Érica Ângela Lima dos Santos 2

Flávia Kelma Coelho Araújo 3

Rafael Moreira Lima Sauaia 4

RESUMO

O presente trabalho apresenta uma pesquisa sobre o crime de homicídio e a aplicação do relevante valor social e moral como causa de diminuição de pena em crimes desta natureza, esclarecendo que em algumas práticas houve mudança no significado desta minorante resultando numa alteração quando da sua aplicação sob a compreensão da existência de mudanças, com o passar dos anos, em determinados contextos vividos pela sociedade brasileira. Por esta razão, o propósito deste trabalho está em descrever o conceito do relevante valor social e moral, assim como verificar a sua aplicabilidade na sociedade brasileira no passado e, para demonstrar a alteração no entendimento do emprego desta causa de diminuição, necessário se faz o exame do caso Ângela Diniz no julgado de 1979 ocasionando uma repercussão espantosa no país, dada a forma de sua apreciação, e sua posterior revisão em 1981, quando se percebeu a necessidade de um tratamento diferenciado na aplicação da minorante em casos semelhantes ao que será demonstrado. O procedimento metodológico adotado é o bibliográfico. O trabalho tem como escopo facilitar a compreensão do relevante valor social e moral nas causas de diminuição de pena nos crimes de homicídio e sua evolução no significado associado ao contexto histórico vivido pela sociedade brasileira.

Palavras-chave: Crime. Homicídio. Relevante valor social e moral. Causa de diminuição de pena.

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1 Paper apresentado à disciplina Direito Penal Especial I da UNDB – Centro Universitário

2 Graduanda do 4º período do Curso de Direito da UNDB – Centro Universitário. Turma DT04AN

3 Graduanda do 4º período do Curso de Direito da UNDB – Centro Universitário. Turma DT04AN

4 Professor, Especialista, Orientador

1 INTRODUÇÃO

O direito penal é titular de vários bens jurídicos relevantes para a sociedade brasileira, entre esses bens jurídicos está a vida. Ao normatizar os crimes contra a vida, como o homicídio, vários aspectos são levados em consideração no momento do estabelecimento da pena a esse tipo de conduta lesiva.

Em atenção ao art. 121, § 1º, a saber: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral [...] juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço” (BRASIL, 1940). No trecho em destaque percebe-se uma hipótese de minorante em que haverá uma modificação no preceito secundário baseado na pena prevista para o crime de homicídio simples

Ora, o Código Penal em vigor no Estado brasileiro data do ano de 1940. Assim, é possível inferir que o tratamento dado ao relevante valor social e moral “adequado” àquela época pode ter passado por mudanças baseando-se nas transformações inerentes a qualquer sociedade levando em consideração os costumes de um povo e estes costumes constitui, também, uma fonte de uso geral, constante e notório com a convicção de corresponder a uma regra jurídica.

Ao apreciar o relevante valor social e moral de antes, entende-se a necessidade de adequação desta causa de diminuição para a nova realidade em que a sociedade está alicerçada o que se faz cogente uma análise sobre o que representava e o que representa esta relevância no atual momento. Assim o que se questiona é: dado a função de controle que o Direito Penal exerce sobre o bem jurídico vida, as mudanças no contexto moral de uma sociedade são capazes de alterar uma normal penal?

Partindo da premissa que o bem jurídico vida é um bem tutelado pelo Direito Penal e, portanto indisponível ao indivíduo independentemente de transformações que uma sociedade passa, o tipo penal homicídio é algo reprovável/lesivo a uma sociedade, em qualquer momento, ofendendo o bem jurídico. Desta forma, as mudanças no contexto moral de uma sociedade são capazes de alterar uma norma penal.

Mas, ao analisar as circunstâncias em que o crime de homicídio é cometido ponderando as causas de diminuição de uma pena observando a possibilidade de enquadrá-la no que representa o relevante valor social e moral em determinado período de tempo que a sociedade se encontra, é possível perceber que as mudanças no contexto moral de uma sociedade são capazes de alterar uma normal penal.

Segundo Bitencourt (2017, p. 1199) “a relevância social ou moral da motivação é determinada pela escala de valores em que se estrutura a sociedade e é nesse contexto que deve ser valorada”. Este mesmo autor diz que o legislador optou em distinguir as relevâncias para que se evite interpretações dúbias. (BITENCOURT, 2017)

No estudo que será apresentado, no que tange o âmbito acadêmico, o presente trabalho elenca assuntos relevantes para análise na esfera do Direito Penal, cujo se faz um esboço do Relevante Valor Social ou Moral verificando o seu significado de caráter mutável ao acompanhar a evolução do sistema de aplicação de penas concomitante ao desenvolvimento de uma sociedade.

Por conseguinte, no campo social a escolha do tema se deve como uma forma de aclarar para a sociedade os fundamentos e a acepção dessa minorante, visto que tudo aquilo que ocorre na esfera jurídica seja de modo positivo ou negativo, afeta diretamente toda a coletividade em si, principalmente tratando-se das ocasiões de quantificação de pena a um indivíduo. Por fim, pessoalmente, o tema é muito interessante por trazer o amadurecimento acadêmico ampliando a gama de conhecimento aprimorando o senso crítico inerente à vida das pesquisas científicas.

