Raimundo Djacy da Silva[1]

Introdução

A palavra tracoma (do Grego Tráchomas) significa rugoso, áspero ou edemaciado, descrevendo a aparência da conjuntiva tarsal acometida. O tracoma é uma ceratoconjuntivite bacteriana crônica e recidivante causada pela Chlamydia trachomatis (sorotipos A, B, Ba e C) que costuma afetar crianças desde os primeiros meses de vida; acarreta de forma lenta: cicatrização conjuntival, entrópio, triquíase, opacidade corneana, olho seco e cegueira no adulto (PELICIONE, 1992). Geralmente sua transmissão ocorre dentro do ambiente doméstico, de forma direta (olho para olho ou mãos contaminadas) ou indireta (vestuários e proliferação de moscas).

A ocorrência do tracoma no mundo atualmente restringe-se quase queexclusivamente às populações dos países subdesenvolvidos e dentro deles, às populações rurais e às pobres, marginalizadas dos benefícios do desenvolvimento socioeconômico. Esta afecção ocular começou a ser relatada em 1556 a.C., em um papiro descoberto em 1892 por George Ehers onde estava descrita uma doença com sinais característicos de tracoma. Voltou a ser referida no Egito em 525 a.C. , por ocasião da invasão Persa, e em 48 a.C., Cícero referiu que em Roma vários médicos oculistas curavam a triquíase, o tracoma e operavam catarata. Durante o século passado a prevalência do tracoma na Europa e América do Norte era alta, constituindo a principal causa de cegueira nessas regiões. Nesse século, a doença foi gradualmente desaparecendo graças a uma multiplicidade de mudanças nas condições de vida e assistência à saúde. O desaparecimento do tracoma nessas localidades deveu-se mais ao progresso material e cultural do que a programas quimioterápicos. No Brasil, o tracoma teria chegado no século XVIII entre 1718 e 1750, com os ciganos expulsos de Portugal, desenvolvendo-se na região do Cariri no interior do Ceará, o mais antigo foco do país. No final do século XIX, com a chegada dos Europeus procedendo de países endêmicos do mediterrâneo (Itália e Espanha), outros focos surgiram nos Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, expandindo-se para outras regiões (PELICIONE, 1992).

O tracoma é a doença ocular mais freqüente no mundo, acometendo cerca de 500 milhões de pessoas. A OMS estima que 5,6 milhões de pessoas estejam cegas devido às complicações do tracoma, sendo, portanto a principal causa de cegueira previnível, principalmente nos países em desenvolvimento. Além disso, 80 milhões de crianças apresentam o tracoma inflamatório que potencialmente pode causar grave deficiência visual. A campanha federal do tracoma no Brasil foi estruturada em 1943, havendo melhoria na sua evolução em 1966, deixando de representar grande problema de saúde pública. Com a descoberta de novos casos de tracoma inflamatório em Bebedouro- SP (1982) e em outras localidades do Brasil, estudos de prevalência foram realizados na Bahia, Ceará, Pernambuco, Santa Catarina, Amazonas e Paraná (LUNA, 1993).

O tracoma pode ser inaparente na sua forma inicial, sendo que na maioria das vezes instala-se paulatinamente podendo apresentar ligeiro desconforto ocular, leve lacrimejamento, ardor e, ainda, um pouco de secreção pela manhã. O prurido é relatado em muitos trabalhos como sendo o sintoma mais freqüente e apesar de não ser uma manifestação clínica clássica do tracoma, pode atuar como facilitador da transmissão da infecção.

A menos que exista uma infecção bacteriana associada, o tracoma não apresenta secreção purulenta copiosa e nem todos os casos graves apresentam sintomatologia proporcional às manifestações clínicas.

As formas inflamatórias do tracoma predominam em crianças menores de 10 anos; a suscetibilidade ao tracoma é geral, ocorrendo com maior freqüência onde há falta de água e condições habitacionais e sanitárias inadequadas, sendo que esta doença é um dos indicadores de áreas de pobreza e subdesenvolvimento. Em regiões endêmicas, a prevalência de tracoma inflamatório tende a diminuir com a idade enquanto que as seqüelas como cicatrizes, triquíase e opacidade corneana aumentam com a idade (DAWSON, 1981).

O agente etiológico do tracoma é a Chlamydia trachomatis, uma bactéria de aproximadamente 200 a 300 milimicra, de vida obrigatoriamente intracelular. Apresenta um tropismo pelas células epiteliais, onde se instala e se multiplica, formando inclusões citoplasmáticas. A única fonte de infecção é o homem, com infecção ativa na conjuntiva ou em outras mucosas.

O modo de transmissão pode ser direto, ou seja, de olho a olho, ou indireto, através de objetos contaminados, tais como toalhas, lenços, fronhas; alguns insetos como a mosca domestica podem atuar como vetores mecânicos (LUNA, 1993).

A transmissão só é possível quando existirem as lesões ativas, sendo maior no início da doença, e quando existirem infecções bacterianas associadas. Quanto ao quadro clínico, o tracoma inicia-se sob a forma de uma conjuntivite folicular, com hipertrofia papilar e infiltrada inflamatório que se estende por toda a conjuntiva, especialmente na conjuntiva tarsal superior.

Nos casos mais severos, os folículos crescem e necrosam, formando pequenos pontos cicatriciais na conjuntiva. Tais cicatrizes podem tracionar, principalmente a pálpebra superior, levando à sua distorção, o entrópio, e fazendo com que os cílios toquem o olho (triquíase).Os cílios invertidos tocando a córnea podem provocar ulcerações, com a conseqüente formação de cicatrizes e opacificação corneana, as quais podem levar a graus variados de diminuição da acuidade visual ou até cegueira (LUNA, 1993).

