Análise da obra " O crime do padre Amaro", de Eça de Queirós, com base na seguinte proposição de Antônio Saraiva:

"É com uma análoga e desconfortável contração de vísceras que Eça nos coloca perante situações moralmente nauseantes e terrificamente grotescas, fazendo-nos compartilhar das perplexidades covardes, dos remorsos apavorados de várias personagens burguesas ou aristocráticas: situações de incesto, adultério, de respeitabilidade afundada, de vileza quase mítica."

O crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós, é de característica realista por fazer com que o leitor se envolva em toda a história do livro apresentando descrições e principalmente por provocar a igreja e aos burgueses da época trazendo à tona os seus verdadeiros interesses. O crime do Padre Amaro possui um caráter transformador por atingir a sociedade mostrando as suas falhas e causando uma indignação no leitor para que dessa forma mude o seu comportamento. Eça faz fortes críticas à sociedade e aos padres corruptos que agem sempre em prol de seu próprio bem estar. Eça se preocupa com a perda dos bons valores éticos e morais da sua sociedade e por isso mostra na sua obra essa verdade escondida, com um realismo incrível. Eça nos mostra com clareza em toda a obra as verdadeiras intenções dos padres, note nesses trechos retirados da obra para um melhor entendimento: "E, a não ser alguns devotos, todos, ou aspirando ao sacerdócio ou aos destinos seculares, queriam deixar a estreiteza do seminário para comer bem, ganhar dinheiro e conhecer as mulheres" (pág.46) e "Faziam planos, calculando a altura das janelas, as peripécias da noite negra pelos negros caminhos; anteviam balcões de tabernas onde se bebe, salas de bilhar, alcovas quentes de mulheres" (pág.46) . Os padres estavam sempre em busca dos seus objetivos e todo o tempo o leitor convive com cenas e fatos que o levam a imaginar o ambiente físico, fazendo com que o leitor imagine e construa uma própria análise das situações que ocorrem e prevê as que possivelmente virão.
O crime do Padre Amaro é um romance de Tese. A idéia central da obra é mostrar que os indivíduos não passam de vítimas do meio em que estão, quer por desejo próprio ou imposição do meio ou de terceiros. O meio social e o instinto exercem grande influência sobre o modo de agir de Amaro a respeito de tudo o que vê e pratica, sendo ele capaz de envolver a jovem Amélia em sua mentiras. Assim como Amaro, os outros personagens são como estereótipos, por não apresentarem identidade própria. Eça usa Amaro para representar todos os que são falhos e Amélia para representar as moças ingênuas, enganadas e sofredoras.
A vida que Amaro levava em Lisboa, a convivência com uma família burguesa e o contato muito íntimo com o clero, o fez a criar interesses pela vida clerical. Por essa vida proporcionar muitos presentes, regalias e muitas mulheres a sua volta. Note como Amaro ansiava estar perto das mulheres: "...era já afeiçoado às coisas de capela, e o seu encanto era estar aninhado ao pé de mulheres, no calor das saias unidas, ouvindo falar de santas"(pág.41) e " Amaro ficava todo nervoso; sobre o seu catre, alta noite revolvia-se sem dormir e, no fundo das suas imaginações e dos seus sonhos, ardia, como uma brasa silenciosa, o desejo da Mulher".
Quando foi para o seminário acreditando numa vida próspera e sem muitas desconfianças, ele viu que não era bem como tinha imaginado, mas não voltou atrás na decisão por não suportar o tio e decidiu seguir em frente sem medo e sem receios.
Amélia que também foi criada em um ambiente católico, servia a Deus, era romântica e sonhadora. Devido a sua educação clerical a beata Amélia amava a figura do padre, o que ele representava perante a sociedade e não o via como homem. Apesar de tudo que aprendeu, ela não resistiu às tentações e passou por cima de todos os seus princípios.
Amaro mostra que realmente que é egoísta, inescrupuloso e sem sentimentos, ao se mudar para a sua nova casa. A sua única amizade é com o cônego Dias, mas isso porque ele aceitou a esconder de todos o que Amaro aprontava e para manter também as suas falhas em segredo para que não perdesse o respeito por ser cônego. Os dois praticavam atos ilícitos e se identificavam como dois enganadores.
A adoração incondicional pela igreja católica por toda a cidade de Leiria, leva a considerar os padres como santos e longes de qualquer suspeita. Em toda a obra as personagens mantêm uma relação de íntima amizade com os santos. João Eduardo quando decidiu falar sobre a intimidade exagerada que os padres tinham nas casas de Leiria foi castigado, perdeu o emprego, a noiva e foi tratado como um excomunga na cidade. Quando Amélia se encontrava grávida e certa do de que Amaro não a queria mais, ela agiu de forma egoísta em não se preocupar com os sentimentos de João Eduardo, apoiando as tentativas de Amaro, Cônego Dias e da Dionísia, a empregada de Amaro, em encontrá-lo para assumir o filho que não era dele.
O maior crime de Amaro foi ter entregado o seu filho à tecedeira de anjos para que a mesma sumisse com o bebê. Não foi somente um crime contra o celibato, foi um crime contra a vida de um ser humano e principalmente por ser seu filho.
A sociedade é tão devota da igreja que não consegue enxergar as falhas de Amaro e ele termina a obra impune em Lisboa como um santo sacerdote. Depois do ocorrido com a ingênua Amélia, o padre Amaro decidiu confessar somente as mulheres casadas para não ter maiores responsabilidades, se por acaso engravidassem. Dessa maneira não teria que se preocupar em ouvir as histórias das moças românticas e apaixonadas. O fato de Amaro não te sido punido por suas falhas, não indica que Eça estava a favor do mal e muito menos a favor dos atos de Amaro. Eça mostra que quem foi punido com toda essa corrupção, foi à sociedade, que continuará a ser composta por pessoas imorais e dominadoras e o povo constituído por leigos e por pessoas que não conseguem abrir os olhos para as realidades que as permeia.