A metodologia diz respeito aos procedimentos que serão adotados para a realização de um trabalho definindo o tipo de pesquisa e como será aplicada. Sendo assim, o paper em questão utiliza como metodologia a pesquisa bibliográfica com levantamento de conteúdos substanciais, de relevante importância, servindo de base teórica para amparar a presente pesquisa com o objetivo de solucionar o problema proposto. Gil (2010) afirma que a pesquisa bibliográfica objetiva a busca de solução do problema a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e, atualmente, material disponibilizado na internet.

Então, materiais disponíveis em internet assim como livros e artigos periódicos serão a base deste trabalho.

Por fim, o objetivo deste trabalho acadêmico é descrever o conceito do Relevante Valor Social ou Moral, verificando como era aplicado a minorante do Relevante Valor Social ou Moral na sociedade brasileira no passado apresentando o caso Ângela Diniz com o julgado de 1979 e sua revisão em 1981 para demonstrar que mudanças no contexto moral de uma sociedade são capazes de alterar uma normal penal.

O CONCEITO DO RELEVANTE VALOR SOCIAL OU MORAL NOS CRIMES DE HOMICÍDIO

O motivo de Relevante valor Social ou Moral aparece pela primeira vez no Código Penal atual, após a reforma de 1984, no artigo 65 nas circunstâncias atenuantes da pena. Nos crimes de homicídio esta causa de diminuição está prevista no artigo 121, §1º. Na exposição de motivos do CPB o significado desta minorante é o motivo que, em si mesmo, é aprovado pela moral prática. Bitencourt (2017) explica que a relevância social ou moral na motivação do agente é determinada pela escala de valores em que se estrutura a sociedade e é nesse contexto que deve ser valorada. “Não basta que tenha valor social ou moral, sendo indispensável a sua relevância, isto é, importância, que seja notável, digno de apreço. ” (BITENCOURT, 2017, p. 1200)

O que ocorre é a diminuição da pena de homicídio de um sexto a um terço quando o agente age impelido sob esta hipótese. O verbo impelir é a grande diferença entre a minorante do artigo 121 e a atenuante prevista no artigo 65 pois este verbo significa algo que domina de forma tão acentuada, intensa, que impulsiona o agente a agir de determinada forma enquanto no segundo o agente age por motivo de relevante valor social ou moral.

Há de se distinguir, no entanto, o relevante valor social do relevante valor moral. O relevante valor social tem conexão com o que é importante, notável, sensível, para a sociedade como um todo, de forma objetiva, e não especificamente sobre o que acha o agente que comete o delito. O ato é em prol da coletividade sendo o agente comparado a “um sujeito, tomando às vezes de justiceiro social que defenderia o bem jurídico da coletividade. ” (SOARES, 2017, p. 21). Desta forma, “segundo os padrões da sociedade e não conforme o entendimento pessoal do agente. ” (COSTA JUNIOR, apud BITENCOURT, 2017, p. 1200)  

Ao passo que relevante valor moral está mais atrelado às convicções pessoais do agente, mais próximo do seu próprio interesse, não obstante ao que levaria pessoas médias a incorrerem da mesma forma. Bitencourt (2017, p. 1201), em seus ensinamentos, esclarece que se trata de um valor superior em que qualquer indivíduo, sob as mesmas circunstâncias, agiria da mesma forma dado o caráter nobre do ato e, portanto, merecedor de indulgência. Ainda nas palavras de Bitencourt (2017) se complementa: “Será motivo de relevante valor moral aquele que, em si mesmo, é aprovado pela ordem moral, pela moral prática, como, por exemplo, a compaixão ou piedade ante o irremediável sofrimento da vítima. ” (BITENCOURT, 2017, p. 1201)

A APLICAÇÃO DA MINORANTE DO RELEVANTE VALOR SOCIAL OU MORAL NA SOCIEDADE BRASILEIRA NO PASSADO

Com base em estudo de nossa legislação brasileira, no contexto histórico e o modo como a mulher foi construída em detrimento da honra masculina, por meio das significativas transformações legislativas no que tange à mulher, nos oportuniza perceber como os discursos jurídico e social, produziram ao longo nos anos, por meio de mecanismos próprios, uma forma de pensar a mulher como sujeito inumano à medida em que produzia “verdades absolutas” onde mulheres eram aprisionadas e confinadas sob um rígido controle de sentinela e de total anulação, considerando que a legislação, por meio de estratégias, até então incontestáveis, definia as regras e ditava, tanto para os homens, quanto para as mulheres onde cada um caberia dentro da sociedade, de acordo com Ramos (2012)

Tais formações discursivas ditaram reiteradamente durante séculos sempre impondo à mulher a subjugação ao homem, de modo que ela era, inicialmente, propriedade dele na relação de pai e filha, e posteriormente na relação de marido e mulher. Tal pertencimento, conforme Ramos (2012, p. 56), atribuía à mulher o dever de assegurar a honra de seu pai mantendo-se virgem até casar-se e, posteriormente, de manter a honra do seu marido ao manter-se fiel.  Assim, poderia dizer que a honra era um bem inviolável, construído unicamente a serviço do homem e para o homem, cabendo à mulher o dever de manter-se intacta e de preservá-la.

