O desacato em face da aristocracia policial: manda quem pode e obedece quem tem juízo

RESUMO

O tema abordado tem como finalidade estudar, inicialmente, sobre o modelo de polícia que existe no Brasil e saber como o crime de desacato é associado às condutas dessa polícia e a dos indivíduos que dela necessitam de maneira cidadã. Temos que o Estado Democrático de Direito, no qual vivemos, termina criando um modelo ilusionista de que todos os cidadãos são iguais, esquecendo-se de que o meio social por ser dividido em “classes” acaba por implicar em uma dominação de uma classe sobre a outra. Nesse aspecto, o modelo de polícia vigente que deveria ser uma forma de tornar a sociedade segura e de fazer com que a coletividade tenha a efetivação dessa garantia fundamental, se torna ineficaz diante a discricionariedade e coerção que tais funcionários impõem perante os cidadãos.  Logo, se faz importante o presente estudo para se buscar um aprofundamento e entendimento necessário acerca desse assunto que é de grande relevância para o mundo jurídico. E, portanto, fazer uma análise sistemática acerca do tema proposto, abordando as mudanças que o mesmo trouxe para a sociedade.

INTRODUÇÃO

Segundo o Código Penal, o desacato é um crime praticado por particular contra a administração em geral, encontra-se previsto no art. 331 do CP onde traz que o desacato deve ser praticado no exercício da sua função ou em razão desta. Diante disso, observa-se que o bem jurídico protegido é a administração pública no que tange ao desempenho normal dessa administração e também a dignidade e prestígio da função exercida. Além disso, é um crime que pode ser praticado por qualquer pessoa, sendo, portanto, um crime comum. Porém há divergência sobre o fato do funcionário público também poder ser sujeito ativo do referido crime, por outro lado tem-se o sujeito passivo que é o Estado e secundariamente será o funcionário público. Neste crime, não se admite tentativa somente na forma verbal, nas outras modalidades é admitida, não se admite também a forma culposa, apenas a dolosa e a ação penal é pública incondicionada.

A Constituição Federal Brasileira estabelece cinco formas policiais para que a partir delas se tenha a manutenção da ordem e aplicação da lei, tais formas encontram-se dispostas no art. 144 da CF onde afirma que “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguinte órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III- polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpo de bombeiros militares.” Ressalta-se que as três primeiras modalidades são instituições federais e as duas últimas são instituições estaduais.

O comportamento da polícia atualmente vem originando desconfiança e medo perante a população. Visto que, na sua grande maioria, os policiais em geral se utilizam do seu livre arbítrio para mandar e desmandar em diversas situações. Nota-se também o tratamento diferenciado que a classe policial oferece aos mais carentes e aos que detém um maior poder aquisitivo. Com base nisso, a figura da segurança pública se torna ineficiente, o que acaba provocando na sociedade anseios por mudanças devido ao crescimento da violência e criminalidade no Brasil.

Inicialmente, ressalta-se que a “força” é a principal forma que a polícia se utiliza para realizar uma intervenção e muitas vezes realiza tal ato fugindo da legalidade do seu uso. Contudo, para que isso seja mudado faz-se importante melhorar a qualificação desses profissionais, passando por processos de modernização para se obter mais estrutura física e psicológica para os mesmos, dando importância aos direitos fundamentais dos indivíduos que necessitam de segurança no seu dia-a-dia, uma vez que, enquanto a polícia não der importância para que o preso se “recupere”, esta não terá eficácia plena no meio social, pois o que é visto são práticas que marginalizam ainda mais a pessoa que foi presa. Logo, torna-se essencial que se aplique políticas públicas para o setor de segurança, suficientes para mudar e melhorar o cenário da polícia brasileira.

Tendo em vista a importância do tema abordado, será demonstrado inicialmente, os aspectos gerais do crime de desacato previsto no Código Penal brasileiro. Fazer um breve levantamento sobre o que traz a redação do artigo 331 do referido código, e logo após trazer as formas de polícia que vigoram no nosso meio, expondo de que modo o ordenamento jurídico vigente aborda cada uma delas.

Entretanto, faz-se importante compreender esse crime, uma vez que há necessidade em reformar todo esse sistema da “nobreza” policial diante da comunidade que possui direitos resguardados constitucionalmente para que sejam tratados de forma igualitária. Além de demonstrar o papel da polícia no aprimoramento social, visto que esta figura é de grande importância no sistema de segurança do Brasil. Após, examinar-se-á como tal instituição pode se tornar mais acessível na concretização dos direitos dos cidadãos.

1 Noções gerais sobre o crime de desacato

O crime de desacato vem tipificado no artigo 331 do Código Penal brasileiro da seguinte maneira “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa”. Tal crime, é praticado por particular contra a administração em geral, em razão disso, vem previsto no capítulo que trata “dos crimes praticados por particulares contra a administração pública”. Dessa forma, Cleber Masson, admite que “ao contrário da ideia consolidada no jargão popular, o nome do delito é simplesmente “desacato”, e não “desacato à autoridade”. Qualquer funcionário público, pouco importando as atividades desempenhadas, pode ser desacatado, e não somente os mais graduados” (MASSON, 2014, p. 747).