O acúmulo dessas cicatrizes, a partir de infecções repetidas desde a infância, pode produzir retrações que ocasionam entrópio e triquíase. Além disso, podem ocasionar alterações das glândulas conjuntivais com conseqüente olho seco. Essas lesões são fatores de risco para o aparecimento de alterações corneanas potencialmente indutoras de incapacidade visual (DAWSON, 1981).

São observados dois tipos de reação conjuntival na inflamação tracomatosa: os folículos e a infiltração difusa. A classificação diagnóstica define-se em graus de inflamação tracomatosa da conjuntiva: a) predominância de inflamação folicular, tracoma folicular (TF); b) predominância de infiltração e espessamento difuso da conjuntiva, tracoma intenso (TI); como se pode observar:

Outros sinais que servem de diagnóstico são: a) cicatrização tracomatosa da conjuntiva tarsal superior (TS); b) triquíase tracomatosa (TT) e c) opacificação corneana (CO), como se pode averiguar.
Quanto ao tratamento, objetiva-se a cura da infecção com a conseqüente interrupção da cadeia de transmissão da doença. A Organização Mundial de Saúde recomenda o tratamento tópico através de pomada oftálmica contendo 1% de tetraciclina e colírio com sulfa nos casos de hipersensibilidade àquela. Também um tratamento sistêmico com antibióticos via oral.

Fonte: www.funasa.ms.gov.br Fonte: www.funasa.ms.gov.br Fonte: www.funasa.ms.gov.br

A partir da detecção de um caso de tracoma, a unidade de saúde com responsabilidade pela área desencadeia medidas pertinentes à vigilância epidemiológica da doença.

O planejamento de um trabalho conjunto inclui reuniões para pais, funcionários e professores com objetivo de informar a respeito da doença, exames a serem realizados, formas de tratamento e ações educativas.

Todos os casos de tracoma são notificados e agendados para controle; igualmente todos os comunicantes domiciliares são convocados para exame ocular e os clinicamente positivos devem tratados e controlados. Os casos devem ser tratados e controlados periodicamente devido a possibilidade de recidiva da doença. 

Esse estudo tem por objetivo demonstrar o controle do tracoma nas escolas públicas municipais de Limoeiro do Norte, destacando a detecção da doença no público estudantil, o seu tratamento e cura.

Metodologia

Foram realizados exames para se detectar a ocorrência do tracoma em 4.852 (quatro mil oitocentos e cinqüenta e dois) alunos da rede pública municipal de ensino de Limoeiro do Norte, e ainda pessoas comunicantes, ou seja, aquelas que possuem contato diretamente com esses estudantes, como professores, serventes das escolas, parentes dos alunos etc.

O período de realização dos exames compreendeu-se do mês de Agosto de 2007 até Maio de 2008; os locais foram as escolas públicas municipais da zona rural e urbana desse município. Os exames foram realizados por médico da Secretaria Municipal de Saúde utilizando-se de lupa de 2,5 vezes de magnificação sob iluminação natural ou com lanterna, objetivando avaliar as alterações de pálpebras, cílios, conjuntiva e córnea e graduar o tracoma de acordo com os critérios da OMS.

Cada olho foi cuidadosamente examinado a fim de se detectar anormalidades, o exame teve a preocupação de causar o mínimo de desconforto possível ao examinando, da mesma forma o raspado da conjuntiva da pálpebra superior foi realizado da forma mais cuidadosa o possível.

Resultados

Pôde-se observar que através dos exames realizados que 52 (cinqüenta e dois) estudantes estavam acometidos pela infecção decorrente do tracoma, representando pouco mais de 1% (um por cento) dos examinados, os mesmos possuíam os sintomas supracitados, acarretando em inflamações decorrentes da ação do agente etiológico Chlamydia trachomatis, comprometendo a visão desses alunos e consequentemente o rendimento escolar dos mesmos.

O tratamento consistiu basicamente na aplicação de pomadas oftálmicas contendo tetraciclina, concomitante ao uso de antibióticos via oral. Também foram ensinadas técnicas de higienização visando eliminar ao máximo os meios transmissivos da doença, tais como direcionamento adequado do lixo e esgoto, lavar as mãos e rosto com sabão em água corrente, lavar roupas e vestimentas de cama com sabão e água sanitária.

Considerações Finais

Através do presente estudo, concluiu-se que a presença do tracoma no meio estudantil das escolas municipais de Limoeiro do Norte apresentou-se de uma forma branda, combaixa endemicimidade, correspondendo à pouco mais de 1% (um por cento) dos examinados. Assim, considerando-se o percentual dos estudantes infectados conclui-se que o tracoma não é um grave problema de saúde pública, o que, contudo, não invalida a realização de outros estudos periódicos visando o total controle da doença, uma vez que o meio escolar é facilitador da transmissão do agente etiológico.

Referências

BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Manual do Controle do Tracoma/Fundação Nacional de Saúde – Brasília: FUNASA, 2002.

DAWSON, CR, Jones BR, Tarizzo ML. Guía Prático de lucha contra el tracoma. Genebra: Organização Mundial de Saúde; 1981.

LUNA EJA. A epidemiologia do tracoma no Estado de São Paulo. Campinas: 1993. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, 1993. 249 p.

PELICIOLI, MCF, Pelicioli AC, Medina NH, Massaini MG. A educação em saúde na prevenção, tratamento e controle do tracoma em uma creche do município de São Paulo. Rev Bras Saúde Esc 1992;2:178-85.

Obtido em: www.funasa.ms.gov.br , site acessado em 12 de Agosto de 2008.




[1] Aluno Graduando no Curso de Ciências Biológicas UECE/FAFIDAM e Médico Veterinário Coordenador do Setor de Endemias da Secretaria Municipal de Saúde de Limoeiro do Norte - CE.