Ramos (2012, p. 56) diz que quando chegou ao Brasil a primeira expedição oficial e quando da proclamação da independência, a coroa de Portugal passou a ditar as regras e os costumes que deveriam ser, desde então, seguidos pela população da colônia. Estabelece-se, desta forma, que o Brasil seguiria as mesmas normas culturais, os sistemas jurídicos, econômico, político e religioso corrente. As elites coloniais faziam questão de manter suas tradições nobres coloniais, tais como os laços sanguíneos e acreditavam que por meio desses que se passava de geração em geração não somente a herança, mas também a honra, que para eles, na maioria dos casos, valia mais que a própria vida.

SCHIMIDT (2008, p. 81) destaca que a honra era adquirida através do sangue, da tradição familiar e, para que fosse mantida, requeria de seu detentor postura abalizada, bem como a das mulheres, mantidas sob seu domínio, o que significava pureza sexual da filha e exemplar fidelidade da esposa. (apud RAMOS, 2012, p. 56). Destaca Dória (1994, p.66) apud Ramos (2012, p. 57) que a reputação pública da mulher dominada era, concomitantemente, um dos componentes da honorabilidade do homem. A “defloração” da moça tinha um significado não só de perda da virgindade, mas da perda perpétua da honra, que valia mais que a vida. Sendo assim, o que significa dizer é que a mulher já nascia com uma enorme responsabilidade de, por meio de sua castidade, fidelidade, sustentar a honra de seu pai e posteriormente, do marido, tanto pela infelicidade da desonra do pai ou do marido perante a sociedade, quanto pelo risco de trazer para o seio familiar filhos ilegítimos.

Nesse contexto, Doria (1994, p. 62) apud Ramos (2012, p. 58) demonstra o quanto é nítido o elo entre a honra masculina e a pureza sexual feminina, porém, sem deixar dúvidas de que a honra era atributo pertencente apenas aos homens, uma vez que a honra da mulher era apenas um reflexo da honra masculina, o que poderia denominar de virtude.

Judith Buther (2007, p. 161) apud Ramos (2012, p. 58) argumenta que essa construção produziu “o mais e o menos humano”, desprovida de direitos que foi bastante eficaz por muito tempo, pois escravizava a mulher sob a forma de um domínio absoluto cabendo unicamente a ela a honorabilidade dos homens a quem se sujeitava em cada fase da vida. E dentro dessa construção a mulher era produzida atendendo as estratégias jurídicas, cristãs e sociais do discurso como um ser abjeto, e essa produção era pensada justamente para que o humano, o homem, fosse produzido, era preciso manter a produção do inumano, ou seja, a mulher era constitutiva do homem, garantindo-o poder a gozar da liberdade e viver plenamente na esfera pública à custa da objeção.

Diante disso, de acordo com Buther (2007) apud Ramos (2012) é possível compreender quais eram, e ainda são, os propósitos dessa discrepante construção dentro do nosso contexto histórico, que embora absurda, ainda se percebe um grande empenho jurídico em depreciar a mulher em face do homem que a assassinou, dando sempre mais importância ao comportamento da mulher, que ao crime, quando se questiona, na maioria dos casos, por exemplo, que “a vítima gostava de sair, ter amigos, usar short, viver outros relacionamentos”, comportamentos não esperado de uma mulher “digna”.

Nesse sentido é oportuna a menção que Dória, (1994) faz quanto ao Código Filipino, por meio do qual essa diferenciação do homem quanto à mulher foi legalmente resguardada, quando passa a vigorar no Brasil colônia as Ordenações Filipinas, revalidadas em 1643. Tais ordenações, conhecido como Código Filipino continham as leis e regras morais concernente à conduta dos sujeitos e não se ocupavam em seguir princípio de igualdade entre os sujeitos, o princípio seguido era justamente o da discriminação, sempre pensando a origem do indivíduo. Com base nisso, as mulheres tinham punição diferenciada, de forma exemplar e a decisão sobre sua vida cabia ao seu pai ou marido, ou seja, de forma heterônoma.

Exemplo disto, é o recorte abaixo sobre o direito do homem em tirar a vida da mulher achando-a em adultério. Lê-se:

Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assi a ella, como o adultero, salvo se o marido for peão, e o adultero fidalgo, ou o nosso dezembargador, ou pessoa de maior qualidade. Porém, quando matasse alguma das sobreditas pessoas, achando-a com sua mulher em adultério, não morrerá por isso, mas será degradado para a Africa, com pregão na audiencia, pelo tempo que aos Julgadores bem parecer, segundo a pessoa, que matar, não passando de trez annos. 1. E não somente poderá o marido matar sua mulher e o adultero, que achar com ella em adultério, mas ainda os pode licitamente os matar, sendo certo que lhe cometterão adultério; e entendendo assi a provar, e provando depois o adultério per prova lícita e bastante conforme a Direito, será livre sem pena alguma, salvo nos casos sobreditos, onde serão punidos segundo acima dito he (ORDENAÇÕES FILIPINAS, 2009).

