Crônicas de Minha Cidade:  O Contador de Estória da Rua do Oriente – Zé Madeira

 

 O Contador de Estória da Rua do Oriente – ZÉ MADEIRA!

Zé Madeira da mercearia era uma pessoa bem humorada. Em seu estabelecimento na Rua do Oriente, atual Oriano Mendes, Zé atraía seus fregueses com seus causos e estórias que contava. Sua “budega” assim como chamamos pelo lado de cá, era bem sortida. Simples, mas bem agradável.

Um balcão de madeira feito de ripa na parte vertical. Na parte de cima, servia-lhe um balcão com tábua de Frei Jorge, madeira abundante na região e extraída da Serra da Meruoca, medindo 2 metros de comprimento por 40 centimetros de largura. As prateleiras, esculpida de Madeira de Pau Branco e caibros de Muiracatiara muito resistente a cupins.

Uma de suas partes era coberta com zinco já meio degastado pelo tempo. No zinco, avistava-se o uso e marcas de perfuração do facão onde ele cortava a carne e batia para separar os ossos mais grossos. Tinha um pouco de tudo: Vendia frango abatido, carne de gado, linguiça caseira. Do porco, tinha as gulosimas; o pernil, a costela, o mocotó, o toucinho fresco e toucinho salgado dentro de um talha de alguidar. Do outro lado, numa lata de querosene com banha de porco bem fresquinha e esbranquiçada. Um pano branco em cima para coar a banha quando ia para a lata. Naquela época estava chegando o Óleo Pajeú, aquele que tinha uma menina na lata com dois laços na cabeça.

Num trago, dava-se um gole da cachaça serrana. Ao colocar no copo para servir os padudinhos e apreciadores da esquina, fazia-se um rosário. Uma coroa de espuma aparecia ao redor do copo. Sinal que esta era das boas, oriundos dos alambiques de nossa região: Serra do Rosário, Alcântaras, Camilos, Ventura, muito dos povoados da Serra da Meruoca e outras abastecidas da Viçosa do Ceará, Tiangúa e Guaraciaba do Norte. Dava para sentir de longe o cheiro da danada. Podia até dar uma provada.

Vários gradados empilhados na parede de Guaraná Wilson e Guaraná Tabajara de Sobral do lado de fora emborcados num madeiral. O Leite LASSA era vendido em garrafinhas de vidro de um Litro com desenho e logotipo da empresa. Um rolo de fumo, do lado esquerdo do balcão vendido a retalho. Comprei muito para minha avó Dona Úrsula, que morava na outra rua - A Rua do Celeiro.

Zé Madeira vendia querosene para colocar na lamparina das casas. Conta Dona Socorro, minha mãe, quando adolescente e em outrora às luzes da rua desligada às 09 00min hs da noite todo dia.

Continha em sua mercearia: farinha, arroz, feijão e milho sequinho para alimentar as galinhas. Até cimento no quilo servindo a granel num balcão adaptado no lado de dentro com uma divisória e tampa para cada item.

A medida era um recipiente de madeira em formato cubo de 10 cm de altura com 10 cm de largura 10 cm de profundidade. Com ele media aproximadamente “Um Litro”.

Então depois de conhecer seu estabelecimento na Rua do Oriente, vamos o que interessa.

- Zé Madeira tinha uma paixão incondicional pelo Time da casa - Guarany Sporting Club de Sobral –

- Eis um de seus causos:

Certo dia, O Guarany de Sobral disputava a 1ª Divisão do Campeonato Cearense. Guarany de Sobral X Ceará na disputa pelo título. O clássico foi marcado no PV (Estádio Presidente Vargas na capital cearense). Horário: às 20h00min Horas, num dia de Sábado

Zé Madeira com sua venda lotada. Esperando atender o último freguês para se aprontar para o jogo. Depois do almoço a venda ficou mais calma.

Zé Madeira deu o recado para mulher, deixou as chaves da mercearia, tirou alguns trocados, ajeitou o apurado do dia, guardou-o num lugar seguro e foi se arrumar para o Clássico. Quando Zé Madeira foi pegar o ônibus Brasileiro no Inferninho, uma surpresa. O ônibus Brasileiro já tinha partido, pois Zé Madeira chegou atrasado.

Contava ele:

- Olhei pro relógio, conferi o bilhete do jogo e não podia perder o Clássico do Guarany com Ceará. Logo pensou, disse ele. Foi na Mercearia do amigo Zé Ozeas, perguntou se tinha Sabão Flamengo – Sabão Flamengo era uma barra enorme que pesava quase um quilo na época. Zé Madeira comprou uma Caixa de sabão, jogou debaixo do braço e foi a luta.

- Zé avistou um desocupado pela esquina e pediu para fazer um favor. Foi até à linha do trem na Ponte Grande hoje (Ponte Othon de Alencar). Aprumou duas barras de Sabão Flamengo nos trilhos e jogou-nas, os pés em cima amarrando-as com uma fita.

Após se aprumar com os pés nos trilhos chamou o papudinho desocupado e pediu para empurrar:

- Anda logo, coloca a mão nas minhas costas e quando estiver pronto empurra com toda tua força que quero alcançar a partida do meu timão - O Guará Guarany.

- Assim fez e ele foi embora deslizando ente os trilhos.

E completou a conversa:

- Quando as barras de sabão estavam para se acabar, fazia uma parada rápida, trocava por mais duas que ia levando dentro da caixa. Assim conseguiu chegar ao Terminal da Antônio Bezerra entre a Mister Hull e Otávio Bonfim em Fortaleza.

Zé Madeira chegou a tempo dos 90 minutos, e o timão ficou no primeiro lugar, levando a Taça Cearense.

Os causos contados por Zé Madeira era falado e lembrado diariamente no seu estabelecimento. Vinha gente de outros bairros só para ouvi-la. Alguns queriam lhe imitar, mas não tinha o dom de contar e falar com tanta presteza.

Ai quem sorria e fazia gracinha. Ele a expulsava do seu local de trabalho, falando sério. Dizia:

- Se não acreditarem pode perguntar ao “Finado Palito..”

 

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Wilamy Carneiro é cronista, poeta, historiador e escritor. Autor do livro LUZIA-HOMEM EM PROSA E CORDEL, publicado em 2020. Em 2019, No dia 29 de Maio publicou o livro Einsten e Sobral - A Cidade Luz,  em alusão ao Centenário da Relatividade. membro da ALMECE - Academia de Letras dos Municípios do Ceará.