O CRONISTA TUPINIQUIM

 

Relata Pirandelo: sou tantos quantos são os que me vêem. Uma clara alusão aos que lêem, justificando assim o trabalho e objetivo dos cronistas. Mestres de uma lauda.

A crônica é um relato efêmero. Não deve passar de 50 linhas, pois o cronista pinça do cotidiano uma potencialidade sintética. Expressa de forma insólita, inusitada. Tem como agulhão prender os seus leitores.

O cronista na verdade escreve para si mesmo. É um solitário. Vive cercado de medos e os expele escrevendo uma folha. O seu composto, entretanto, o faz universal ao ser apreciado.

Quando impressa no jornal poderá servir para forrar a grama do jardim, onde um casal de namorados faz juras de amor. Ao ar livre ou em algum bosque, atrás de uma moita servirá para limpar ou enxugar o suor e os humores dos amantes.

Enxugará também resíduos de adrenalina. Aí ficará ininteligível!

Pode estar embrulhando uma barra de sabão, comprada na venda da esquina. Forrando o fundo de uma gaiola de algum bicudo cantador. Mesmo de um criador de canário ou de sofrê. Talvez, um galo de campina do Piauí. Servirá para levar carrapato, tirado do cachorro de estimação e, que alimentará algum pássaro preto insólito.

Ocultando uma automática nas mãos de um marido traído, que parte em busca do rival para abatê-lo. Se ler a crônica poderá mesmo desistir do seu intento. É visto mesmo enrolando um “pacuru’ de dinheiro ilícito, no bolso de algum político distraído ou mesmo desavisado.

Daí a importância da crônica, pela diversificação de seu uso, pelo prazer de quem busca o inesperado, o insólito, o flagrante!

Importará ao coração de quem dela faz uso, assim como criará mirongas de caburetê na cabeça do cronista, que fica a imaginar o potencial das suas elaborações.

Forrará mesmo um banco de jardim, ou servirá de cobertor para algum novo miserável, vitima das opressões, das políticas sujas, de romance acabado, da fubuia desdobrada.

Produto da depressão psicológica, das neuroses, dos clichês, do consumo exagerado e exacerbado.

Este mesmo miserável será personagem de algum cronista metido a O.Henry.

Soube de um que usou a página onde estava impressa a minha crônica para esconder um gravador e dar um possível flagrante em alguém.

Houve mesmo um pequeno comerciante local que levou a minha crônica para o pai ler, afiançando que o leão citado na crônica, não existia.

Imagine você o que pode provocar uma crônica publicada!

Houve outro leitor que levou o escrito para a ex-amada. Era um poema de amor que compus para alguém. A ex chorou e reatou com o então infeliz que já pensava em deixar este mundo das manifestações sublimes.

 

Raphael Reys