Barsted e Hermann (1995, 55) apud Ramos (2012, p. 60) apontam que, para ser considerada adúltera, bastava apenas, que fosse comprovado o casamento do assassino com a vítima, por meio de testemunhas, o que restava provado o direito de o homem exercer seu direito de propriedade sobre a vida e a morte de sua esposa, tal como exercia sobre seus escravos. Era um salvo-conduto dado à comprovada união. A ela, não era nem cogitado o direito de contar sua versão dos fatos sobre a acusação, dado ao nível de hierarquização estabelecido pelas relações de poder que decidiram que o homem valia mais.

Os autores acrescentam ainda que para se que efetivasse o direito do homem, não se fazia necessário flagrante de adultério, uma mera suposição do marido já se configurava salvo-conduto para ele efetivar o seu inquestionável direito de matar sua esposa, o que na verdade, era para ele um ato meritório, reservado somente a ele, ainda que viesse a se tornar público e alguém quisesse proteger a vítima por achar que ela era inocente.

Quanto a tal direito de assassinar por adultério, não havia, por lei, diferenciação entre ricos e pobres, pois tal falha assegurava a qualquer homem o direito de lavar sua honra com o sangue da adúltera. A pena que o assassino poderia se sujeitar, dizia respeito apenas ao estigma que teria de carregar devido a imperdoável mancha que a desonra do adultério feminino lhe proporcionou, não quanto ao crime, pois tal estigma tinha ligação direta com status social e reputação do homem traído, que acarretava na perda do direito de gozar das oportunidades advindas da convivência da esfera pública e até questionamentos sobre sua masculinidade, uma vez que o adultério, nesse societário, demonstra que o homem foi falho no exercício da sua masculinidade, fazendo com que sua mulher fosse instrumento de autenticação da masculinidade de outro, conforme Barsted (1995, p. 54) apud Ramos (2012 p. 61).

Em 15 de novembro de 1889, quando instaurado no Brasil o regime republicano se instaura o primeiro código penal desse regime, em 1890, que de acordo com Barsted e Hermann (1995, p. 55) apud Ramos (2012, p. 63) não se percebe qualquer evolução, uma vez que perdura a diferenciação do modo de julgar a mulher em adultério, e se acrescenta o conceito de legitima defesa, que na verdade somente deu mais força a legitimação de assassinatos sob tal argumento, de modo que seria um excludente de ilicitude a pessoa que matasse outra em três circunstâncias: Em estado de necessidade, a legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal. Ou seja, as estratégias do poder se valeram de tal prerrogativa para perpetuar a impunidade dos homens assassinos de mulheres apontadas como adúlteras, como bem destaca Barsted e Hermann (1995):

Deve ser legítima a defesa de qualquer bem lesado, incluindo a honra como um bem juridicamente tutelado, sem estabelecer, contudo, uma relação de proporcionalidade entre o bem lesado e a intensidade dos meios para defendê-lo. Nesse sentido, a honra do homem traído poderia ser considerada um bem mais precioso que a vida da mulher adúltera. (apud, RAMOS, 2012 p.63)

Rodrigues (2015, p. 57) salienta que nesse código, o homicídio cometido sob o estado de perturbação dos sentidos e da inteligência estava apto ao perdão judicial, de modo que se entendia que o homem que surpreendia sua mulher em ato de adultério poderia estar, perfeitamente fora do controle e movido pela fúria e ainda era visto com complacência e certa empatia.

Observa-se, portanto, que devido a honra ter caráter de bem juridicamente tutelado, era legítimo que o homem matasse a mulher em defesa da honra, por estar apenas defendendo seu bem jurídico lesado dantes do assassinato, em prol da sua legítima defesa. Anulando, assim, qualquer punição, uma vez que a tutela da honra tinha caráter de absolvição.

Em 1916, com a separação entre igreja católica e Estado, diferentemente da Constituição de 1891, os direitos e deveres do casamento passam a ser resguardados pelo Estado e em seu bojo haviam regras que ditavam os deveres para a sustentação do casamento e um deles era a recíproca fidelidade, que como frisa, Barsted e Hermann (1995), na verdade não se aplicava na prática, pois o adultério feminino era absolutamente desencontrado quando cometido pela mulher em relação ao cometido pelo homem, pois para o último era visto como nada mais que um desejo fugaz sem capacidade para destruir os fundamentos do casamento, todavia, para a mulher, além de comprometer a ordem interna da família, feria agudamente a moral e o direito em, se havendo filhos, a perpetuação da desordem.

Ramos (2012) esclarece que perante o citado código, só ocorreria o fim da sociedade conjugal diante da morte de um dos cônjuges, mas, que poderia haver a anulação do casamento caso, por exemplo, a mulher houvesse perdido a virgindade sem o conhecimento dele, o que evidencia a necessidade que ela tinha de ser a todo instante verificada não só perante a ele mesmo, mas diante da consideração social e, por ser um valor moral do homem, construíram duas formas de entender a honra: sendo a primeira, a honra subjetiva, que guarda relação com a imagem que o sujeito tinha de si mesmo; e a segunda, é a honra objetiva, relacionado à estima e respeito alcançado no meio social. Ao caber à mulher o dever de assegurar a honra de seu marido, fosse ela flagrada ou apenas pensada a possibilidade de ela ter cometido adultério, já teria ele o “direito” de tirar sua vida sob a alegação da legítima defesa de sua honra, seu bem maior.