Diante disso temos que o sujeito ativo do crime de desacato, por se tratar de um crime comum, pode ser qualquer pessoal, ou seja, um sujeito comum, assim pode-se afirmar, diante do entendimento majoritário da doutrina, que o funcionário público pode ser sujeito ativo deste crime, porém, na hipótese de que o mesmo não esteja desempenhando sua função, uma vez que, agindo assim, será considerado como particular. Tratando-se do sujeito passivo afirma-se que de início é o Estado, e secundariamente vem a ser o funcionário público.

Muitos crimes requerem a denominada publicidade do ato criminoso, no caso do desacato, por exemplo, seria ofender o funcionário público na presença de outras pessoas, no entanto, esse requisito não se faz presente na conduta tipificada no art. 331 do Código Penal, ou seja, para que seja considerado desacato a ofensa precisa ser realizada bastando a presença do funcionário público. Além disso, deverá ser ofendido “em razão da sua função”, se a ofensa não versar sobre tal, não há que se falar em crime de desacato, enquadrar-se-á em crime contra a honra.

Ressalta-se que grande parte da jurisprudência afirma que necessita-se do “dolo específico” para praticar o crime em questão. Por outro lado, temos que o mesmo não admite a modalidade culposa de cometer-se o crime. Segundo Masson (2014) a tentativa é admitida, contudo na modalidade verbal não se admite, e a ação penal é pública incondicionada, além disso, o autor acrescenta que o bem jurídico tutelado é a “Administração Pública, especialmente no tocante ao desempenho normal, à dignidade e ao prestígio da função em nome ou por delegação do Estado. Secundariamente, também se resguarda a honra do funcionário público” (MASSON, 2014, p. 747).

No que concerne à consumação do crime de desacato, esta se dá “no momento em que o agente pratica atos ofensivos ou dirige palavras ultrajantes ao funcionário público, com o propósito de menosprezar as relevantes funções por ele exercidas” (MASSON, 2014, p. 754). Além disso, é importante mencionar como a doutrina classifica o crime de desacato:

O desacato é crime simples (ofende um único bem jurídico); comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta criminosa, independentemente da produção do resultado naturalístico); de dano (causa lesão á Administração Pública); de forma livre (admite qualquer meio de execução); comissivo; instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo); unissubjeitvo, unilateral ou de concurso eventual (normalmente praticado por um só agente, mas admite o concurso); e unissubsistente ou plurissubsistente (dependendo da concepção doutrinária adotada). (MASSON, 2014, p. 755).

Segundo o Dicionário Aurélio (2010, p. 228), a palavra desacato significa desrespeito, quando o sujeito apenas pratica o ato de recusar um pedido, solicitação ou exigência de uma autoridade, como por exemplo, à autoridade pede dados ao sujeito, tais como – número da identidade, estado, profissão, domicílio, entre outros, isso se caracteriza como contravenção penal. Entretanto, se o sujeito chega a desrespeitar à autoridade configura-se o crime de desacato, absorvendo assim a contravenção.

2 Breves considerações acerca das formas de polícia

Diante das inúmeras funções que a polícia brasileira desempenha na sociedade, destaca-se a principal finalidade que é, constitucionalmente falando, a de preservar a ordem pública, decorre desta a função de dar proteção as pessoas e ao seu respectivo patrimônio, proporcionar a investigação dos crimes, bem como dar a devida punição ao crime praticado afim de se ter um controle diante da violência tão presente no nosso dia-a-dia.

Com base no artigo 144 da Constituição Federal de 1988, temos que a segurança pública, é “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”. Assim, no referido ordenamento jurídico aborda-se por onde é exercida essa segurança, destacando-se os seguintes órgão – Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Polícia Ferroviária Federal; Polícias Civis; Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares. È importante mencionar sobre a Força Nacional e guardas municipais que muitos confundem com o conceito de polícia, para fundamentar tal questão Gilberto Gasparetto (2008, p.[?]) afirma que:

A Força Nacional de Segurança Pública, subordinada à União, é uma força de ação rápida e de ação localizada. Por isso, não se enquadra no conceito de polícia, que deve se ruma força permanente. As guardas municipais são responsáveis pela guarda e manutenção do patrimônio público municipal e pela segurança dos logradouros públicos. São forças de ação localizada que, para especialistas, também não se encaixariam no conceito de polícia.

