O DESABAFO DOS ANIMAIS

Francisco Silva Júnior

I

No sertão a minha rotina

Dia a dia é sempre igual

Cuidar da lida com o gado

Bem cedo, tirar leite no curral

Voltar pra casa à tardinha

É quase como um manual

II

Dormir cedo com as galinhas

Acordar com o cantar do galo

Campina e Cancão a cantar

Ao longe o relinchar do cavalo

O sol expulsando a noite

Na igreja o sino e o badalo

III

Todo dia é a mesma coisa

Não tenho o que reclamar

Até que num dia desses

Do quintal pus a escutar

Uma movimentação estranha

Incomum pro nosso lugar

IV

Corri e pela fresta da janela

Vi toda aquela arrumação

Galo, porco, boi e vaca

Convocando uma reunião

O Cavalo esticou a cabeça

E pediu uma explicação

V

Preciso saber qual a pauta

Pra gente se organizar

Nada de nivelar com o homem

Que não sabe o que falar

Enrola e nada decide

Se assim for, vou pinotar!

VI

Calma! Disse o galo

Tá tudo justo e acertado

A pauta e bem extensa

Com tema diversificado

Daremos vez e voz aos amigos

Que se sentem injustiçado

VII

Quem primeiro abriu o bico

Foi a galinha caipira

- Não aguento a comparação

A qual sou submetida

Se a mulher trai o marido

Logo a galinha é promovida!

VIII

Isso é uma baita injustiça!

Zangado o Boi começou a falar

Que busquem outro apelido

Estou chateado não vou negar!

Se a mulher trai o homem

De Touro vão lhe apelidar!

IX

Também estou indignado

Disse o Jumento a esturrar

Se o homem não sabe ler

E de ano não vai passar

Chamam logo de Jumento

Isso eu não posso aceitar!

X

De pé o cavalo aplaudiu!

O meu amigo tem razão

Também não fico pra trás

Tenho uma reclamação

Se o cabra é grosso e bruto

Chamar de Cavalo é a solução?

XI

O clima estava esquentando

Mas a Pomba interveio

Vamos com calma amigos

Sei que estão de saco cheio

Vamos direto ao ponto

Deixemos de arrodeio

XII

O Porco pediu a palavra

E expressou a sua dor

O homem suja o planeta

Queima e polui sem pudor

Depois o Porco sou eu

Isso é muito constrangedor!

XIII

A Pomba meio inibida

Falou com constrangimento

Fizeram-me símbolo da paz

E não tem paz nenhum momento!

Está muito feio para mim

Oh povo sem fundamento!

XIV

Já eram quase dez horas

E os bichos a se expressar

A Cobra levantou o rabo

Pedindo a vez pra falar

As atitudes dos homens

Estavam a lhe incomodar

XV

Maria uma mulher jovem

Sua profissão, professora!

Ensinava a ler e escrever

De aplausos merecedora

Mas a chamavam de Cobra

Uma atitude intrigadora!

XVI

Pois a Ana de Moisés

Mulher valente sem freio

Também a chamam de Cobra

Me causando um aperreio

Do lado bom e do mau

Me usam sem arrodeio!

XVII

Aproveitando a deixa

Da colega que falou

Também já não aguento

O que minha vida se tornou

Mãe Catita indignada

Dessa forma se expressou

XVIII

Os políticos fazem a festa

Com o dinheiro da população

Falta esgoto e segurança

Investimento na educação

São logo chamados de Ratos

Isso eu num aguento não!

XVX

O sol entra pela janela

Escuto o Galo a cantar

Percebo que era um sonho

Tão real, de assustar!

Os bichos ali no terreiro

Cada um no seu lugar.

XX

Somente a minha visão

A partir daquele dia

Mudou ao olhar os animais

Tenho respeito e alegria

Falo isso de coração

Sem nenhuma hipocrisia.