Era uma tarde fria de quinta-feira de outubro de 2010, pois apesar da primavera, os ventos gelados do sul ainda insistiam em castigar a paulistânia. Sulamita, trinta e dois anos, divorciada, saiu de casa para buscar o filho de cinco anos na escola. Era um dia como outro qualquer, mas ela resolveu lavar o carro que estava um pouco sujo para os seus padrões. Deixou o carro no posto e foi ao banco retirar dinheiro, para pagar a lavagem e outras despesas

Mas Sulamita não voltou para pegar o carro e tampouco foi buscar o filho na escola. Como se atrasou demasiadamente a direção do colégio ligou para uma tia de Sulamita, irmã de seu pai que morava no mesmo prédio que ela. Irani ficou assustada, pois ela nunca deixaria de buscar o filho a não ser que algo de muito grave tivesse acontecido. Muito preocupada a tia foi buscar a criança e aguardou mais um pouco para ver se ela daria notícias. O tempo passou e nenhuma novidade, nenhuma informação. Avisou os demais parentes e começaram a busca em delegacias e hospitais da região. Nada, nem sinal da Sulamita.

Os pais foram avisados. A mãe, Elvira, em São José dos Campos, cidade próxima da capital e o pai, Moacir, no Nordeste em viagem de carro. Ambos vieram o mais rápido possível para acompanhar a procura pela filha desaparecida. Na sexta-feira surgiram notícias ou boatos. Ela teria estado em uma igreja evangélica para fazer orações antes do desaparecimento. Depois surgiram informações de que ela teria sido vista no Alto da Serra, já descalça e sem a bolsa e teria entrado na mata densa e úmida.

No sábado toda a família e alguns amigos estavam lá no local onde supostamente Sulamita teria sido vista pela última vez. A polícia militar fez buscas no local e não encontrou pistas sobre a moça. Suas roupas foram encontradas jogadas próximas da mata, mas não havia sinais de violência. Alguém sugeriu que ela teria se despido e colocado outra roupa, num processo de purificação antes de desaparecer. Outros acreditavam que ela teria tido um surto e se perdido na mata. Andando a ermo poderia ter caído em alguma ribanceira e morrido por hipotermia, pois estava muito frio. A Mata Atlântica e o terreno acidentado é uma armadilha para quem não conhece a região e muita gente já desapareceu em excursões pelo local.

Por conta da repercussão na televisão e jornais, nas semanas seguintes foram chegando notícias desencontradas sobre Sulamita, uma moça bonita, cabelos loiros e olhos azuis. Os pais viajavam ansiosos e descobriam que as informações não conferiam. Até uma moça encontrada morta, com características semelhantes foi localizada em uma cidade próxima. Exumação do cadáver para o teste de DNA, mas nada conferiu. A agonia continuava e continua até hoje, depois de quase dois anos.

A criança continua esperando a mãe desaparecida, que para ela está viajando e deve retornar em breve. Os pais aos poucos vão se adaptando duramente  a realidade e tocando a vida. O pai, Moacir Pinto, sociólogo e escritor, conseguiu concluir seu primeiro romance, lançado recentemente, cujo título reflete também o sentido de esperança que ele nunca perdeu: Tecendo o amanha. A mãe,  Elvira Scaquetti, professora aposentada, continua sonhando com o retorno da filha e a cada dia renovadas lágrimas são derramadas.

Onde estará Sulamita, que hoje estaria com 34 anos? Foi vítima de um acidente na mata úmida e acidentada, caindo em algum local ermo impossível de ser localizado? Resolveu dar uma guinada em sua vida, mudando de profissão, de estado, de país? Foi sequestrada e vendida como escrava para algum país europeu ou asiático? Perdeu a memória e o rumo, vagando por aí sem se lembrar do seu nome, se era casada, se tinha filhos, se tinha pai, mãe, endereço?

Quem é Sulamita Scaquetti Pinto ou simplesmente Sula para os mais próximos? Nasceu em Fortaleza, Ceará, onde os pais, paulistas, por conta de uma bolsa de estudos, faziam um mestrado na Universidade Federal local. Logo retornaram para São Paulo e foram, depois de algum tempo no ABC,  residir em São José dos Campos. Ela estudou odontologia até o quarto ano, mas desistiu por  não se identificar com a profissão.  Deu aulas de inglês por algum tempo, mas também desistiu. Ultimamente resolveu ser  esteticista. Casou, descasou e estava amando novamente.

A tristeza dos pais, da irmã, dos tios, primos, amigos e filho é infinita. A  dor da perda de um ente querido é  sempre difícil de ser superada  e mais difícil ainda  é não saber como chorar. Mas não percamos as esperanças enquanto não existirem fatos e provas. Vamos continuar esperando que a Sulamita retorne com a primavera que se avizinha, transbordando de vida para a alegria de todos os seus.