E desse modo, apontam Barsted e Hermann (1995) apud Ramos (2012, p. 66) se estruturou a jurisprudência brasileira, sob a forma de amoldamentos que suprimissem o caráter criminoso alicerçado no premeditado elo entre a legitima defesa e a defesa do bem jurídico honra, que automaticamente nascia junto com a “legítima defesa da honra”. Legitimação essa que só alcançava os casados legalmente, posto que a fidelidade era dever dos cônjuges.

Porém, segundo Barsted e Hermann (1995, p. 53) apud Ramos (2012, p. 66) com o tempo, ultrapassou-se as relações oficializadas pelo Código Civil de 1916 e tal dever se estendeu às relações consensuais e às relações informais, tais como namoro, que ao reconhecer a união entre duas pessoas, atribuiu à mulher-companheira ou mesmo às que nem obrigações civis tinham, a responsabilidade moral à mesma medida da mulher legalmente casada. Ou seja, era bastante que se entre duas pessoas houvesse apenas a intenção de manter uma relação estável, configurasse interações que levariam ao entendimento de uma “vida conjugal”, com direitos e deveres.

Posteriormente, já pelo ano de 1979, as Nações Unidas firmou convenção com a finalidade de extinguir todas as formas de discriminação em desfavor da mulher solidificando que houvesse igualdade jurídica entre homens e mulheres, não só na esfera pública, mas na privada e familiar. O que foi efetivamente consolidado com a Constituição de 1988, onde a partir dela, o homem deixa de ser o chefe da família, cabendo à mulher o mesmo poder de decisão. E tudo isso, conforme Barsted e Garcez (1999) se deu devido os incansáveis movimentos feministas em busca de tais direitos e reconhecimento da mulher como ser de direito, sob a forma de questionamento direto aos juízes, promotores, advogados e aos agentes públicos de modo geral, sobre até quando a honra masculina, que teria que ser resguardada pela própria mulher, teria mais valor que a vida dela, perante o judiciário, de modo que tais indagações fez nascer as primeiras delegacias da mulher, levando as jurisprudências brasileiras a serem menos tolerantes com a vítima que alegava legítima defesa da honra, até então usada de forma facultativa pelos Tribunais dos Júri.

Embora tardio, o adultério deixa enfim de ser considerando crime no Brasil no ano de 2005, por meio da Lei 11.106/05. Ramos (2012) esclarece que o ofendido não mais poderia justificar o crime sobe a alegação de a mulher ter cometido antes, pois como posto, o divórcio já era legal e o que naturalmente se esperava, era que o viés discriminatório de produção da mulher, como ser de direito, tivesse indiscutivelmente se alterado. Contudo, de acordo com Pimentel e Belloque (2006, p. 65) apud Ramos (2012, p. 70), em anos já posteriores, apesar da reafirmação de muitos direitos da mulher, por meio da instituição da Lei Maria da Penha - 11.304/06/05, ainda se percebe a produção da mulher como sujeito inferior naturalmente passível de violência como única forma de mantê-la sob o controle, sendo esse o meio utilizado até os dia de hoje, quando ainda nos deparamos com a alegação da legítima defesa da honra, alegação essa usada e aceita em um julgamento no anos de 2007, que resultou em absolvição de um assassino, com base na seguinte colocação:

Teve a imputação desclassificada para a sua forma culposa (artigo 121, § 3º, CP), recebendo a pena de 02 anos de detenção [...], entendendo os jurados que ele excedeu culposamente os limites da legítima defesa da honra.

Diante disso, ficava claro que a tal direito de defender sua honra era levado em conta, tanto que o jugado se remonta ao excesso cometido pelo réu, e não a ausência desse direito.

A legitima defesa da honra ainda persistiu em tempos bem próximos ao atual, também sob a forma de homicídio passional e, os réus, se não absolvidos, tinham sua pena minorada pelo mesmo argumento outrora chamado de legítima defesa da honra. Assim, o lugar da excludente de ilicitude, foi ocupado pelo homicídio privilegiado, classificando-o como crime passional, que conforme Corrêa (1982), não se trata de crime movido pelo amor excessivo distratado, abandonado, mas pelo ódio intenso, possessão e ciúme que energiza a vingança por parte do autor que o comete supostamente sob a legitima defesa da honra, por se achar possuidor da outra pessoa. É um crime notadamente masculino e utilizado dentro de uma constelação mais ampla de absolvição, por abranger não somente a honra dos maridos traídos, mas as dos pais, em casos de deslealdade dos filhos, ou de coronéis revoltados com a traição de seus capangas.

