento do mundo, as suas experiências prévias e realizam a transferência desse conhecimento para as expressões da linguagem natural ou formal; o que acontece, no caso da escola moçambicana, é que a experiência do mundo (em termos de noções de facto, referência, significado, etc.) dos usuários da Língua Portuguesa (nomeadamente, o professor e o aluno) diz respeito ao espaço real e subjectivo de Moçambique; estes falantes reproduzem no seu discurso esse mundo que, como sabemos, é diferente do europeu;
  2. A falta de Autoridades linguísticas e o preconceito linguístico em relação à variedade moçambicana não – padronizada. De acordo com Dias (op.cit: 9), em Moçambique não existem «Academias de Letras, Consultórios linguísticos…» que veiculem a Norma Padrão europeia. Paralelamente a este facto, há um preconceito de que a variedade do Português falado em Moçambique é um desvio ou variedade não culta.

Enquanto persistir o conflito político-linguístico que resulta na exclusão social, será uma utopia falar-se de convivência pacífica na diversidade linguística moçambicana. E neste sentido, será, igualmente, utópico exigir-se que os falantes cumpram Normas inexistentes, porque isto gera violência (a chamada violência simbólica) que, no nosso entender, é de natureza linguística e cultural.

Perante esta situação, o grande desafio da LP no sistema educativo é o de auto superação, isto é, o Português de Moçambique já tomou o rumo para o qual os falantes o direccionaram, como uma opção de vida. Como advoga Dias (op.cit: 24), o Português de Moçambique “corresponde à organização lógica do pensamento do moçambicano que está enquadrado numa certa matriz histórico-cultural, resultante do contacto e da mistura linguística e cultural de duas civilizações principais: a Bantu e a portuguesa”.

A tarefa dos agentes educativos deverá consistir na tomada de decisões/estratégias sobre as possibilidades que esta variedade tem para se afirmar politicamente, ou seja, os desafios devem visar a consolidação da língua que actualmente é o principal instrumento de ascensão política e social dos moçambicanos.

Os argumentos de que a fraca assimilação da LP tem contribuído para o insucesso escolar, sobretudo, no Ensino Básico, levaram o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano a introduzir alterações na sua política educativa, como resposta para facilitar a aprendizagem e reverter a situação do fracasso escolar. Nesta perspectiva, e tendo em conta experiências e modelos de ensino vigentes nos países vizinhos de Moçambique (que valorizam o ensino das línguas endógenas nos primeiros anos de educação formal), adoptou-se o ensino bilingue . Mazula (1995)

Este programa começou a ser implementado em regime experimental em 2003, nalgumas escolas previamente seleccionadas das províncias de Tete e Gaza. A partir de 2004, a escolarização obrigatória passou a ser realizada com base num programa monolingue em Português e noutro bilingue (em Português e em uma língua local).

A implementação do programa bilingue é feita em zonas consideradas linguisticamente homogéneas, onde, normalmente, o Português não é principal língua de comunicação quotidiana. As escolas e os programas usam uma língua local para o ensino e aprendizagem até a 3ª classe; nesse período, o Português é utilizado apenas como disciplina de escolarização. A partir da 4ª classe, a LP torna-se a língua de ensino, mantendo-se, porém, a língua local como disciplina.

As teorias de reprodução social, de Basil Bernstein, explicam que a escola usa um código restrito e elaborado que favorece aos usuários que utilizam o mesmo tipo de código. Isto significa que aqueles que tiverem um código diferente não terão facilidades, podendo, por isso, ser excluídos, porque a escola é, por sua natureza, selectiva.

No caso do sistema educativo moçambicano não é diferente, o código que usado exclui quem não o domina. E, neste sentido, os excluídos são todos aqueles que não se revêem no código usado pela escola (uns por não acederem à norma padrão patente nos manuais escolares, outros porque não se revêem nos professores e alunos que usam a variedade moçambicana não padronizada).

E isto é compreensível, pois o Português falado em Moçambique está a ser regulado por uma norma linguística exógena, que não traduz o contexto social, político e cultural em que é aplicada. O preconceito que existe em relação à variedade moçambicana não padronizada corrobora para a desestruturação da aprendizagem da Língua Portuguesa, contribuindo, assim, para que professores e alunos, com medo de cometerem erros, se sintam sem estímulos ou se julguem fracassados.

Uma medida tendente a minimização deste problema prende-se com a padronização da variante moçambicana, bem como a elaboração de dicionários e de gramáticas que reflectem a realidade sociolinguística de Moçambique para a melhoria da qualidade de ensino e também para a auto-estima dos moçambicanos em geral, eliminado assim o preconceito de que os moçambicanos não sabem falar português. Mais ainda, não basta a elaboração mas sim a socialização e o respectivo uso nas nossas escolas.

Considerações Finais

As línguas reflectem, nos seus léxicos, o espaço onde são faladas e o momento histórico em que são utilizadas como meio de comunicação e expressão, dado que nenhuma língua é estática; toda a língua evolui através do tempo, criando e reajustando as estruturas fonológicas, morfológicas, sintácticas, semânticas e lexicais pelas quais se organiza.

Assim, surge a necessidade de encarar com naturalidade todas as mudanças que a língua sofre, pois elas revelam o dinamismo e vitalidade. A partir deste estudo pude-se inferir que o Português falado em Moçambique está a se distanciar cada vez mais da norma padrão, quer a nível estrutural, quer a nível fonético-fonológico e semântico.

Os diferentes estudos feitos mostram claramente a necessidade e existência de condições linguístico-culturais tendentes à nativização do Português, porém, há precisão de se olhar para o que possa ser útil neste processo, não se deve limitar a defender todas as incorrecções em nome da nativização, pois não se pretende que o Português seja uma colectânea de desvios, nem aceitar passivamente distorções de construções, sob pena de termos uma língua distorcida, para tal, os académicos são chamados a redobrar os esforços no sentido de criar soluções para uma melhoria na performance linguística dos moçambicanos.

Referencias Bibliográficas

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FIRMINO, Gregório. A “Questão Linguística” na África Pós-Colonial: O Caso  do Português e das Línguas Autóctones em Moçambique. Edição Promédia. 2002.

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MATEUS, M.H.M et al, Gramática da Língua Portuguesa. 6ª Edição, Lisboa, Editorial   Caminho, SA,         2003.

MAZULA, Brasão. Educação, Cultura e Ideologia em Moçambique :1 975-1985. Macua, 1995.

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VILLALVA, Alina, Morfologia do Português. Universidade Aberta, Lisboa, 2008.

 

[1] Neologismos semanticos são palavras ja existgentes ou reconhecidas no dicionário do português padrão mas que lhes foram atribuido um novo sentido (Gonçalves, 2010:27)