Diante das referidas classificações e distinções feitas às formas de polícia existente atualmente, faz-se necessário observar minuciosamente cada uma delas:

Inicialmente menciona-se a Polícia Federal como sendo uma forma de polícia “subordinada ao Ministério da Justiça e responsável por investigações dos crimes julgados pela Justiça Federal, onde também exerce a função de polícia judiciária. Exerce ainda funções de polícia marítima e aeroportuária, responsável pela fiscalização de fronteiras, alfândegas e emissão de passaportes” (GASPARETTO, 2008, p. [?]). Além disso, as primordiais funções da Polícia Federal são encontradas no art. 144, § 1º da Constituição Federal da seguinte maneira:

A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se a: I -  apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II -  prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;  III -  exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras; IV -  exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. (VADE MECUM, 2015, p. 61).

A Polícia Rodoviária Federal é “responsável pela fiscalização de trânsito e combate à criminalidade nas rodovias federais, sendo de sua alçada os fatos gerados nessa circunscrição” (GASPARETTO, 2008, p. [?]). Diante do § 2ª do art. 144 da Constituição Federal temos que “a polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União, e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais” (VADE MECUM, 2015, p. 61).

Já a Polícia Ferroviária Federal vem tipificada no art. 144, § 3º da Constituição federal e é “órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais” (VADE MECUM, 2015, p. 61). Menciona-se ainda a importância das polícias civis que segundo a Constituição Federal tais policias são “dirigidas por delegados de polícia de carreira, incubem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares” (VADE MECUM, 2015, p. 61), com base em tal artigo, Gilberto Gasparetto fundamenta ainda mais sobre a função das policias civis, onde afirma que:

Presentes em todos os Estados da federação, são chefiadas por delegados-gerais, que comandam por sua vez os delegados de polícia locais, responsáveis por cada distrito policial. Cabe à Polícia Civil dos Estados atuar como polícia judiciária, ou seja, auxiliando o Poder Judiciário na aplicação da lei, nos crimes de competência da Justiça Estadual. É responsável pelas investigações desses delitos (excepcionalmente poderá apurar infrações penais de competência da Justiça Federal, caso não haja unidade da Polícia Federal no local) e pela instauração do inquérito policial e ações de inteligência policial. (GASPARETTO, 2008, p. [?]).

As polícias militares e o corpo de bombeiros militares são resguardados no § 5º, art. 144 da Constituição Federal, onde tem-se que “às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incube a execução de atividades de defesa civil” (VADE MECUM, 2015, p. 61). Ademais, “as polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”, tal subordinação vem mencionada no § 6º do art. 144 da Constituição Federal (VADE MECUM, 2015, p. 61).

O jornalista Gilberto Gasparetto fala sobre o “ciclo completo de polícia” fundamentando-se através do especialista em segurança pública Rondon Filho, este denomina que tal ciclo é “a execução das funções judiciário-investigativa e ostensivo-preventiva pela mesma instituição policial. Para isso tornar-se possível no Brasil, seria inevitável a reestruturação do subsistema policial através de emenda ao texto constitucional de 1988, precisamente o artigo 144” (GASPARETTO, 2008, p. [?]).

Ainda para GASPARETTO (2008, p. [?]) “estruturas policiais diferentes que atuam no mesmo espeço sobre o mesmo problema tendem a constante rivalidade e atrito. Por isso, os altos índices atuais de criminalidade impõe a urgência de uma reforma gerencial e da racionalização do sistema”. Dessa forma, é importante dizer que para as diferentes formas de polícia evoluírem juntamente com a sociedade, faz necessário modernizar-se em todos os âmbitos de atuação com o fim de prestar um serviço de qualidade na segurança do meio social.

3 O comportamento aristocrático da polícia na sociedade civil

O papel da polícia vem sendo bastante questionado durante os últimos tempos, uma vez que em razão da mesma querer se utilizar do seu livre arbítrio para mandar e desmandar em diversas situações, acaba gerando medo e desconfiança perante a população. Com isso, ocorre uma problemática em questão que é definir qual o papel da polícia diante da sociedade de acordo com o ordenamento jurídico e qual sua posição em face do crime de desacato.

Em relação do ilícito penal praticado contra funcionário público, o professor Lélio Braga Calhau aponta que muitas vezes não há desacato propriamente dito nas circunstâncias que o envolve, mas abuso de autoridade. O agente público provoca uma situação ou lança no boletim de ocorrência uma agressão que nunca existiu. O autor ainda assevera que avaliar o crime de desacato é problemático quando esse passa a ser um instrumento de arbítrio do estado para coibir a liberdade de expressão. Sua criminalização deve surgir de um ponto de equilíbrio em que se preservem os interesses da administração pública e o direito de crítica (STJ, 2012).

Diante desse aspecto BATISTA (1990, p. 116) elucida em sua obra Punidos e Mal Pagos que “quando a polícia aborda um cidadão que não está armado ou cometendo um crime (em flagrante delito, como se diz), o agente é que deve se identificar, exibindo sua identidade funcional (“carteira de polícia”) ”. Sendo que isso deve ocorrer da forma mais respeitosa possível e não em decorrência de um ato grosseiro e ofensivo do policial.

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