E de acordo com Jesus (2011) apud Rodrigues (2015, p. 59), esse lugar que o homicídio privilegiado ocupou é, de acordo com o código penal, causa de diminuição de pena, e para ele, essa minorante não era facultativa, mas obrigatória, por se tratar de direito consagrado pelo réu, não obstante o emprego da expressão “pode” pelo código; reconhecido o privilégio pelos jurados, não fica facultativo que o julgador diminua ou não a pena.

Porém, remontando a uma outra anuência, Ferlin (2010, p. 06) apud Rodrigues (2015, p. 61) acrescenta que ao contrário, é entendido hoje, diante consensos jurisprudenciais, que o homem que mata sua esposa ou companheira, etc., o faz em virtude do ódio ou da vingança, enquadrando-se, portanto, em crime contra a vida por motivo torpe, competindo ao Júri, por se tratar, a exemplo dos crimes passionais, de crime doloso, onde o agente distante de qualquer sensibilidade intencionou a prática, não ficando mais também impunes. Algo que pode ser visto nos dias atuais, como uma forma de libertação das mulheres, que assim romperam a opressão secular a elas imposta.

Gimenes (2014), apud Follmer (2014, p. 25) afirma que tratamento de homens às mulheres como um objeto que possui é antigo. Reflexo da afirmação é o sentir – se no direito de por termo à vida daquela que cometia o adultério, por exemplo. A sociedade pensava assim, quiçá ainda pensa, e a própria lei assinalava o comportamento possuidor do homem no momento que o autorizava ao cometimento do crime, pois este precisava manter a integridade de sua honra perante a sociedade. Hoje, a realidade é diferente, com mudanças no contexto social ou cultural, mas ainda há muitas mulheres que são vítimas devido ao ciúme, traição ou mesmo pelo fim do relacionamento.

Enfim, a mudança desse paradigma penal se traduziu e vem se traduzindo na ausência do reconhecimento da honra como de fato algo de relevante valor social, ou moral, e diretamente vinculado ao comportamento da mulher, que, embora, culturalmente a sociedade tenha ingressado no século XXI entendendo como não recriminável a conduta de homens que ferem e matam suas companheiras, namoradas ou esposas em prol da teórica e obstada defesa da honra ou paixão, podemos dizer que não há mais espaço para o modelo antes visto como relevante valor social ou moral, uma vez que este conceito, segundo Nogueira (1995 p. 95) apud Ramos (2012, p. 69), passou a ser visto como algo personalíssimo, e não cabe mais ao judiciário acatar o atrelamento da “honra” do homem à conduta de sua companheira, considerando ainda, que o real conceito de relevante valor social na sociedade atual, após afastar as incabíveis construções sobre tal conceito, guarda relação com aquele motivo que atende aos interesses da coletividade, ao corpo social, não aos interesses tão somente do agente. (GRECO, 2013, apud RODRIGUES, 2015)

O CASO ÂNGELA DINIZ 

Até aqui, foi abordado a evolução do conceito do relevante valor social ou moral nos crimes de homicídio relacionando-os aos códigos penais que existiram no Brasil e a permissividade dada ao homem como detentor de um direito sobre a mulher como se ela fosse um objeto de posse sendo possível atos contra a sua vida sob a alegação da defesa da honra. Para tanto, se faz necessário a exposição de um caso ocorrido no Brasil na década de 70 para a demonstração de uma mudança de paradigma quanto a aplicação da minorante prevista no §1º do artigo 121 do CPB.

Ângela Maria Fernandes Diniz foi uma socialite mineira assassinada pelo seu namorado, Raul Fernando Amaral Street – o Doca Street, quando ela tinha 32 anos de idade.

O namoro de quatro meses foi marcado por episódios de ciúmes e violência doméstica.

A seguir, será apresentado como este caso representa um marco histórico no país quanto a mudança de perspectiva no entendimento do que se entende por relevante valor social ou moral nos crimes de homicídio. Prova desta afirmação é que este caso teve dois julgados pois houve a convicção que a sentença imposta ao agente não teria sido a mais correta e, desta forma, a segunda decisão anulou a primeira.

4.1 O julgado do caso Ângela Diniz em 1979 

De acordo com denúncia do Ministério Público:

No dia 30 de dezembro de 1976, aproximadamente às 16 horas, na residência de Ângela Maria Fernandes Diniz, na Praia dos Ossos, em Cabo Frio, Estado do Rio de Janeiro, a vítima Ângela decidiu acabar definitivamente com a ligação amorosa com Raul Fernando do Amaral Street (Doca Street), mandando-o embora de forma irrevogável, ocasião em que discutiram acaloradamente. Raul arrumou seus pertences, colou-os no carro e afastou-se da casa, para retornar em seguida, sem nenhuma explicação. Tentou a reconciliação e, vendo-a frustrada, discutiram novamente, momento em que Ângela se afastou para o banheiro. Nessa oportunidade, Raul armou-se de uma arma automática “Bereta” e seguiu sua amásia, encontrando-a no corredor, abordando-a, ocasião em que desferiu vários tiros contra a face e o crânio de Ângela, culminando por matá-la. (MPRJ, 1979)

A alegação da defesa era que Doca Street haveria agido sob a legítima defesa da honra, enquadrando-o na minorante do §1º, do artigo 121, como relevante valor social ou moral, culpando a vítima pois ela seria a única responsável por desencadear tal ato em Doca devido ao seu comportamento impróprio, justificando assim, o assassinato da namorada. Na ocasião a defesa se referia a Ângela Diniz como “Fera Fatal, uma mulher fatal que encanta, seduz, domina”, enquanto a acusação tentava mostrar para o júri que o assassinato foi mediante motivo torpe e cruel.

Ora, muitos são os autores da escola positivista criminológica que defendem a atenuante de culpabilidade para aqueles que agiam desta mesma forma, exemplo disto são as teorias defendidas por Francisco Carrara. Para outro estudioso, Enrico Ferri, a penalidade para os indivíduos que cometiam crimes por amor era inútil e ao classificar os criminosos, dizia: “a última categoria é a dos criminosos por impulso de uma paixão não anti-social, tais como o amor, a honra. Para esses indivíduos toda a penalidade é evidentemente inútil. ” (apud, CALLEGARI, 2019)

E foi justamente a teoria de Ferri a adotada pelo advogado de defesa deste julgamento Evandro Lins e Silva (1979) quando na ocasião afirmou assim: “Esse moço é um passional, na conhecida classificação de Enrico Ferri, é um criminoso de ocasião, não é um delinquente habitual. O seu ato de violência é um gesto isolado em sua vida, produto de um desvario, num momento de desespero. ” (PAULO FILHO, 2019)

Tal pensamento corrobora com a do Bonnano quando ele afirma que crimes desta natureza não deveriam ser punidos pois homens que cometiam delitos desta natureza não ofereciam perigo à sociedade:

Se o critério da lei punitiva deve ser a justa e reta moderação da liberdade individual para o fim primordial da defesa da sociedade, não há razão alguma para punir homens que sempre foram honestos e bons, e que somente foram levados ao delito pela ofensa de seus afetos mais caros. Que perigo poderiam ainda constituir para a sociedade? (apud CALLEGARI, 2019 )

Outra posição que ratifica o pensamento dos renomados autores já citados é a de Evaristo de Moraes - pai de Evaristo de Moraes Filho, este, atuava como acusação no julgamento de Ângela Diniz - quando coloca:

Outrossim, quando a boa índole do criminoso, o seu honesto passado, a qualidade moral e social dos motivos e a forma apenas violenta da execução do crime, seguida de manifestação de arrependimento, ou de remorso, mostrarem que o mesmo crime foi um triste e doloso episódio da vida normal dos criminosos, não há razão para lhe ser aplicada qualquer pena, [...]. Toda a repressão seria inútil (CALEGARI, 2019)

Toda a defesa deste julgamento se fundamentava na boa índole de Doca Street e que todo o acontecimento decorreu devido ao comportamento “inadequado” da vítima. Evandro Lins, advogado de defesa, reiterava várias vezes que Ângela Diniz, “a ‘mulher fatal’, esse é o exemplo dado para o homem se desesperar, para o homem ser levado, às vezes, à prática de atos em que ele não é idêntico a si mesmo, age contra a sua própria natureza. ” (LINS, 1979 apud PAULO FILHO, 2019)

Sob esses argumentos, a condenação dada ao playboy Doca Street, autor dos quatro tiros no crânio, que levou Ângela Diniz à morte fora de dois anos de detenção, mas em decorrência da Sursis, ele responderia em liberdade.

Em matéria divulgada pelo jornal hoje em 18 de outubro e 1979 (GLOBO, 1979), na cobertura do julgamento de Doca Street, é interessante perceber o pensamento das pessoas à época quanto aos crimes praticados desta natureza. Ao final da reportagem sete pessoas foram entrevistadas e apenas duas se manifestaram contrárias à sentença. As outras cinco acharam a sentença válida, inclusive com opiniões afirmando que “tem gente bem pior que deveria estar preso. ” O que seria classificado como pior que tirar a vida de uma pessoa?

4.2 A revisão do caso Ângela Diniz em 1981

Em que se pese a interpretação do relevante valor social de outrora na sociedade brasileira, é notório o afloramento de discussões para uma redefinição deste significado após o julgamento do playboy Doca Street no caso Ângela Diniz, ao se perceber que argumentos como “agir em legítima defesa da honra ” não mais seria uma justificativa aceitável para tirar a vida de uma mulher. Nota-se a mudança deste conceito para a sociedade.

Assim, o caso ganhou grande notoriedade no Brasil após o julgamento de Doca Street, principalmente em decorrência da pena imposta. Este evento foi um marco para a sociedade brasileira, ao despertar a consciência da população quanto a impunidade de homens que matam ou cometem violência contra mulheres, e para a justiça brasileira quanto a necessidade de mudança de posicionamento acerca de homens que matavam suas companheiras na aceitação do argumento da legítima defesa da honra atribuindo uma pena baseada no relevante valor social ou moral.

Grossi (1993) aponta a importância desta ocorrência para o levante contra a aceitação da normalidade a casos parecidos afirmando:

De vítima, Ângela Diniz passou a ser acusada de ‘denegrir os bons costumes’, ‘ter vida desregrada’, ser ‘mulher de vida fácil’ etc. Na verdade, era como se o assassino tivesse livrado a sociedade brasileira de um indivíduo que punha em risco a moral da ‘família brasileira'. O resultado do julgamento de Doca Street provou a eficácia desta lógica junto à Justiça. (GROSSI, 1993)

Este evento foi decisivo para a mobilização de movimentos com o lema: “Quem ama não mata! ” de grupos feministas “contra a impunidade em casos de assassinatos de mulheres por homens. ” (Grossi, 1993). A mídia também deu a sua contribuição ao fazer uma cobertura exaustiva do caso. Ainda, de acordo com Grossi (1993, p. 93) o “julgamento do assassinato de Ângela Diniz, o primeiro a receber uma intensa cobertura da mídia, acabou se tornando um marco na história [...] a respeito da violência contra a mulher. ” Tais movimentos, que obtiveram sucesso em suas empreitadas, tinham como objetivo um novo julgamento. Tanta repercussão não poderia deixar de chamar atenção.

Pereira (2010) aponta que após recursos da defesa além de manifestações de movimentos acima citados o TJRJ decidiu pela anulação do julgamento de 1979 marcando um novo julgamento para novembro de 1981.

Notável é a mudança de postura do júri quanto à percepção do crime cometido pois a sociedade brasileira, no início dos anos 80, já passara por transformações no conceito do relevante valor social e moral. Destarte, neste segundo julgamento, resultado de uma quebra de paradigma, Doca Street, considerado culpado por homicídio doloso qualificado pelo tribunal do júri, fora sentenciado a cumprir pena de quinze anos de reclusão.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O relevante valor social ou moral trata de uma causa de diminuição de pena que, nos crimes de homicídio, ocorre a diminuição de 1/6 a 1/3 da pena a ser aplicada. Tal critério leva em consideração os motivos em que o ato ocorreu visto que qualquer pessoa, na mesma situação, seria impulsionada a agir da mesma forma, tirando a vida de outrem.

No trabalho tentou-se comprovar o caráter transitório desta minorante passando pelas diversas legislações vigorantes no Brasil, mas especificamente sobre como era a pena atribuída ao homem que tirava a vida de sua companheira e a forma que tal ação era legitimada, sempre em defesa da honra e daí a justificação da aplicação do relevante valor social ou moral quando sentenciada a sua pena. Hoje, no contexto atual, nestes tipos de homicídio o argumento da defesa da honra, para a aplicação da minorante de pena, não é mais aceitável.

O exemplo para o embasamento da pesquisa foi o caso de assassinato da Ângela Diniz que mostra de maneira eficaz as mudanças na forma de pensar de uma sociedade e como isso impactaria na aplicação de uma norma penal ao sentenciar um réu. No primeiro julgamento, o assassino teve a pena diminuída sob o entendimento de que o ato por ele cometido era relevante para a sociedade devido o comportamento “impróprio” da sua namorada e, desta forma, o Doca Street estaria “livrando” a sociedade desse mal reforçando o pensamento do direito do homem sobre a mulher, vista como um objeto.

O caso ganhou tanta notoriedade que foi reconhecida a necessidade de um novo julgamento e desta vez, não fora aplicada causa de diminuição da pena, pelo contrário, houve a percepção que o motivo que o levou à prática do homicídio teria sido torpe e cruel.

Assim, é possível inferir que o relevante valor social ou moral não tem um conceito estático visto o caráter transitório de uma sociedade que passa por várias mudanças no contexto moral influenciando e sendo capaz de alterar uma norma penal.

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. 1659 p.

BRASIL. Decreto-lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, RJ, 7 dez. 1940.

CALLEGARI, André Luís. A Criminologia e o Crime passional. Disponível em: . Acesso em: 28 set. 2019.

CASTRO, Lana Weruska Silva. O Crime Passional de Doca Street. 2018. Disponível em: . Acesso em: 26 set. 2019.

FOLLMER, Simone Fernanda. Legítima Defesa da Honra e a Violenta Emoção do Crimes de Homicídio Passional. 2014. 64 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Centro Universitário Univantes, Lajeado, 2014. Cap. 4.

GLOBO, Memória. Assassinato de Ângela Diniz. 1979. Disponível em: . Acesso em: 26 set. 2019.

GROSSI, Miriam Pillar. Novas/Velhas Violência contra a mulher no Brasil. Revista Estudos Feministas, Rio Grande do Sul, v. 27, n. 1, p.473-483, abr. 2019.

PAULO FILHO, Pedro. O Caso Doca Street. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2019.

PEREIRA, Robson. Grandes Julgamentos: Os Processo que Fizeram História no Brasil. 2010. Disponível em: . Acesso em: 26 set. 2019.

RAMOS, Margarida Danielle. Reflexões sobre o processo histórico-discursivo do uso da legítima defesa da honra no Brasil e a construção das mulheres. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 1, n. 22, abr. 2012.

RODRIGUES, Carlos César. “Legitima Defesa da Honra”: Homicídio passional e tribunal do júri. 2015. 91 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015.